sexta-feira, 13 de abril de 2018

O que é Comunismo



SPINDEL, Arnaldo. O que é Comunismo. 18 Ed. São Paulo: Brasiliense. (PDF).

Uns amam, outros odeiam. Uns ainda acreditam que ele irá se concretizar, apesar de todos os esforços fracassados do século XX. Outros acreditam que o marxismo está mais forte do que nunca, agora, nas Universidades, como “marxismo cultural”, contaminando a todos os alunos, mediante o doutrinamento de Professores que foram alienados quando eram simples discentes nos cursos de humanas. De vítimas, estes docentes passaram a serem vilões. É uma cadeia contínua.

Temos também as tentativas teimosas que se arrastam há décadas, de Cuba e Coreia do Norte, que insistentemente mantém os seus habitantes debaixo de um socialismo derrotado e tirânico. Mas isto é a maneira como vejo, que é claro, penso ser a mais correta diante dos fatos históricos e empíricos que presenciamos. Spindel não entrará nesses julgamentos valorativos, dizendo se o comunismo é bom ou ruim. Este pequeno livro é um pouco antigo, foi escrito quando a URSS existia.

As ideias de Marx e Engels surgem no século XIX, dentre várias outras teorias socialistas. Quando as ideias marxistas passam a ser abraçadas pela maioria dos operários, Marx então resolve usar sinonimamente os termos Socialismo e Comunismo. Discípulo de Marx, Lenin, líder da Revolução Russa de 1917, para diferenciar a sua visão das demais alas socialistas, passa a chamar a sua visão de comunista apenas.

Spindel trata principalmente em seu pequeno livro do Marxismo-Leninismo e do comunismo brasileiro, em seus desdobramentos históricos. Ele fala pouco sobre as concepções teóricas de Marx e Engels.  

Para Marx o comunismo era o estágio final da história humana, onde não haveria exploradores e nem explorados. Uma espécie de escatologia materialista, uma volta ao éden bíblico, mas sem a tentação da serpente e sem nenhum deus para interferir. Apenas seres humanos de boa vontade e altruístas vivendo numa sinfonia e harmonia perfeitas.

“Comunismo, para ele [marx], era o estágio da sociedade humana onde não mais existiriam exploradores e explorados, onde a exploração do homem pelo homem tivesse chegado a seu fim. O homem, a sociedade e a natureza formariam um todo harmônico; o sonho do Homem Integral estaria realizado.” P. 07.

Difícil não ver na visão de Marx um paralelo com a tradição cristã, que olha para o final da história, como algo grandioso, onde os justos herdarão a terra, e os ímpios rebeldes serão despojados de quaisquer privilégios, sendo condenados. Troque os justos da história bíblica, pela classe operária, trabalhadora e oprimida, e os ímpios pela classe dominante, a burguesia, que você estará diante de um “cristianismo” comunista/socialista – o reino milenial, o novos céus e nova terra preconizados pelos camaradas.

O barbudin da era vitoriana via que o desenrolar da história estava assentado única e exclusivamente em bases materiais, uma luta de classes constante, dominadores/dominados-opressores/oprimidos, que dão um rumo dialético (divergência de princípios – tese e antítese) ao processo histórico, fosse aonde fosse, independente de país, cultura, lugar, região. O marxismo é uma metanarrativa, ou seja, é um discurso com pretensões universais válido para todas as épocas e lugares.

Umas das grandes ironias do nosso tempo é que os que mais simpatizam com as ideias de Marx, são aqueles que mais querem um estado forte em todas as instâncias da sociedade. Sendo que para ele: “O Estado, na concepção marxista, não passa de um instrumento de dominação de uma classe social sobre outra. O Estado nasce devido à existência de antagonismos inconciliáveis entre as classes sociais; ele responde à necessidade da classe mais forte de dominar a mais fraca.” P. 13.

Para Marx:

“A classe economicamente mais poderosa utiliza o Estado para impor uma ‘ordem’ social, preservar uma situação que lhe é favorável e, principalmente, para transformar-se na classe politicamente dominante, obtendo assim novos meios de oprimir e explorar a classe mais fraca.” P. 14.

E não foi exatamente isso que aconteceu e acontece nos regimes socialistas? Na URSS, Cuba, Coreia do Norte, China... Não adianta, os comunistas atuais, culparem os países capitalistas e fazerem igual ou pior. Essa “ordem social” não foi imposta debaixo de cacete, em todos esses lugares? Não foi o Comintern responsável por tantas mortes políticas e de civis?

Os comunas do presente dizem que são a favor de um Estado Proletário (a classe trabalhadora e honesta na condução do poder), na passagem para o real socialismo, no qual não haverá mais a necessidade de um Estado controlador. É espantoso saber que AINDA muitas pessoas depositam sua fé nesse discurso, sobretudo tendo ciência dos exemplos citados. A história já não mostrou exaustivamente que esse papo não cola mais? O comunismo teve durante décadas a chance de concretizar o seu sonho socialista. Mas o que vimos foi uma classe dominante explorando e matando cruelmente as classes mais pobres. Massacraram os seus cidadãos em campos de escravidão, fuzilamento, fomes...

Spindel falará que com a eclosão da revolução e sua consolidação na Rússia, os comunistas esperavam que outros países também aderissem ao comunismo, a maior esperança naquele momento era que a Alemanha fosse a primeira, visto que ela e a Europa de um modo geral estavam bastante fragilizadas e enfraquecidas em suas economias, por causa da Primeira Guerra Mundial. Existia um desânimo e descontentamento generalizado.

Os comunas russos queriam que o comunismo fosse pensado nos outros países a partir de sua própria visão, não levando em conta as idiossincrasias de cada nação, inclusive no Brasil.  “[...] a maior parte dos dirigentes soviéticos insistia em pensar nas revoluções dos demais países apenas em função da sobrevivência de seu regime.” P. 19-20. Conforme Stálin vai ganhando mais e mais poder, e consolidando a sua tiraria implacável, mais intolerante e avessa as discordâncias e opiniões, a Internacional Comunista passa a reger com mãos de ferro os diversos partidos comunistas dos outros países. “[...] o Comintern passa a aplicar uma política ultra-sectária.” P. 23.

Quanto ao desejo de uma revolução na França, os ventos de uma possível guerra com a Alemanha nazista, quase duas décadas após a revolução russa, mudariam o olhar stalinista sobre aquela nação. Naquela conjuntura sócio-política delicada, não era viável uma França revolucionária, segundo a ótica comunista. Uma França enfraquecida com uma guerra civil, não teria forças para combater as forças de Hitler. Era mais vantajoso para os interesses russos, que naquele momento, 1936, a França continuasse um país burguês forte, apto a enfrentar a Alemanha.  

Em relação a China, quando esta adere ao comunismo, Mao Tsé Tung e Stálin, possuem uma boa relação política, mas os ventos amistosos começam a mudar entre as duas potências, quando da morte de Stálin e a subida de Kruschev ao poder, na década de 1950. Visões ideológicas díspares surgem, fazendo com que a China levasse o seu comunismo adiante sem levar em conta as diretrizes soviéticas, sobretudo porque está tinha uma visão de boa vizinhança com o bloco capitalista, algo que a China contestava.

O comunismo teve os seus flertes em terra brasílicas, quando anarquistas começaram a ver que os ideais comunistas de um estado forte tinham mais chances de colocar abaixo a sociedade burguesa brasileira. “Com isto abriu-se a brecha por onde iria penetrar, no movimento operário de nosso país, a doutrina comunista na forma concebida por Marx e Lenin, e que levaria ao aparecimento do Partido Comunista no Brasil.” P. 31. Na década de 1920 os comunistas começam de fato as suas aventuras pelo nosso país.

Como já me estendi demais, paro por aqui, apenas ressaltando que boa parte do pequeno livro do Spindel é dedicado a falar de como os comunistas trabalharam em prol da revolução socialista tupiniquim, sem contudo (e graças a Deus por isso), terem êxito.

domingo, 8 de abril de 2018

A Conquista do Brasil 1500-1600



GUARACY, Thales. A Conquista do Brasil 1500-1600. 1. ed. - São Paulo: Planeta, 2015. (PDF).

Um livro que se propõe a contar os primeiros 100 anos de nossa história, mas que só vai até os anos da década de 1570. Guaracy investe muitas páginas nas batalhas travadas pela Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, onde houveram massacres sangrentos pela posse da terra. A partir da conquista definitiva, o Brasil passa a ser o foco principal de Portugal em suas investidas comerciais e econômicas, esquecendo-se das Índias e da África, que já não estavam sendo muito lucrativas.

Quanto aos jesuítas, não foram santos. Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, por diversas vezes foram cruéis e impiedosos, diante da frustração de não conseguirem convencer os silvícolas a se converterem a sua fé e a cederem aos caprichos dos portugueses. Os jesuítas foram de importância máxima na alienação de indígenas e nas posses das terras brasileiras por Portugal.

Guaracy também gasta muito tempo, trazendo detalhes da antropofagia indígena, que aterrorizava (e não sem razão) os colonizadores, que nunca tinham presenciado até então, pessoas comendo pessoas.

Um ponto importante de sua obra é a figura de João ramalho, um português degredado, que passou a viver como uma espécie de cacique indígena, super bem adaptado ao modo de vida nativo. Ele e seus filhos mestiços deram muitas dores de cabeça aos jesuítas, soldados e aos governadores-gerais, mas também foi uma pessoa relevante na negociação entre os portugueses e indígenas. Eu desconhecia esse personagem tão marcante na história das primeiras décadas de nosso país.

Livro bom.

Os portugueses chegaram e arrasaram as tribos aqui existentes. E não adianta querermos amenizar esse genocídio, dizendo que os índios se matavam entre si, em suas guerras tribais. Genocídios não podem ser justificados por outros genocídios.

“Nessa época [1500], de acordo com os números mais aceitos por historiadores e antropólogos, estima-se que havia no território correspondente ao Brasil atual cerca de 3 milhões de índios, população duas vezes maior que a de Portugal, então com 1,5 milhão de habitantes. Ao longo da costa, estima-se que havia 1 milhão de tupis. O que a história registra a partir daí é apenas a versão do colonizador sobre a terra ‘descoberta’. Mesmo assim, os documentos oficiais de autoridades administrativas, cartas dos jesuítas e registros de viajantes envernizados de civilização europeia revelam sem culpas, como um direito quase natural, a violência bárbara da ocupação portuguesa, marcada pela escravização e, depois, pelo extermínio da civilização nativa, além do confronto mortal com outros europeus que ousaram disputar a riqueza brasileira.” P. 11-12.

Os indígenas eram na visão dos portugueses e dos jesuítas, pessoas inferiores, mesmo que fossem passíveis da “salvação” católica.

“O termo ‘índio’ não aparece entre os primeiros cronistas. Nas cartas dos jesuítas, viajantes e governantes portugueses do século XVI, eles se referem aos nativos brasileiros como ‘gentios’, os pagãos, em contraposição aos cristãos, ou mesmo ‘negros’, como os chama o padre Manoel da Nóbrega – termo que na época não designa necessariamente a cor, mas a gente da terra, com certa conotação de inferioridade, que o jesuíta empregava também para os mouros”. P. 12.

Engraçado que um perpetrador de assassinatos, em 2014, foi consagrado santo católico. É a igreja do Vaticano com as suas incoerências. Falo de José de Anchieta, que não foi nenhum santo, mas um agente de destruição de índios, juntamente com Manoel da Nóbrega.

“Santificados como missionários [os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta] que arriscavam a vida para converter índios ‘selvagens’ ao catolicismo, na realidade eram homens devotados à Inquisição portuguesa, com vocação política e moral por vezes duvidosa, se considerada pelos critérios do mundo contemporâneo. Também por vezes cruéis e impiedosos, não destoavam muito dos comerciantes ávidos e aventureiros com quem eventualmente precisavam se associar para implantar seu projeto de dominação religiosa e política no Brasil”. P. 14.

Os homens indígenas para cortejar o sexo oposto é que se enfeitavam:

"Ao contrário da sociedade europeia, onde tradicionalmente cabia à mulher enfeitar-se para atrair o homem, os índios eram como os pavões, nos quais somente o macho possui a cauda vistosa, para impressionar as fêmeas e assustar o inimigo". P. 23-24.

A antropofagia indígena era algo de embrulhar o estômago de qualquer europeu:

“[O prisioneiro de guerra] acabava sempre executado com um golpe na base da cabeça que lhe espatifava o crânio. De acordo com Staden [mercenário alemão do século XVI], em seguida à execução os índios esfolavam o corpo e tapavam o ânus do cadáver com um pedaço de madeira para não perder as vísceras. O corpo era esquartejado e assado no moquém. As mulheres e crianças (os ‘curumins’) ficavam com as vísceras, a língua e os miolos, recolhidos do chão em uma cabaça por uma das mulheres. Desses miúdos se fazia uma pasta rala chamada ‘mingau’, nome até hoje utilizado no Brasil para a papa das crianças. O sangue da vítima era recolhido pelos índios para banhar seus filhos homens, de modo a torná-los mais corajosos.

Os índios aguardavam que a carne esfriasse para comê-la, acompanhada de goles de cauim e baforadas de tabaco. As sobras eram assadas novamente e esfriadas quando quisessem consumi-las outra vez. Staden viu a carne de um português que conhecia, chamado Jerônimo, ficar pendurada três semanas na maloca onde dormia, sobre um fumeiro, ‘até que ficou seca como um pau’.” P. 25-26.

Comendo o prisioneiro de guerra, pensava-se que as suas virtudes eram ingeridas:

“Devorando o inimigo valoroso, os tupinambás acreditavam que se alimentavam também da sua bravura. Pela mesma razão, não comiam a carne daqueles que consideravam covardes, assim como de bichos de que não gostavam, como a preguiça, por acreditarem que ficariam mais lentos em combate. Desdenhavam dos portugueses por sua covardia. Na aldeia de Ubatuba, quando procurava salvar-se, dizendo que não era português, Hans Staden ouviu de seus algozes, conforme conta: ‘É um português legítimo, agora grita, apavora-se diante da morte’.” P. 27.

Os portugueses não eram altruístas e não estavam ali para ter piedade das comunidades nativas, no entanto, apesar de toda uma lógica interna dentro da visão indígena, para que crianças nascidas com deformidades sejam enterradas vivas, não podemos deixar de ver tal prática como um aspecto maléfico dessa visão. Algumas tribos ainda praticam hoje, o enterro de bebês vivos. Guaracy relata um caso presenciado pelo José de Anchieta:

“Num ambiente onde o indivíduo precisava sobreviver, e não podia se tornar um fardo para a coletividade, as crianças [indígenas] nascidas com deformidades, ou consideradas incapazes, eram eliminadas em seu nascimento, como acontece com os animais que matam as próprias crias que não se sustentarão sozinhas e, dessa forma, se tornarão um problema para o bando. Na carta ao padre-geral de São Vicente, em 31 de maio de 1560, José de Anchieta narra ter presenciado a execução de uma criança que nascera com um nariz que descia até o queixo, como uma tromba, e tinha a boca abaixo dele. Como se fazia nesses casos, o bebê foi enterrado vivo.” P. 28.

No contato com os europeus, muitas tribos foram dizimadas por doenças, as quais não tinham defesa natural.

“Livrar um índio de alguma doença era um bom começo para a catequese, melhor que o antigo discurso jesuíta, que ameaçava as tribos com desgraças e o fogo do inferno. Mesmo assim, Anchieta registra muitas mortes por doença, em função do próprio contato com o branco, causa que ele escamoteava para não perder também os acólitos que lhe sobravam vivos. Segundo ele, os carijós foram uma das tribos dizimadas por doenças originárias do convívio com os portugueses: ‘acometeu-os uma enfermidade repentina e morreram quase todos’.

Os jesuítas procuravam mudar os costumes indígenas, mas durante bastante tempo tiveram de tolerar os rituais que consideravam mais bárbaros. Em sua carta, Anchieta conta como, depois de uma luta contra os tupiniquins, dois guerreiros guaianazes mortos em batalha foram enterrados conforme o costume cristão. Os inimigos, porém, encontraram as covas, desenterraram os corpos e levaram os cadáveres para comê-los.” P. 60.

A igreja não via nenhum erro moral na escravização dos negros:

“Os jesuítas não se opunham à importação de escravos negros africanos, como acontecia nas posses portuguesas da Madeira e dos Açores e em Pernambuco e na Bahia. Não lhes interessava, ao final, se havia ou não escravidão, desde que todos estivessem ao alcance da influência catequética”. P. 101.

Ah, o amor cristão...

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil



PRIORE, Mary Del. Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011. (PDF).
Muito bom. Mary Del Priore (Ph.D em História na USP), em mais um livro que vem falar sobre temas do passado de nosso país que fogem do usual. Nada de falar de política e economia. Aqui ela trata de assuntos mais empolgantes, como o subtítulo do livro diz. As transformações que o Brasil, assim como boa parte do mundo ocidental passou na área da sexualidade, não foram poucas.

Hoje, a despeito das muitas dificuldades, as mulheres estão em situação muito mais vantajosas. Não são demonizadas por não casarem virgens. Escolher não se casar e não ser mãe é uma opção legítima. Trabalham fora, são empresárias.

Os gays estão em situação mais favorável.

Os casamentos já não precisam ser para sempre.

Os filhos de pais separados não são mais vistos com desconfiança.

E etc.

Há desvantagens também. Cada momento histórico com as suas dificuldades e contradições.

Numa comparação entre passado e presente, penso que o momento atual é melhor em praticamente todos os aspectos que a Del Priore aborda em seu livro.

Vejamos algumas de sua obra.

No Brasil Colônia, peidos e arrotos eram lugar comum na convivência dos que aqui moravam, o que horrorizava os povos “avançados” da do Velho Mundo. As senhoras peidonas era aconselhado que culpassem seus cachorrinhos quando soltassem gases.

“Quanto ao asseio e às regras de civilidade, contudo, havia muito que aprender. Os moradores da Colônia ainda estavam muito próximos de comportamentos julgados selvagens na Europa. Lá, desde a Idade Moderna, já se desaconselhava arrotar ou peidar em público. Na época das reformas religiosas, no século XVI, nos vários manuais de civilidade publicados graças ao aparecimento da imprensa, se recomendava apertar os glúteos com força, ‘não deixando escapar nada de mau gosto’. Ou que os ruídos fossem abafados pelos de uma falsa tosse. Às senhoras que sofriam de gases, era sugerido ter sempre cachorrinhos como companhia. Aos pobres quadrúpedes eram atribuídos os maus cheiros ou os ruídos anormais”.
P. 17-18.

Como acontece até hoje, a igreja católica tinha horror a vaginas, atribuindo a esse órgão vários males satânicos. Penetrá-la? Só para fins de procriação, o que passasse disso, era pecado. A vagina raspada era sinal de castidade, pudor, pureza e etc. As cabeludas eram a “porta do inferno” das mulheres da vida.

“Cobrindo totalmente o corpo da mulher, a Reforma Católica acentuou o pudor, afastando-a de seu próprio corpo. [...] Os pregadores barrocos preferiam [descrever a vagina] como a ‘porta do inferno e entrada do Diabo, pela qual os luxuriosos gulosos de seus mais ardentes e libidinosos desejos descem ao inferno’. A vagina só podia ser reconhecida como órgão de reprodução, como espaço sagrado dos ‘tesouros da natureza’ relativos à maternidade. Nada de prazer. As pessoas consideradas ‘decentes’ costumavam se depilar ou raspar as partes pudendas para destituí-las de qualquer valor erótico. Frisar, pentear ou cachear os pelos púbicos eram apanágios das prostitutas. Tal lugar geográfico só podia estar associado a uma coisa: à procriação.” P. 23.

A Renascença e o Iluminismo não causaram mudanças nos comportamentos sexuais. Os velhos tabus e preconceitos descabidos que vinham da Idade Média continuavam a assustar e alienar – num certo sentido até piorando a relação que tinham com a sexualidade.

“Os séculos ditos ‘modernos’ do Renascimento não foram tão modernos assim. Um fosso era então cavado: de um lado, os sentimentos, e do outro, a sexualidade. Mulheres jovens da elite eram vendidas, como qualquer animal, nos mercados matrimoniais. Excluía-se o amor dessas transações. Proibiam-se as relações sexuais antes do casamento. Instituíram-se camisolas de dormir para ambos os sexos. O ascetismo tornava-se o valor supremo. Idolatrava-se a pureza feminina na figura da Virgem Maria. Para as igrejas cristãs, toda relação sexual que não tivesse por finalidade a procriação confundia-se com prostituição. Em toda a Europa, as autoridades religiosas tinham sucesso ao transformar o ato sexual e qualquer atrativo feminino em tentação diabólica. Na Itália, condenava-se à morte os homens que se aventurassem a beijar uma mulher casada. Na Inglaterra, decapitavam-se as adúlteras. E em Portugal, sodomitas eram queimados em praça pública.” P. 35.

Um resumo do que eram os relacionamentos:

“Na América portuguesa, entre os séculos XVI e XVIII, as intimidades foram construindo-se na precariedade e na falta de higiene. Que o diga o poeta Gregório de Matos, que nos seus versos nunca esquece o ‘fedor de Norte a Sul’ das mulheres: ‘bacalhau para a boca e mau bafo para o vaso’. Ou ‘horrível odre a feder a cousa podre’. As relações despidas de erotismo eram comuns. [...] O corpo da mulher era diabolizado. Seu útero, visto como um mal. Suas secreções e seus pelos, usados em feitiços. Seu prazer, ignorado pela medicina, por muitos homens e até por muitas mulheres. Para as que quisessem as bênçãos do sacramento do matrimônio, a virgindade era obrigatória. A tradição, dotes, heranças e bens assim obrigavam. Adultério feminino? Passível de ser punido com a morte. Afinal, os homens sentiam-se obrigados a lavar sua honra em sangue. O poder masculino dentro do casamento era total. Traições masculinas? Consideradas normais”. P. 38.

No início do século XX, as coisas começam a mudar, surgindo os primeiros filmes pornográficos.

“O filme pornográfico mais antigo de que se tem notícia é O Escudo de Ouro Ou o Bom Albergue, realizado na França em 1908: história de um soldado com uma doméstica. Em 1910, o alemão Ao entardecer mostrava uma mulher masturbando-se no quarto e a seguir cenas de felação e penetração anal com um parceiro. Considerados ilegais, tais filmes, distribuídos discretamente, eram vistos de forma ainda mais discreta. Sua posse ou visualização eram passíveis de prisão.” P. 95.

Para quem pensa que o catolicismo sempre foi a “favor” da vida, engana-se:

"Até o século XIX, a Igreja tinha certa tolerância em relação ao aborto. Acreditando que a alma só passava a existir no feto masculino após quarenta dias da concepção, e, no feminino, depois de oitenta, o que acontecesse antes da 'entrada da alma' não era considerado crime nem pecado". P. 102.

Hipocritamente a igreja católica não estava nem aí para o estupro de crianças que ocorriam no Brasil. Para essa instituição as crianças que se lasquem. Atualmente ainda é assim, pois ela esconde os seus sacerdotes pedófilos, não os entregando a justiça comum para serem julgados e condenados.

“Desde as primeiras visitas do Santo Ofício às partes do Brasil, no século XVI, inquisidores assinalavam o estupro de crianças. Meninos e meninas de seis, sete e oito anos eram violentados por adultos sem nenhum drama de consciência. Senhores sodomizavam moleques ou molecas escravas, padres faziam o mesmo aos seus coroinhas, e parentes e crianças da família participavam de uma ciranda maldita na qual um único pecado contava para a Igreja: o do desperdício do sêmen. Afinal, ele deveria ser usado exclusivamente para a procriação. E era apenas esse crime que o inquisidor perseguia. O fato de ser cometido com pequenos passava despercebido. Era coisa secreta e o silêncio protegia os culpados.” P. 108.

Não era apenas prerrogativa do cristianismo ver a homossexualidade como anomalia, a ciência médica estava crente de que possuía as provas para classificá-la como doença.

“A homossexualidade era considerada, além de imoral, uma anormalidade. Durante os anos 30, o médico Leonídio Ribeiro consagrou-se graças a estudos sobre endocrinologia, relacionando-a com as ‘anomalias do instinto sexual’. Estas seriam o reflexo de mau funcionamento das glândulas. O remédio era o transplante de testículos, inclusive de carneiros ou de grandes antropoides. Afinidades entre homossexualidade e criminalidade? Todas. O crime era uma decorrência da paixão que ‘invertidos’ nutriam entre si. Num quadro de guerras mundiais e de reforço do nacionalismo, homossexuais transformavam-se em bodes expiatórios.” P. 111-112.

Uma queixa feminina que ainda ecoa, diante de nossa hipocrisia masculina:

“A tensão entre as mudanças desejadas pelos jovens e o velho modelo repressivo era tanta que uma leitora escreve a O Cruzeiro [revista em circulação entre 1928-1975], desesperada: ‘quando uma mulher sorri para um homem é porque é apresentada. Quando o trata com secura é porque é de gelo. Quando consente que a beije, é leviana. Quando não permite carinhos, vai logo procurar outra. Quando lhe fala de ‘amor’, pensa que quer ‘pegá-lo’. Quando evita o assunto, é ‘paraíba’ [lésbica]. Quando sai com vários rapazes é porque não se dá valor. Quando fica em casa é porque ninguém a quer [...] Qual é o modo, pelo amor de Deus, de satisfazê-lo[s]?’.” P. 117-118.

O livro ainda fala sobre as famosas pornochanchadas da década de 1970; sobre o boom da Aids, logo após; e etc.

domingo, 1 de abril de 2018

Espíritos Entre Nós



PRAAGH, James Van. Espíritos Entre Nós. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. (PDF).

Não tem jeito. Assim como no Brasil, que temos os nossos charlatães midiáticos na área religiosa, os EUA também têm os seus. James Van Praagh é um médium muito conhecido por lá, que vende bastante livros, contando suas mentirosas histórias de contato com os espíritos dos mortos. É cada história mirabolante que ele conta, que não senti credibilidade alguma nas páginas deste livro. Parto do pressuposto de que diálogos com quem já morreu não acontecem, logicamente pensando dessa forma, pelo menos a princípio, não sentirei veracidade nos relatos do Praagh. Mas mesmo lendo a sua obra com essa pressuposição, não quer dizer que não poderia ser levado pelas evidências e histórias que ele traz, a um reposicionamento sobre tudo isso. Várias vezes comecei lendo um livro, ao qual, estava incrédulo quanto ao seu conteúdo, e a força do argumento, me mostrou que eu estava (ou podia estar) errado, deixando-me dúvidas e pensativo: “Será que ele pode estar certo? Pode haver um fundo de verdade nisso tudo?” Não descarto por completo a comunicação com os mortos. Acho que muita coisa doida pode acontecer nessa nossa existência caótica.

Vejamos algumas bobagens que ele diz.

A ciência tem menos valor que a necromancia:

“A ciência é boa e útil, mas não há nada melhor do que obter informações em primeira mão vindas de um espírito. Quando a compreensão e as palavras nos chegam diretamente dos espíritos que nos assombram, tudo atinge um novo patamar de entendimento”. P. 08.

Não sentimos dor ao morrer:

"Independentemente da forma de morte – homicídio, doença, acidente, suicídio ou velhice –, existe um fator constante que se repete. Ninguém sente dor ao morrer. Nunca me canso de repetir isso para as pessoas. Na verdade, é a ausência de dor que confunde muitos dos que acabaram de morrer, porque eles não percebem que se foram. Ninguém fica sozinho na hora da morte. Quando saímos do corpo, nossos entes queridos que já faleceram vêm nos receber. Talvez tenham se passado vários anos desde que os vimos pela última vez, mas os laços afetivos que nos uniam na Terra continuam muito presentes do outro lado." P. 15.

As almas estão presentes no seu próprio enterro, e dão pitacos sobre como eles deveriam ocorrer:

“Depois que os mortos abandonam o corpo físico e percebem que não estão mais conectados a ele, passam para a membrana que existe entre a Terra e a dimensão mais próxima. Nesse ponto, decidem se querem permanecer perto da Terra como espíritos terrenos ou se querem fazer a travessia para a luz. Durante essa brecha de oportunidade, os espíritos com freqüência vão a seu próprio enterro para ver os preparativos, quem aparece e assim por diante. Já ouvi muitos comentários esquisitos de espíritos quando estão no próprio funeral: ‘Por que é que colocaram esse vestido em mim?’ ‘Quem escolheu essas flores para o meu caixão?’ ‘Eu queria estar em um caixão mais bonito’. Ouvi com frequência espíritos dizendo que não gostam de caixão aberto. Muitos causam distúrbios em seus próprios funerais, para que seus parentes ‘entendam a mensagem’. E também há aqueles que não se importam com os detalhes do funeral e ficam muito surpresos ao presenciar toda a agitação ao redor do evento.” P. 20.

Os mortos têm o poder da onisciência sobre as mentes dos vivos (pensei que só Deus tinha):

“[...] espíritos são extremamente sensíveis e, por isso, têm a capacidade de captar com clareza cristalina nossos pensamentos e o que sentimos, como se tivessem algum tipo de radar especial. Ao pensar em um ente querido [morto], você pode atrair o espírito dele”. P. 26.

Os ateus vão se ferrar quando morrerem (ok, as religiões de um modo geral pensam assim mesmo):

“Com freqüência me perguntam: “O que acontece quando a pessoa não acredita na vida após a morte?” Uma pessoa que não acredita na vida após a morte ficará bastante surpresa ao descobrir que ainda está viva. Talvez demore muito tempo até compreender o que aconteceu e, durante esse período, ela vagará pelo plano astral inferior”. P. 41-42.

Nós escolhemos a família que teremos antes de vim parar na Terra:

“É muito freqüente que as pessoas me abordem dizendo: ‘Eu não escolhi minha família.’ Mas a verdade é que nós a escolhemos, por mais absurdo que isso possa parecer. Escolhemos os integrantes de nossa família antes mesmo de iniciarmos nossas existências terrenas. Na verdade, nossas famílias têm estado conosco durante muitas vidas. É interessante constatar como as almas viajam em grupos. Freqüentemente elas esperam até estarem todas juntas do outro lado para chegarem à Terra ao mesmo tempo”. P. 46.

Logo que morremos, tentamos nos comunicar com a nossa família:

“Por que os espíritos desejam se comunicar conosco? Os espíritos são iguaizinhos a nós, e seus motivos são diversos, mas parece que a razão mais comum para um espírito querer entrar em contato é para ajudar sua família enlutada. Logo depois que a pessoa passa para o outro lado, sente a dor e o sofrimento de seus parentes. O que o espírito deseja é simplesmente informar à família que não está morto, mas plenamente vivo, e por isso fica por perto. A maioria das famílias está em tal estado de choque ou tão envolvida com o funeral que não percebe seus entes queridos tentando chamar sua atenção. É como se não ouvíssemos a campainha do telefone e o deixássemos tocar e tocar. Os espíritos sentem uma grande frustração quando não conseguem se comunicar com seus entes queridos.” P. 65-66.

Os mortos estão em toda parte:

“Talvez não tenhamos consciência das muitas entidades que circulam ao nosso redor, mas os espíritos são capazes de vagar livremente por onde bem desejarem, porque, como já disse, eles não estão limitados à dimensão física. Não precisam de qualquer meio de transporte para ir de um lugar para o outro, porque viajam por meio de pensamentos. Um lugar assombrado é um local com alta concentração de atividade de espíritos que se estende por um longo período. Com base em minhas investigações, descobri que esses locais possuem uma forte ligação emocional com o espírito que nele se manifesta, como aconteceu com o seminário que era assombrado por pessoas que o tinham ocupado no passado. Os espíritos associam fortes lembranças mentais e emocionais a determinado lugar, com o desejo de revivê-las, e em alguns casos permanecem lá por não serem capazes de parar de repeti-las. É por isso que eles causam distúrbios na energia. Por outro lado, talvez os espíritos apenas desejem proteger um local para garantir que os atuais ocupantes respeitam seu lar e cuidam dele com o mesmo empenho.” P. 78.

Cuidado da próxima vez que for ao dentista:

“Acredite ou não, consultórios de dentista normalmente estão lotados de espíritos. Outros lugares surpreendentes são escritórios de advocacia e tribunais, por causa das emoções amedrontadoras ligadas a eles. Nesses contextos as pessoas estão esgotadas emocionalmente, sentem muita raiva, são acusadas – injustamente ou não, se de fato cometeram crimes. Alguns espíritos tiveram problemas com a lei quando estavam vivos, e gostam de absorver o máximo possível desse tipo de energia. Outros talvez tenham sido inocentes das acusações sofridas e só querem garantir que a justiça seja feita. Hospitais estão repletos de doenças, preocupações e medo da morte. Sempre que visito alguém em um hospital, vejo espíritos por perto. Alguns estão lá para sugar a energia das pessoas debilitadas, outros, para auxiliar seus entes queridos em sua passagem para o além. Há ainda alguns espíritos que acabaram de falecer e estão meio confusos em relação a seu paradeiro.” P. 81.