sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O Nascimento de Uma Nação (1915)


O negro é um ser bestial, insolente, desonesto, não-confiável, estuprador de mulheres brancas, intratável, incapaz de viver integrado em uma sociedade civilizada... Essa é a mensagem que O Nascimento de Uma Nação, filme “saído do forno”, de 1915, nos passa. É um filme mudo com mais de três horas de duração, que conta a história de duas famílias, uma nortista e a outra sulista, que se veem em lados opostos devido a Guerra Civil Americana (1861-1865), visto que o lado norte queria o fim da escravidão, enquanto que o lado sul queria mantê-la.

Com o lado nortista vencedor, começa-se a “integração” do negro a sociedade, como um agente “livre/autônomo”. O filme é dividido em duas partes, e na segunda, na reconstrução da nação, o negro é retratado como totalmente incapaz de viver honestamente numa sociedade democrática, fazendo com que a Ku Klux Klan tome as rédeas, para pôr em ordem a cidade sulista de Piedmont, no estado do Alabama, que foi tomada por negros malcriados, descuidados e péssimos administradores, que arruinarão tudo que ela tem de decente e de valor. A assassina Ku Klux Klan é tida como a salvadora da pátria e dos valores civilizados, que estão sendo solapados pela negraiada corrupta e pervertida. No final, a Ku Klux Klan vence e os negros são colocados no seu devido e apropriado cantinho, com os brancos estando no seu merecido lugar de direito, como raça ariana superior e divinamente estabelecida.

O Nascimento de Uma Nação é um marco na história do cinema. Usou de novas técnicas para filmar um longa, usou o que havia de mais tecnológico na época (1915), e é considerado, apesar de seu teor ultra racista, um dos filmes mais importantes já feitos. Na época conseguiu arrecadar mais de 10 milhões de dólares, tendo um lucro exorbitante em vista do que tinha gasto em sua produção.

Infelizmente, o seu conteúdo preconceituoso cimentou ainda mais o sentimento de ódio nutrido pelos brancos naquele país. A Ku Klux Klan que estava extinta, reapareceu perseguindo, linchando e matando negros. Ainda hoje essa organização está atuando, diluída entre vários grupos de ódio, que pregam a supremacia branca e protestante, sem o governo mexer um dedinho sequer para acabar com elas. Existem mais de 200 grupos que destilam a sua raiva doentia não somente contra negros, mas contra judeus, latinos, católicos e etc., como nos diz o documentário O Livro Secreto da América: América Nazista. São uma mistura das ideias de Hitler e da KKK.

O filme é uma tortura para nós, acostumados as produções modernas, visto que é mudo, poucas legendas e extremamente longo.

Felizmente, diante de uma conscientização maior dos grandes estúdios, uma grande avalanche de filmes denunciando o terror do racismo têm sido lançados ano a ano. Creio que eles possuem um grande potencial de minar esse sentimento tão horrível, mas ainda tão presente na cabeça de tantos milhões de pessoas.

Este filme tem um legado demoníaco e abjeto, mas é de salutar importância assisti-lo, principalmente, para quem quer entender a longa e odiosa trajetória da marginalização do negro na sociedade norte-americana, que tristemente está muito longe de acabar.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O Céu é de Verdade



Focando um pouco do meu tempo nos relatos de EQM, visto que li dois livros sobre o tema, e estou com vistas a ler um terceiro, resolvo assistir este filme, que traz a história de Colton Burpo, que acometido por uma apendicite, que estourou e contaminou os outros órgãos, deixando-o à beira da morte. No período em que passou desacordado na sala de cirurgia, segundo ele conta, sua mente estava bem ativa, e diz ter visitado o céu. Verdade ou mentira?

Colton é apenas um lindo menino, filho do pastor da cidade, que diz ter encontrado Jesus, enquanto estava doente na cama do hospital. Jesus lhe mostrou partes do céu, ele viu anjos, e de quebra, ainda conversou com sua irmãzinha que nem chegou a nascer, devido a um aborto natural.

Os seus pais, apesar de serem cristãos, ficam bastante relutantes em acreditar que ele presenciou realmente essas coisas. O seu pai, Todd Burpo, acredita que o filho teve uma experiência real, mas questiona a interpretação que Colton dá a ela.  O relato do filho incomoda não apenas os seus pais, mas também, a igreja do qual fazem parte. Há muita incredulidade em crer que ele de fato tenha ido ao paraíso.

Moradores de uma cidade pequena, a história chega aos ouvidos de seus habitantes, que também não acreditam numa história tão fantástica como essa. Chacotas, piadas e risos, são as reações mais comuns, diante de tudo isso.

Todd vai atrás de uma Psicóloga que diz que seu filho interpretou o que supostamente viu, conforme o que aprendeu de sua religião. Condicionamento total.

Para resumir, no fim das contas, seus pais e a igreja passam a acreditar no relato do pequeno Colton.

As Experiências de Quase-Morte é um fenômeno universal. É um fenômeno intrigante e instigante. Muitas pessoas que passaram por ela, contam coisas que viram no hospital, na sala de cirurgia, nos quartos vizinhos, que seriam impossíveis de saber, na situação em que estavam – apagadas, em coma, quase do outro lado.

Como explicar em termos puramente naturalistas/materialistas esses abundantes testemunhos vindos de toda parte?

Não estou aqui endossando o testemunho do Colton, dando-lhe um atestado de verdadeiro, até porque, é uma grande verdade, que se ele fosse de uma outra cultura religiosa, com certeza, não teria encontrado um ser chamado Jesus, mas sim, algum ser espiritual cultuado em sua religião.

Mas em todo caso, as experiências das pessoas de encontrarem um Ser de Luz são extensas, e todas guardam pontos em comum. É difícil tratar todas elas, apenas como mecanismos produzidos pelo cérebro, como forma de atenuar o fim da existência, dando um senso de paz ao moribundo prestes a ter extinta de uma vez por todas, a sua vida mental.

Este filme, naturalmente, tem a finalidade de legitimar a visão cristã de um céu esperando os fiéis depois da morte. Entretanto, podemos sair dessa restrição, e vê-lo por um víeis mais amplo. Um filme que traz mais uma história de EQM, que desafia os postulados do materialismo metafísico, tão presentes na comunidade científica, mesmo que ele seja um relato ficcional, pois ele traz os elementos comuns de uma EQM, independente dele ser um embuste ou não.

É claro, não custa nada lembrar que essas histórias vindas de comunidades evangélicas têm uma grande chance de serem pura propaganda religiosa e embuste, mesmo que envolvam crianças. Alex Malarkey, uma criança que ficou em coma em 2004, também disse ter visitado o céu, e contou como era o paraíso. Pois bem, ele mesmo desmentiu há poucos anos, toda a história. Ele MENTIU. Mas o prejuízo já estava feito, um livro contando a sua história foi lançado, e pessoas foram enganadas. Aqui no Brasil, o livro foi comercializado pela editora CPAD, com o nome O Menino que Voltou do Céu. Venderam um engodo.

Fica de alerta, quando ouvirmos histórias fantásticas de EQM que confirmam essa ou aquela visão religiosa. Esse é o diferencial dos livros Uma Prova do Céu e Vida Depois da Vida, que não têm o propósito de provar que visão X de dada religião é a verdadeira, porque fulano e beltrano que passaram pela EQM, constataram a sua veracidade. As EQM ultrapassam qualquer visão religiosa, não confirmando nenhuma em especial.  

terça-feira, 21 de agosto de 2018

O Diabo e Padre Amorth



"O diabo não existe."

"A crença em demônios ficou no passado." 

"Possessões demoníacas não são nada mais que distúrbios psiquiátricos, ou estados alterados da consciência, isso, quando não passam de mentiras descaradas." 

Estas são basicamente as respostas dadas pelos céticos quando se deparam com essa questão. Outros, ainda munidos de certa incredulidade, não descartam por completo que algo muito estranho esteja em curso, mas ainda são relutantes em afirmar ou acreditar que exista uma força pessoal e maligna externa que esteja infernizando a vida da pessoa “possessa”. Até muitos daqueles que deveriam estar na linha de frente na “defesa” do demônio, os padres, não mais creem na sua existência, e reinterpretam as passagens evangélicas em que Jesus enfrenta os mensageiros de Lúcifer possuindo as pessoas, dizendo que aquelas pessoas possuídas, na verdade, estavam doentes. O condicionamento cultural limitado da época fazia os judeus verem o sobrenatural onde ele não estava.

O padre Gabriel Amorth está na contramão de todas essas visões contemporâneas. Morto desde 2016, aos 91 anos, foi considerado o maior exorcista da igreja católica das últimas décadas, cujo trabalho incansável de tratar as pessoas com o capeta no corpo se estendeu até os seus últimos dias. 

Este documentário tem um tom especial. Ele foi produzido por nada mais nada menos que o Cineasta William Friedkin, Diretor do clássico O Exorcista, de 1973. Sendo que agora, não é um exorcismo ficcional que ele filmará, mas um exorcismo feito pelo padre Amorth em uma mulher bastante oprimida por uma legião de demônios. Friedkin nos diz que nunca até então tinha visto um exorcismo de verdade, e, que agora, depois de 45 anos, finalmente viu uma mulher supostamente possessa sendo exorcizada pelo padre Amorth.

O exorcismo é mostrado. Padre Amorth, ajudantes, padres, familiares e amigos da possessa começam o ritual de expulsão do maligno dela.  A mulher não demora muito para manifestar gritos, sofrimento, falar com uma voz gutural e estranha, ficar agitada, dizer que é satanás... Devo admitir, que é um pouco perturbador ver o seu sofrimento. Ela está possuída por uma força espiritual maligna ou manifestando algum distúrbio tratável pela Medicina? E mesmo se a medicina não tiver no momento os dispositivos e meios eficazes para tratá-la, num futuro próximo a Ciência não elucidará em termos puramente cerebrais tal distúrbio?

Uma das cenas mais interessantes é quando Friedkin mostra o vídeo que gravou, a vários Médicos, para que eles deem o seu parecer científico sobre o exorcismo em questão. Suas respostas são um pouco vagas.

Noutras ocasiões, já dei meu parecer, e aqui o repito. Pode ser verdade que algumas pessoas estejam possuídas por forças espirituais de outras dimensões da realidade. E alguns homens da Ciência não descartam essa possibilidade.

No caso dessa mulher, a resposta mais razoável é que ela sofre de problemas psicológicos e psiquiátricos, acrescente-se a isso, o meio religioso e social em que foi criada, aí, para ela e seus parentes (católicos) acreditarem que está sendo usada pelo diabo é um pulo.  

O documentário sofreu várias críticas de falta de credibilidade. Para começar, a voz que a mulher emite em seu exorcismo. Fica claro que o som dela foi modificado pelo editor, dando-lhe um ar de malignidade. Outra coisa: Friedkin diz que vai atrás dela meses depois, e ela não quer vê-lo, ele vai atrás dela na igreja, e diz que a mesma começa a manifestar-se como um animal no chão, enchendo-o de medo e pavor. Pois bem, se ela não queria mais ser filmada, não queria mais participar do documentário, como ele que ele pode expor a vida dela, dessa maneira? Duvido muito que ela tenha permitido que a sua história fosse ao ar.

Fica a pergunta, tudo não passa de charlatanismo do Friedkin ou dos dois? Ou a insensibilidade de Friedkin foi tão grande, que ele pouca se importa de mostrar ao mundo inteiro a dor dessa mulher?

E o padre Amorth foi um fanático católico, que dizia que o demônio tinha medo dele (neste documentário é o oposto, o tinhoso não medo algum), e que a igreja católica era a única verdadeira, declaração que os espíritos do mal confirmavam. Basta ler o seu livro  Memórias de um Exorcista.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Canção da Liberdade



Há uns 12 anos, numa madrugada sem sono, liguei a TV e estava passando este filme no SBT. Logo me chamou a atenção, devido ao tema abordado em sua trama. O racismo e o Movimento pelos Direitos Civis, na década de 1960, em todo o território norte-americano, principalmente nos estados sulistas, onde a discriminação e perseguição aos negros eram e ainda é mais intensa que nos estados do norte.

Sempre garimpando na internet filmes sobre o racismo, demorei anos a fio para encontrar este. Finalmente consegui baixá-lo e colocá-lo disponível no Youtube. Infelizmente, não está em sua melhor qualidade visual, mas dá para apreciá-lo numa boa, e ver o quanto o nefasto racismo que gerou uma cruel segregação é uma ferida aberta na história do país da “liberdade”.

Canção da Liberdade conta em seu elenco com o renomado ator negro, Danny Glover, que faz o papel de pai de Owen, um adolescente indignado com o racismo e preconceito vigentes na cidade em que vive. 

A história se passa na fictícia cidade de Quinlan, no Mississipi, uma cidadezinha tranquila e pacata, mas que guarda em suas entranhas um ódio visceral dos negros que ali habitam. A segregação é total. Negros não podem entrar em lanchonetes, não podem frequentar a biblioteca, a justiça eleitoral coloca várias dificuldades para o direito de voto dos negros, mesmo que a constituição do país lhes “garanta” essa prerrogativa.

Não conformados com a situação de humilhação porque passam, os negros de Quinlan começam a se organizar para reverter o quadro degradante em que a segregação os colocam. Imbuídos da ideia de não-violência, resistirão as investidas dos brancos racistas sem apelarem para o revide físico, suportando as pancadas, chutes e murros, numa tentativa de pouco a pouco ir minando a segregação. 

Em muitos lugares da nação, o Movimento Pelos Direitos Civis está progredindo e fazendo as estruturas segregacionistas verem os primeiros tijolos de seus muros ruírem. Em Quinlam, seus moradores negros nutrem essa esperança, não sem discordarem e discutirem calorosamente sobre as estratégias que devem tomar. No final das contas, a não-violência é o caminho que resolvem adotar.

Encarceramentos, surras e humilhações, que já eram esperados não demoram a acontecer. Quando Owen e Archie Mullen, outro ativista negro estão saindo da prisão, uma corja de moradores brancos tentam linchá-los, e um homem empunhando uma Bíblia, provavelmente o pastor da cidade, interpela Owen:

“Não acredita em jesus, acredita?”

Ao que Archie Mullen responde:

“Acredita que Jesus Cristo é amor?”

O “cristão” retruca:

“Não estou falando com você. Você vai pro inferno, negro! E vai logo!”

Numa outra ocasião do filme, uma “mulher de Deus” tem uma “inteligente” e “divina inspiração” ao dizer:

“Deus nos fez separados. Deve ter uma razão. Enfim, percebi... Ele quer que cada um saiba o seu lugar e fique nele! De outro modo, haveria desordem. E Deus não quer desordem!”

Nunca é demais lembrar que o estado do Mississipi tinha e tem uma concentração massiva de evangélicos conservadores, aqueles que se dizem a luz do mundo, e veem a si mesmos como os iluminados de Deus.

O racismo dos evangélicos ainda é tão acentuado que o protestante Ronald Syder, Ph.D em História na Universidade de Yale, traz em seu livro (O Escândalo do Comportamento Evangélico. Viçosa, MG: Ultimato, 2006), os seguintes números:

“Em 1989 George Gallup Jr. e James Castelli publicaram os resultados de uma pesquisa para determinar quais grupos nos Estados Unidos eram mais propensos a rejeitar vizinhos negros – um bom indicador de racismo. Católicos e cristãos não evangélicos foram classificados entre os menos propensos; 11% fizeram objeção ao contato entre negros e brancos. Os protestantes históricos chegaram próximo dos 16%. Com 17% batistas e evangélicos ficaram entre aqueles mais propensos a repudiar a possibilidade de ter vizinhos negros, e 20% dos batistas do sul rejeitaram a ideia de ter vizinhos negros.” P. 25.

Ele escreve mais:

“Durante o movimento de direitos civis, quando os protestantes históricos e os judeus se uniram aos afro-americanos em sua luta histórica por liberdade e igualdade, líderes evangélicos foram quase totalmente omissos. Alguns se opuseram ao movimento; outros não se pronunciaram. Quando Frank Gaebelein, então co-editor de Christianity Today, não apenas cobriu a marcha de Martin Luther King sobre Selma, como também endossou o movimento e a ele se juntou, experimentou oposição e hostilidade da parte de outros líderes evangélicos.” P. 25.

E conclui com uma pergunta desconcertante:

“[...] como é possível que os evangélicos sejam as pessoas mais racistas e preconceituosas de nossa sociedade?” P. 47.

Voltando ao filme, com muitos sofrimentos e dores, os pretinhos de Quinlan conseguem a liberdade de não serem mais segregacionados. Entretanto, para quem conhece um pouco da história dos negros, isso não seria o final de práticas racistas nos EUA.

Mais um filme espetacular!