segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Verdadeiros Cientistas, Fé Verdadeira



BERRY, R. J. (org). Verdadeiros Cientistas, Fé Verdadeira. Viçosa, MG: Ultimato, 2016.

São 20 capítulos, escritos por 20 eminentes Cientistas que creem firmemente que a fé (no caso a cristã) não está em descompasso com a Ciência. Na contramão, existem muitíssimos Cientistas que discordam violentamente deles. É assim mesmo. A discussão não tem fim. E nem é para ter mesmo.

Esse livro faz parte da série Ciência e Fé Cristã, da editora Ultimato, que ainda lançara nove livros dessa coleção tratando da relação entre Ciência e Religião Cristã, mostrando que a despeito do que se dissemina ainda em alguns círculos, os homens e mulheres que estudam a natureza também creem.

Em confirmação, Alister McGrath, Ph.D em Biofísica Molecular e Ph.D em Teologia Histórica na Universidade de Oxford, escreve no primeiro capítulo:

“[...] o método científico claramente não implica ateísmo, aqueles que querem utilizar a ciência em defesa do ateísmo vêem-se forçados a valer-se de uma série de idéias metafísicas não empíricas ás suas versões de ciência, esperando que ninguém perceba essa manobra intelectual.” P. 21.

John Houghton, ex-Professor de Física Atmosférica da Universidade de Oxford e Prêmio Nobel da Paz (2007), faz coro as palavras do McGrath:

“O conflito que se imagina estar presente entre a descrição científica do mundo e descrição de Deus como criador surge, a meu ver, de um mal-entendido acerca da natureza de ambas as descrições. Em vez de conflito, há uma estrita ligação; a ordem e a coerência que encontramos na nossa ciência podem ser vistas como reflexos da ordem e da coerência no próprio caráter de Deus.” P. 34.

E a exemplo do Teste da Fé, primeiro livro da série, todos os Cientistas presentes na obra são evolucionistas. Andrew Briggs (Ph.D em Física na Universidade de Cambridge e Professor da Universidade de Oxford, foi Diretor da Cooperação Nacional Interdisciplinar do Reino Unido de Pesquisa em Processamento de Informação Quântica), apesar de cristão convicto, também é um aderente da Teoria da evolução, que tece algumas críticas ao projeto moderno do Design Inteligente, um movimento composto por diversos Cientistas e Filósofos, que tenta desqualificar as idéias neodarwinistas.

“Alguns escritores do movimento do design inteligente argumentam que a complexidade do mundo biológico não poderia ter surgido sem alguma direção independente do projetista inteligente. Não sei de nenhum de meus colegas na minha própria universidade que considere esses argumentos convincentes ou úteis. Até mesmo em órgãos de impressionante complexidade como os olhos, há crescente evidência de que desenvolvimento evolucionário pode ocorrer por diversos caminhos.” P. 51.

Não adianta! Por mais que existam ótimos Cientistas que neguem a poder explicativo das idéias e conceitos gerais de Darwin, a maioria dos estudiosos da natureza estão com ele. Nesse caso, até muitos Cientistas cristãos, como os que escreveram esse livro.

Chris Done (Ph.D em Astrofísica na Universidade de Cambridge, foi Pesquisadora da NASA, é Professora da Universidade de Durham) nos conta que desde sua adolescência tinha decidido ser uma Cientista, e na sua cabecinha, necessariamente teria que virar atéia. E foi o que ela se tornou. Ironicamente, uma atéia-cristã, visto que como ela gostava de cantar no coral de sua igreja, continuou cantarolando, mesmo sem acreditar. Mas em conversa com um certo pastor, suas concepções sobre Deus, Jesus e a Bíblia começaram a tomar um novo rumo, ou o rumo de volta a fé. Ela nos conta:

“Ele [um certo pastor] me emprestou alguns livros sobre as evidências de que Jesus era o filho de Deus – sua vida, morte e ressurreição. Sou cientista e adoro evidências. Ponderá-las é o que fazemos. E fiquei chocada ao descobrir que existem evidências! Evidências de que Jesus viveu, morreu, e o pior do meu ponto de vista ateísta, evidências de que ele ressuscitou”. P. 59.

Ela fala mais:

“Assim, assustadoramente, como ateísta encontrei-me numa posição em que podia ver eu havia evidências suficientes para sustentar uma crença no cristianismo em termos de um Jesus literalmente ressurreto”. P. 60.

A partir daí, foi inevitável para ela torna-se uma mulher de fé.

Colin J. Humphreys (Ph.D em Física e Professor de Ciências dos Materiais na Universidade de Cambridge, Mestre em Física na Universidade de Oxford) é mais um que corrobora a visão historicamente bem fundamentada de que a Ciência moderna emerge exatamente na Europa, por causa da visão de mundo cristã.

“Há eminentes historiadores da ciência que argumentam que a razão pela qual a ciência pôde florescer na Europa do século 17 (e não anteriormente em lugares como a China antiga, Egito, a Índia, a Babilônia ou a Grécia, embora eles fossem observadores brilhantes dos fenômenos naturais), foi em decorrência do fato de que muitos dos primeiros cientistas europeus (Newton, Kepler, etc.) eram cristãos que criam num Deus estável e num universo ordenado”. P. 76.

Os que compuseram essa obra, são de pessoas de fé arrojada, que não se envergonham de dizer que acreditam em Jesus. Simon Stuart, Ph.D em Biologia na Universidade de Cambridge, é um exemplo:

“Presumo que minha conversão foi totalmente pós-moderna no sentido que conheci Jesus e o recebi na minha vida antes mesmo de conhecer o evangelho em termos mais convencionais. No entanto, ele me recebeu ainda assim, e minha vida nunca mais foi a mesma. Foi a decisão mais importante que já tomei e da qual nunca me arrependi.” P. 93.

Obviamente esse tipo de declaração subjetiva, não prova absolutamente NADA. Contudo, serve para mostrar que a fé (nesse caso a cristã) pode atingir e realmente atinge muitas vezes as mentes mais bem preparadas do nosso tempo. Stuart é um dos Cientistas que estão na ponta de lança, entre os  incumbidos de fazerem uma varredura global sobre as espécies que estão em fase de extinção. Seu trabalho é da máxima importância para a preservação da saúde ambiental do nosso planeta (mesmo ele reconhecendo o fracasso de alguns projetos dois quais participou). Muitos de seus colegas, provavelmente rirão sarcatiscamente dessa declaração religiosa tão, tão, tão “ingênua”. Bom, é só ele devolver o riso.

Voltando a suposta inimizade entre fé e razão, Francis Collins, Ph.D em Físico-Química pela Universidade de Yale, Diretor do Projeto Genoma e membro da Academia Nacional de Ciências dos EUA, desfaz essa briga:

“É tempo de pedir uma trégua entre a ciência e o espírito [religião]. A guerra nunca foi realmente necessária. Ela foi iniciada e incentivada por extremista de ambos os lados, alardeando a ruína imediata caso o outro lado não seja consquitado. A ciência não é ameaçada por Deus; é aprimorada. Deus certamente não é ameaçado pela ciência; ele tornou tudo possível. Busquemos então, juntos, retomar o terreno de uma síntese espiritualmente satisfatória de todas as grande verdades. A antiga pátria da razão e da adoração conclama a todos que sinceramente buscam a verdade a vir e se estabelecer definitivamente ali”. P. 136.

Ghillean Prance (Botânico, ex-Professor da Universidade de Reading e Yale, membro da Academia de Ciências do Brasil, Dinamarca e Suécia, e da Royal Society, de Londres) faz uma declaração curiosa:

“Talvez seja mais fácil para um biólogo conciliar fé e ciência do que em outras áreas do conhecimento, já que os biólogos têm a oportunidade de estudar o funcionamento da criação. A pergunta que sempre é feita a um biólogo que confessa a fé cristã é: “Como você concilia sua crença em Deus com a teoria da evolução?”. Para mim isso nunca representou uma dificuldade.” P. 140.

Geralmente é o contrário. Entre os Cientistas, os Biólogos são os mais céticos; são os que mais encontram dificuldades para conciliar a existência de uma divindade benevolente, com a inexorável e crueldade presente na natureza. Essa declaração do Prance destoa do que já li sobre o assunto.

Montagu Gordon Barker, ex-Professor de Psiquiatria das Universidades de Bristol e Dundee, expressa claramente sua fé no Cristo:

“[...] o Deus Criador veio viver entre os homens na pessoa de Jesus, que ele morreu numa cruz por nós e que ressuscitou dos mortos para trazer nova vida a todos que nele confiam. Isso está no centro de minha vida.” P. 161.

Andy Gosler (Professor de Biologia e Ciências Humanas na Universidade de Oxford, membro da Sociedade Internacional de Ornitologia) afirma que os argumentos ateístas estão eivados de erros:

“Comecei a perceber que a conclusão de que Deus não existia não provinha, necessariamente, de qualquer ciência real, mas de argumentos contrários falaciosos – de leituras simplistas de Gênesis, do ‘senso comum’ [...] Seguiu-se então o pensamento de que, se os melhores argumentos em favor do ateísmo eram tão fracos, segue-se que Deus poderia realmente existir, e isso provavelmente seria a coisa mais importante que uma pessoa poderia saber.” P. 186, 187.

Jennifer Wiseman (Ph.D em Astronomia na Universidade de Harvard, Bacharel em Física pelo Instituto de Tecnologia de Massassuchests (MIT), Chefe do Laboratório de Astrofísica Estelar na Divisão de Astrofísica Ciência na NASA. Membro da Associação Científica Americana e da Associação Americana para o Avanço da Ciência) escreve:

“Diversas facetas da pesquisa astronômica apontam para um incrível início do universo há cerca de 13,8 bilhões de anos e para um espetacular desenvolvimento do universo no espaço e no tempo desde então, levando à formação da vida em pelo menos um planeta. Isso aponta para Deus? A ciência não responde esse tipo de pergunta. Contudo, olhando através das ‘lentes da fé’ quando observo o universo, vejo evidências incríveis do poder de Deus, do seu amor pela beleza, sua paciência e seu supremo desejo pela vida”. P. 207-208.

R. J. Berry, Ph.D em Genética na Universidade de Londres, membro da Sociedade Britânica de Ecologia, Federação Ecológica Europeia:

“A ciência e a fé têm metodologias diferentes, mas elas são complementares, não contraditórias; uma fé sem razão é tão entorpecedora quanto uma razão sem fé.” P. 222.

John Wyatt, Professor de Medicina no Hospital da Universidade de Londres:

“Minha experiencial pessoal, como a de tantos outros cientistas pesquisadores, é que o entendimento cristão fundamental do cosmos, a visão de mundo cristã, apoia e motiva a exploração científica. A profunda convicção de que o universo é construído sobre princípios racionais e, ainda mais incrível, de que é possível ao cérebro humano descobrir e compreender esses princípios, está no cerne do empreendimento da pesquisa. É o entendimento cristão da ordem da criação e de que os seres humanos feitos à imagem e semelhança de Deus que embasa e ilumina essas convicções”. P. 225. 

Robert White, Pós-Doutorado e Ph.D em Geofísica Marinha e Bacharel em Geologia na Universidade de Cambridge, membro da Royal Society:

“As evidências bíblicas de um universo criado com um propósito, tomadas juntamente com as evidências científicas que corroboram a evolução ao longo de bilhões de anos, gerando um lugar adequado para habitação humana, reforçam a mensagem de que a humanidade não é o produto acidental de um universo sem significado." P. 247.

Destoando de todos, David Oldroyd, Ph.D em História da Ciência na Universidade de New South Wales, na Austrália; membro da Academia Australiana de Ciências Humanas, citado por S. C. Morris, nos fala:

“Devo primeiramente afirmar minha posição metafísica: sou ateísta. Os argumentos em favor do teísmo [existência de deus] parecem tão absurdos que o fato deles encontrarem qualquer benevolência só pode ser explicados, a meu ver, por meios sociólogos." P. 254.

Muitos são os que fazem coro a esse tipo de declaração. Uma explicação sociológica bem amarrada pode fornecer uma resposta satisfatória? Ou o Oldroyd está equivocado? Nao seria uma afirmação dramática demais? 

Simon Conway Morris, Professor de Paleobiologia Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Cambridge, membro da Royal Society e da Sociedade Geológica de Londres:

“Quando se trata da consciência, caso se adote uma noção de causação de baixo para cima, então evidentemente a mente só poderia ser o resultado da química e dos neurônios agregados. Embora essa seja a resposta-padrão evolucionária, ela me parece incoerente: a mera intratabilidade de como a matéria vem a compreender qualquer coisa permanece insolúvel. Os materialistas insistirão, é claro, que os sentidos de algum modo garantem a mente. Mas a menos que o mundo seja profundamente racional, o que eles devem negar por causa da crença deles que tudo é o produto de forças cegas e sem sentido, então não podemos encontrar uma explicação para o ser, para a ‘magia’ do mundo, e seus atributos de experiência, para não falar das cadeias de pensamento que nos permitem formular abstrações extraordinárias”. P. 266.

É aquilo que ainda julgo convincente. É incoerente afirmar racionalidade, ao mesmo tempo em que se argumenta com tanta paixão, que tudo que vemos é a culminância da irracionalidade.

O que já não é novidade é a influência de C. S. Lewis na jornada rumo a fé de muitas pessoas e também de vários desses Cientistas. Dave Raffaelli (Ph.D em Geologia Marinha na Universidade de Bangor, com Pós-Doutorados nas Universidades de Otago e Essex; foi vice-Presidente da Sociedade Britânica de Ecologia) é um exemplo:

“Quis o destino que o livro de C. S. Lewis [Cristianismo Puro e Simples] quase literalmente caísse no meu colo [...] Eu o li, apenas para me divertir [...] Isso acabou provando-se um grave erro de previsão. Assim, dei um salto de fé, passando de não cristão para a fé, e nunca olhei para trás.” P. 281.

Denis Alexander, Ph.D em Neuroquímica no Instituto de Psiquiatria de Londres, foi chefe do Departamento de Imunologia Molecular na Universidade de Cambridge:

“A ciência e a fé não são mundos diferentes, mas diferentes aspectos de um só mundo, o mundo de Deus. Todos os cientistas têm o privilégio de descobrir um pouquinho mais a respeito das maravilhas da criação de Deus”. P. 306.

Rosalind Picard, Professora, Ph.D e Mestre em Ciências, Engenharia Elétrica no Instituto de Tecnologia de Massassuchetts, graduada em Engenharia Elétrica no Instituto de Tecnologia da Geórgia:

“Muitos ateístas caem numa armadilha. Eles assumi que a ciência é a medida suprema da verdade. Alguns assumem que as únicas coisas verdadeiras são as demonstradas pela ciência, e que os únicos tópicos válidos são aqueles que a ciência pode abordar. Ironicamente, o que eles estão afirmando – de modo míope, com base na fé – é que eles possuem os únicos recursos para a obtenção da verdade. Enquanto isso, há muitas perguntas e respostas importantes que se encontram fora do alcance dos recursos da ciência. A ciência não pode provar ou refutar a maior parte dos acontecimentos históricos; a ciência não pode responder às perguntas fundamentais a respeito do significado e propósito; a ciência não pode explicar a beleza e a ordem encontradas na matemática.” P. 320.

Acho que deixei de citar apenas dois Cientistas. Mas aí está um esboço geral de todo o livro. 

Link para o Teste da Fé, primeiro livro da série:

http://dinhosheol.blogspot.com.br/2016/02/o-teste-da-fe.html

sábado, 20 de agosto de 2016

Desafios do século 21 para o pensamento cristão: esboços teológicos



GONZÁLEZ. Justo. Desafios do século 21 para o pensamento cristão: esboços teológicos. São Paulo: Hagnos, 2014.

Justo Gonzáles, Ph.D e Mestre em Teologia Histórica pela Universidade de Yale, continua sendo um dos Teólogos e Historiadores do Cristianismo, que mais admiro e prezo. Na presente obra, temos alguns esboços de temas de suma importância não apenas para a igreja, mas para a sociedade global. González se destaca pela facilidade com que passeia pela história, para adentrar nos assuntos propriamente ditos.

Qual a postura que a igreja cristã deve tomar frente aos problemas que acometem o nosso conturbado século XXI? Quais atitudes ela deve ter perante as questões ecológicas, econômicas, culturais e etc.? Olhando para os seus primórdios e extraindo das escrituras princípios que possam nortear a conduta da mesma.

No desafio imposto pela ecologia, dois fatos curiosos nos são trazidos. Devido à influência do platonismo na igreja, a partir do século II, houve durante vários séculos da história do cristianismo, um certo desprezo pelas coisas terrenas. O olhar sobre o mundo era sempre com as lentes platônicas. O espiritual era tido como mais importante que as coisas sensíveis. Estas podiam ser relegadas a segundo ou terceiro plano. Dois Teólogos proeminentes da igreja destacam-se pelo desdém ao mundo natural.

“[...] o próprio Agostinho mostra-se muito dolorido e arrependido porque em certa ocasião se ativera por uns minutos a observar a conduta de uma lagartixa, quando na realidade deveria ter se ocupado das verdades eternas. Séculos mais tarde, Anselmo de Canterbury declarou que, porquanto o ser humano foi feito para contemplação de Deus, se por apenas um instante afasta sua vista do Eterno, a fim de contemplar em seu lugar o mais formoso dos astros, não poderá em toda a eternidade pagar por tal pecado.” P. 26-27.

Parece piada isso, não é? Esses dois foram muito inteligentes em várias abstrações filosóficas, mas só uma pessoa com o parafuso solto levaria a sério hoje em dia, esse tipo de conduta que ambos pareciam levar. Com esse tipo de pensamento, nenhuma sociedade avançaria na técnica e na ciência. O cara virar cristão para depois ficar com o peso na consciência por observar os movimentos de uma lagartixa, é de lascar. Se bem que Agostinho era meio lélé da cuca mesmo. Anselmo também não fica atrás na paranoia.

González propõe uma volta ao livro de Gênesis para a fundamentação de uma teologia ecológica. O primeiro livro da Bíblia fala-nos sobre a criação do homem/mulher e do restante da criação. Nada melhor do que extrair dos primeiros capítulos de Gênesis, uma práxis ecológica não baseada na exploração descarada da natureza, mas de respeito pela mesma. Ele reconhece que os cristãos em muitos momentos não tiveram o devido respeito pelo mundo natural, explorando-o sem responsabilidade, ou fazendo vista grossa aos desmandos contra a natureza. Portanto, cabe a igreja arrepender-se.

Na relação entre pensamento cristão e economia, González defende no capítulo 2, que a comunhão de bens da igreja primitiva não foram os casos isolados registrados no livro de Atos 2 e 4. Usando documentos cristãos dos séculos II e III, as evidências nos indicam que os primeiros cristãos, pelo menos em teoria estavam dispostos a ajudar aqueles que estavam necessitados entre as suas diversas comunidades de fieis.

É enfatizado que as contribuições eram voluntárias, o que está muito longe de ser o que é praticado há muitos anos nas mais variadas igrejas, onde a coerção psicológica e espiritual acompanham os pedidos de dinheiro de forma descarada e sem pudor algum.

“Se avançarmos ao final do século 2 e início do século 3, veremos Tertuliano [um dos líderes da igreja] declarando que as ofertas dos cristãos são voluntárias: ‘Em certo dia do mês, se assim o desejar, cada um faz uma pequena doação, mas somente se desejar e se puder, porque não há obrigação, mas tudo é voluntário’.” P. 79.

Há uma ressalva aí: os ricos tinham obrigação de ajudar aos irmãos pobres. Mas o que ocorre nos dias hodiernos é a cobrança indevida de dinheiro dos mais lascados financeiramente.

No capítulo 3 é abordada a catolicidade da igreja. González conhecido por seu ecumenismo conclama as várias as comunidades e tradições cristãs a não olharem para as suas perspectivas teológicas e espirituais, como as únicas dignas de crédito e de fidelidade ao evangelho. Assim como as escrituras possuem 4 evangelhos distintos e de múltiplas visões sobre os acontecimentos sobre a vida de Jesus Cristo, mas mesmo assim, eles se complementam e se enriquecem mutuamente. De modo semelhante, as inúmeras igrejas devem ter um olhar de humildade e reconhecer nas outras comunidades de fé, que estas também representam o evangelho de Jesus. Não proceder assim é ser sectário e herege.

No próximo capítulo o foco é a relação entre as várias culturas (“povos, nações e línguas”, tomando emprestadas as palavras de João no Apocalipse), lembrando que nenhuma cultura ou povo é superior a outro, e, que o ocidente (cristão) provou-se não mais cristão que as outras regiões do planeta.

“Hoje sabemos, principalmente depois de duas bombas atômicas e uma longa história de exploração e opressão, que a cultura ocidental não é necessariamente mais cristã que as demais”. P. 135.

Todas as culturas têm o seu lado positivo, não deixando de lado os seus aspectos negativos. O pensamento cristão deve ser multicultural; que a igreja não caia no erro de impor os seus costumes culturais aos povos aos quais pretende levar a mensagem de Jesus. Chegamos mais uma vez, na catolicidade do pensamento cristão, onde o etnocentrismo não tem lugar, visto que nenhuma cultura expressa melhor que a outra a vontade de Deus.

O livro possui mais três capítulos... Neles entra em cena o González pastor/pregador/evangelista; o homem de fé, que apesar de toda a sua erudição, acredita piamente que todos os problemas que assolam o nosso mundo um dia irão acabar, visto que Deus em Cristo na consumação de todas as coisas, a tudo restaurará.  

Outro livro do González resumido, pode ser visto nesse aqui:


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Pelagianismo e Semipelagianismo


OLIVEIRA, Ivan de. Pelagianismo e Semipelagianismo. São Paulo: Reflexão, 2016.

A Reflexão é uma editora relativamente nova no mercado editorial religioso brasileiro, que vem investindo pesado na publicação de livros de Teologia Arminiana. Ela conseguiu angariar um público fiel de consumidores ávidos por uma Teologia diferente da teologia calvinista. Até então, eu pelo menos, só tinha conhecimento de um site na internet (Arminianismo.com), que estava realmente preocupado em divulgar as concepções doutrinárias de Jacó Armínio. Agora temos uma infinidade enorme de obras que estão desmistificando, desmentindo e corrigindo as distorções que se fizeram e se faz do pensamento de Armínio e de seus seguidores.

Logicamente que os calvinistas estão odiando as publicações quase mensais de livros arminianos. Editoras calvinistas já estão publicando obras “refutando” as “heresias” de Armínio. Eles se acham os guardiões das Doutrinas da Graça. Eu digo que são os guardiões das Doutrinas da DESgraça.

Fazendo jus a sua militância pró-Armínio, a Reflexão acaba de publicar mais um livro sobre a temática do pensamento deste Teólogo.

Pelagianismo (Pelágio), Semipelagianismo (João Cassiano) e Agostianismo (Agostinho) - três hermenêuticas que perpassam a história do Cristianismo. Nesse livro, Ivan de Oliveira (Pós-Doutorando, Ph.D e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie) faz as devidas distinções entre esses três conceitos que surgiram nos primeiros séculos da igreja cristã, contrastando com o pensamento do Teólogo Jacó Armínio, no século XVI-XVII.

Pelágio ensinava que o homem pode adquirir a sua salvação sem “nenhuma” ajudinha vinda do alto.

Uma informação importante é que só sabemos algo de Pelágio através dos escritos condenatórios de seus inimigos. Tenho lá minhas dúvidas se o doido de Hipona (Agostinho) retratou fielmente as idéias pelagianas.

“Não é tarefa simples apresentar uma biografia de Pelágio. Quase todas as informações que temos a seu respeito derivam de seus opositores, sobretudo de Agostinho de Hipona, Jerônimo e Paulo Osório.” P. 11.

Agostinho a partir de 417 de nossa era, dizia que o homem é totalmente passivo quanto a sua salvação. Deus é quem tudo realiza.  

João Cassiano dizia que o homem alcança a sua salvação com a ajudinha de Papai do Céu, porém, o primeiro passo é o homem quem dá.

Bom, esses três noiados citados são dos séculos IV e V. Jacó Armínio vem centenas de anos depois (1560-1609). Discordando das ideias de Calvino, Beza e tantos outros reformados igualmente retardados, Armínio não coadunou com a interpretação agostiniana-calvinista de que o homem é completamente passivo em seu processo de redenção. Isso lhe rendeu e rende a acusação injusta de que suas idéias refletem as velhas “heresias” de Pelágio ou Cassiano.

Na verdade, como bem mostra Oliveira, Armínio afirma em vários trechos de suas obras que o homem é totalmente dependente de Deus, para que possa obter a sua salvação e ir morar no paraíso na consumação de todas as coisas. Portanto, ele não pode estar no rol dos “hereges” da cristandade. Sobretudo, quando diz claramente, que se o Criador não intervir, o homem nada pode fazer para se salvar. Por conseguinte, sua hermenêutica diferencia-se do agostianismo-calvinismo, quando ela diz que o homem pode rejeitar livremente a oferta de redenção do Criador. O homem pode decidir se aceita ou não a dádiva do Criador em Cristo. Os atuais pimpolhos de Calvino só faltam arrancar os cabelos com tal exposição. Que fiquem calvos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Por que confiar na Bíblia?


ORR-EWING, Amy. Por que confiar na Bíblia? Viçosa, MG: Ultimato, 2008.

Há mais ou menos 15 anos, começou a proliferar no mercado protestante editorial brasileiro, uma enxurrada de obras apologéticas; livros que têm por objetivo mostrar as razões científicas, teológicas, históricas, filosóficas (lógica e ética) e antropológicas, que corroboram/autenticam/ provam/evidenciam/consubstanciam a fé cristã alicerçada na Bíblia. 

Nas principais editoras (Vida, Vida Nova, CPAD, Cultura Cristã, Hagnos, Ultimato, etc.), muitos desses livros são bem vendidos e aceitos pelo público consumidor, ávidos em mostrar para os descrentes, que a Bíblia é verdadeira naquilo que ensina, prega e ordena. Uma parte considerável de seus escritores são pessoas com Doutorados nas áreas de Ciências, Filosofia e outras áreas afins. São autores que conhecem bem, o que os céticos, ateus e antirreligiosos andam dizendo acerca do Cristianismo, e, assim, tentam neutralizar os ataques desferidos por eles, com uma variedade enorme de argumentos. Apesar de muitas vezes serem apologias repetitivas e meras cópias umas das outras (igual a essa postagem). Se bem que os ataques a fé, também geralmente são os mesmos.

O livro em foco, escrito por Amy Orr-Ewing, que não é nenhuma Ph.D,  repete muitos dos velhos argumentos apologéticos. Mas traz um bom resumo do que seria uma defesa aparentemente razoável do Cristianismo (mesmo que não traga o famoso argumento cosmológico em suas páginas). Ele não figura entre os livros mais comentados, requisitados e aplaudidos entre o povo evangélico, no entanto, é o que temos por aqui. Espero em não muito tempo, resumir/resenhar outros livros do mesmo teor.

Por Que Confiar na Bíblia? começa a sua defesa, destacando a incoerência dos pós-modernos que gritam aos quatro cantos, que não podemos saber o verdadeiro significado de um texto. Sendo a Bíblia um texto, aliás, vários textos, e ainda por cima escrita por várias pessoas, durante vários séculos, é impossível sabermos o que as suas palavras realmente significam. Filósofos como Wittegenstein, Lyotard, Foulcalt e Derrida, estão na linha de frente nessa guerra contra o verdadeiro significado de qualquer texto. Sendo o primeiro, de longe o mais sofisticado. Em resumo, jogos de linguagem, jogos de poder e metanarrativas, são artifícios que criam uma ilusão de que a verdade pode ser encontrada em qualquer instância, inclusive na hermenêutica de um texto. As palavras, frases e livros, não possuem significado inerente, mas o sentido que atribuímos a eles. Nós fabricamos e inventamos a verdade, e ponto final.

Em resposta, Orr-Ewing fornece uma ótima objeção a esse modo contra-intuitivo de ver as coisas:

“Se as palavras não possuem significado próprio, então aqueles que concordam com este argumento deveriam ficar calados. Como poderíamos expressar uma ideia em palavras e ao mesmo tempo negar a essas mesmas palavras a possibilidade de significado?” P. 24.

A balela fajuta desses Filósofos vai bueiro abaixo, com essa simples objeção.

Agora, isso não quer dizer que seja fácil sabermos o significado que os autores de dois milênios quiseram passar. A Bíblia é um livro extremamente difícil de interpretar. Umas das maiores provas empíricas disso são as várias igrejas, religiões e Teólogos que desde o início do Cristianismo dizem saber o que o texto diz ou ensina. Pode até haver uma certa concordância em muitos pontos. Mas não é suficiente. Os estudiosos, principalmente os fundamentalistas religiosos, só faltam se matar, para provar que a sua interpretação é a correta.

Outro ponto que ela aborda, é semelhante ao primeiro. Podemos ter acesso confiável ao passado? Alguns retardados mentais, contaminados pelas ideias lamacentas do relativismo pós-moderno, dizem-nos que é impossível determinar o que aconteceu tanto num passado remoto, como no passado recente. É a era da incerteza! Ironicamente esses intelectuais dizem não poderem descobrir o que aconteceu na história, mas “brilhantemente”, com um cinismo nojento, descobriram que tudo não passa de invenção. Como ficaram sabendo que as coisas são assim?

Basta lembrar que sobriamente a grande comunidade de Historiadores (ela não menciona isso) não abraçou essa ideia ridícula. Estão cônscios de que o positivismo do século XIX não é mais o caminho para o fazer historiográfico, mas nem por isso, acham que tudo que se escreve sobre o passado é mera ficção.

Dessa forma, podemos ter acesso histórico confiável (nem que seja dentro de certos limites) aos muitos acontecimentos mencionados nos textos bíblicos, através do que a Orr-Ewing chama de linhas convergentes de evidência. Principalmente ao evento ímpar, a vida de Jesus. Podemos ter conhecimento histórico sobre Cristo. 

Mesmo cientes de que podemos saber o que um escritor bíblico quis transmitir e ter acesso aos eventos históricos, é possível que os manuscritos existentes da Bíblia mereçam a nossa consideração? Seriam confiáveis? Foram preservados de tal forma, que podemos olhar para nossas Bíblias modernas e saber que o conteúdo que está ali é basicamente o mesmo que o de 2000 anos atrás?  

A resposta é positiva. Há um vasto número de manuscritos antigos autênticos que quando comparados, guardam em seus papiros e pergaminhos, a mesma mensagem. Claro que existem muitas variantes nas milhares de cópias disponíveis, contudo parecem não prejudicar a essência do que está ali escrito. Há uma convergência assustadora entre os diversos códices; há uma multiplicidade de cópias tanto do Antigo Testamento como no Novo Testamento que excedem em muito o número de manuscritos de outras obras antigas.

Um adendo: não posso deixar de mencionar que o Bart Ehrman é um destacado erudito que contesta toda essa empolgação em torno da confiabilidade dos manuscritos do Novo Testamento. Livros seus, costumam ser bem persuasivos em nos convencer do contrário. E para horror dos mais apegados a confiabilidade, ele não está só nessa. Outros especialistas juntam-se a ele, nessa questão.  Aqui se pode ver um debate do Ehrman sobre esse tema:


Uma coisa são os diversos manuscritos serem em essência iguais aos escritos originais, outra completamente diferente é se o conteúdo deles é verdadeiro! 

“A prova de que os manuscritos bíblicos são confiáveis não é garantia de que seu conteúdo também o seja. Embora os manuscritos sejam cópias antigas genuínas, sem possibilidade de fraude, isso não significa que o que está escrito ali não seja uma tentativa de fraude”. P. 55.

Orr-Ewing destaca alguns pontos que nos dão indícios de que os relatos bíblicos merecem confiança. Eis alguns exemplos:


- A maneira negativa com que os evangelhos descrevem os apóstolos;

- A coerências dos evangelhos diante dos evangelhos apócrifos;

 - Documentos extrabíblicos da época, que relatam eventos locais e acontecimentos presentes nas escrituras. Josejo, Tácito, Suetônio e Plínio.

Obviamente é questão de fé acreditar se as histórias presentes no Antigo e Novo testamento são fidedignas. Por mais que se apresentem argumentos razoáveis a favor da ressurreição, por exemplo, apenas a fé pode dá o derradeiro passo.

Nos capítulos seguintes ela responde as respectivas perguntas:

E quanto ao cânon?

E quanto aos outros livros sagrados?

Seria a Bíblia um livro sexista?

E quanto às guerras?

A opinião da Bíblia sobre sexo não estaria ultrapassada?

É possível conhecer a verdade?

Com relação sobre a Bíblia e a sexualidade, a autora irá abordar a proibição bíblica do sexo antes do casamento e a condenação da prática homossexual. Particularmente quando olho para os textos bíblicos, pelo menos no Antigo Testamento, não há uma exigência tão rígida em se guardar até o matrimônio, em relação ao sexo masculino. No Novo Testamento, em teoria há uma rigidez maior. Nota-se nos escritos de Paulo que a frouxidão presente no Antigo testamento deve cessar.

Quanto à homossexualidade, a Bíblia é inflexível. É pecado; é aberração; é contrária a natureza. Isso é extremamente ofensivo aos milhões de homossexuais hoje em dia. Mas é o que ela diz.

Naturalmente todos os pontos frisados em Por Que Confiar na Bíblia? podem ser questionados. Todos os temas tratados são analisados de uma maneira muito simples e sem profundidade, cabendo ao leitor procurar outras obras que trabalhem mais detalhadamente cada assunto abordado.