O negro é um ser bestial, insolente, desonesto, não-confiável, estuprador de mulheres brancas, intratável, incapaz de viver integrado em uma sociedade civilizada... Essa é a mensagem que O Nascimento de Uma Nação, filme “saído do forno”, de 1915, nos passa. É um filme mudo com mais de três horas de duração, que conta a história de duas famílias, uma nortista e a outra sulista, que se veem em lados opostos devido a Guerra Civil Americana (1861-1865), visto que o lado norte queria o fim da escravidão, enquanto que o lado sul queria mantê-la.
Com o lado nortista vencedor, começa-se a “integração” do negro a sociedade, como um agente “livre/autônomo”. O filme é dividido em duas partes, e na segunda, na reconstrução da nação, o negro é retratado como totalmente incapaz de viver honestamente numa sociedade democrática, fazendo com que a Ku Klux Klan tome as rédeas, para pôr em ordem a cidade sulista de Piedmont, no estado do Alabama, que foi tomada por negros malcriados, descuidados e péssimos administradores, que arruinarão tudo que ela tem de decente e de valor. A assassina Ku Klux Klan é tida como a salvadora da pátria e dos valores civilizados, que estão sendo solapados pela negraiada corrupta e pervertida. No final, a Ku Klux Klan vence e os negros são colocados no seu devido e apropriado cantinho, com os brancos estando no seu merecido lugar de direito, como raça ariana superior e divinamente estabelecida.
O Nascimento de Uma Nação é um marco na história do cinema. Usou de novas técnicas para filmar um longa, usou o que havia de mais tecnológico na época (1915), e é considerado, apesar de seu teor ultra racista, um dos filmes mais importantes já feitos. Na época conseguiu arrecadar mais de 10 milhões de dólares, tendo um lucro exorbitante em vista do que tinha gasto em sua produção.
Infelizmente, o seu conteúdo preconceituoso cimentou ainda mais o sentimento de ódio nutrido pelos brancos naquele país. A Ku Klux Klan que estava extinta, reapareceu perseguindo, linchando e matando negros. Ainda hoje essa organização está atuando, diluída entre vários grupos de ódio, que pregam a supremacia branca e protestante, sem o governo mexer um dedinho sequer para acabar com elas. Existem mais de 200 grupos que destilam a sua raiva doentia não somente contra negros, mas contra judeus, latinos, católicos e etc., como nos diz o documentário O Livro Secreto da América: América Nazista. São uma mistura das ideias de Hitler e da KKK.
O filme é uma tortura para nós, acostumados as produções modernas, visto que é mudo, poucas legendas e extremamente longo.
Felizmente, diante de uma conscientização maior dos grandes estúdios, uma grande avalanche de filmes denunciando o terror do racismo têm sido lançados ano a ano. Creio que eles possuem um grande potencial de minar esse sentimento tão horrível, mas ainda tão presente na cabeça de tantos milhões de pessoas.
Este filme tem um legado demoníaco e abjeto, mas é de salutar importância assisti-lo, principalmente, para quem quer entender a longa e odiosa trajetória da marginalização do negro na sociedade norte-americana, que tristemente está muito longe de acabar.