segunda-feira, 31 de julho de 2017

A Grande Aventura dos Jesuítas do Brasil


CORDEIRO, Tiago. A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil. São Paulo: Planeta, 2016.

"Se na juventude alguém dissesse a Iñigo [Inácio de Loyola] que, ao morrer, em 1556, ele deixaria como legado uma instituição religiosa e influente, que chegaria ao século XXI com um de seus membros [papa Francisco] no mais alto posto da Igreja Católica, ele provavelmente daria boas risadas." P. 20.

A mais polêmica ordem religiosa surgida no seio do catolicismo. A Companhia de Jesus, ou simplesmente, Jesuítas, foi fundada no período turbulento da Reforma Protestante no século XVI, quando a igreja católica estava sofrendo os maiores ataques até então contra a sua maneira de conduzir os assuntos espirituais. Em muitas regiões da Europa, o catolicismo estava perdendo fieis para os pregadores protestantes, que estavam dizendo em alto e bom som, que a igreja tinha se apartado dos ensinos apostólicos. Segundo eles, ela tinha apostatado da fé. Lutero e outros, agora diziam que o papa era o próprio anticristo, ou, o seu representante. 

Uma das reações do catolicismo veio de um ex soldado, Inácio de Loyola, que imbuído de uma missão espiritual e divina, queria trabalhar de maneira integral, em prol da fé católica. Em 1534 é criada a Companhia. Essa ordem juntamente com outros grupos católicos, como os capuchinhos, dominicanos e outros, estiveram na dianteira da evangelização da recém colônia chamada Brasil.  

Mas os jesuítas foram de longe os mais proeminentes católicos a difundir e coagir os silvícolas a abraçarem a nova fé. Fundaram escolas, traduziram idiomas, criaram gramáticas, lutaram contra a escravização dos indígenas, alargaram o território da colônia e etc. Nenhuma outra ordem foi tão dinâmica e criativa na disseminação dos valores europeus e cristãos. 

Tanto no Brasil, como noutros países, muitos missionários da Companhia passaram pelo martírio. Tiago Cordeiro descreve a morte lacinante de dois missionários jesuítas no Canadá, no século XVII, por uma tribo local:

"Os índios iroqueses arrancaram as roupas dos dois e jogaram ao fogo suas túnicas pretas. Com gritos de euforia, amarraram os prisioneiros pelas mãos, com cordas, de forma que ficassem presos a postes baixos. Aspergiram água fervendo sobre eles, numa simulação de batismo. Usaram facas para arrancar fatias finas de suas pernas, de seus narizes e de suas barrigas. Cozinharam os pedaços diante das próprias vítimas. Por fim, depois de quatro horas de torturas, abriram o peito de Jean e Gabriel e arrancaram seus corações. Comeram os orgãos e então beberam o sangue das duas vítimas." P. 44.

Tanto lá fora, como aqui, o “amor” cristão tinha seus limites. Os Jesuítas militaram a favor da “liberdade” indígena, contanto que eles estivessem dispostos a viver conforme as regras estabelecidas pela ordem. O negro africano não teve esse “privilégio”. 

"Para a mão de obra responsável pela manutenção das terras [na América do Norte], os inacianos [jesuítas] usaram exatamente o mesmo recurso de qualquer outro fazendeiro local: escravos africanos. Os missionários, em geral, não viam problemas em manter outros seres humanos em regime de cativeiro. Dominava entre eles o pensamento estabelecido pelo frei dominicano Bartolomé de las Casas, que, já no século XVI, argumentava que a escravidão de africanos se justificava porque a falta de liberdade era compensada pela conversão forçada ao cristianismo. Se continuassem morando na África, dizia o teólogo espanhol, não conheceriam a fé que os salvaria do inferno." P. 49.

Não foi fácil empreender as missões evangelizadoras nas terras inexploradas. Assim era o caminho dos jesuítas para converter os índios, no Brasil do século XVI:

"As febres eram recorrentes, os muitos ferimentos nas mãos, nos pés e no rosto demoravam a cicatrizar e o sono era difícil em lugares cheios de animais desconhecidos e índios potencialmente agressivos. Ocasionalmente, os colonos ainda conseguiam convencer índios a atuarem como guias, caçadores, pescadores e navegadores. Nos trechos em que não havia nativos para ajudar, o percurso consistia em um acúmulo de improvisos e erros grosseiros cometidos por gente que não sabia se movimentar por aquele tipo de terreno." P. 63-64.

Nessas andanças até histórias com certa semelhança com as aventuras bíblicas, os jesuítas se depararam: 

"[O jesuíta Manoel da Nóbrega] ouviu dos índios histórias sobre um dilúvio. Para os locais, as chuvas tinham preservado um casal, que se protegera em um pinheiro e depois desceria em terra firme para repovoar o mundo". P. 72.

É no mínimo intrigante o fato de que várias culturas distintas, sem nunca terem tido contato umas com as outras terem em seus mitos, histórias semelhantes as narrativas bíblicas de Adão e Eva e do Dilúvio. Com os índios aqui encontrados, não foi diferente, pelo menos com relação à enchente que precipitou-se sobre a terra. Alguns dirão que essas histórias semelhantes seriam um arquétipo universal. Don Richardson, missionário protestante, escreveu o livro O Fator Melquisedeque, que trata especificamente dessas histórias que perpassam várias culturas e povos antigos e tribos contemporâneas. 

O canibalismo dos indígenas no século XVI assustava os europeus. Tiago conta como era esse bizarro comportamento dos moradores da terra:

“[...] poligamia, relação sexual entre familiares, nomadismo, e o hábito de beber muito e guerrear com freqüência. Outro ponto ainda se destaca: os silvícolas tinham o costume, abominável aos olhos europeus, de comer carne humana. Os prisioneiros mais corajosos eram detidos por meses e, durante esse período, eram bem alimentados e tinham acesso tanto às cabanas quanto às mulheres e filhas dos índios inimigos. Até que, num ritual em que deveriam resistir a fim de demonstrar não ter medo da morte, eram assassinados e cozinhados. Os melhores pedaços eram degustados pelos guerreiros, que assim incorporavam a coragem do morto. Esta era a prática mais comum, ainda que não a única”. P. 73.

Manoel da Nóbrega, João de Navarro, José de Anchieta, João Felipe, Antônio Vieira, Anton Sepp, Gabriel Malagrida e Jorge Bergoglio (atual papa), são alguns dos jesuítas que preenchem as páginas desse livro.

Outra figura de importância salutar para a aventura dos inacianos foi o Marquês de Pombal, inimigo mortal da obra, que graças as seus esforços, a ordem foi expulsa do Brasil, perseguida em Portugal, se extinguindo. Muitos foram os inacianos presos e até mortos, pelo Estado português, influenciado pelo Marquês. 

Décadas depois a ordem pode se reerguer, mas não com o mesmo poder de antes, apesar de ter em suas fileiras pessoas que fizeram história além do mundo religioso, como o jesuíta Georges Lemâitre, o primeiro a teorizar sobre a teoria do Big Bang, posteriormente, confirmada por várias observações astronômicas. 

Impressionantemente, foram os jesuítas os primeiros a praticarem o futebol em terras tupiniquins.

“Foi em um colégio jesuíta em Itu (SP) que os religiosos começaram a praticar o futebol, alguns anos antes da chegada de Charles Miller ao Brasil. Em 1873, José Mantero, padre jesuíta e professor do Colégio São Luiz, levou uma bola a um grande gramado e mostrou a seus alunos as regras do novo jogo.” P. 238-239. 

terça-feira, 18 de julho de 2017

Documentários Vistos (16)


O elenco ficou rico, bem de vida, finanças estruturas? Quantos deles estão fazendo filmes, novelas, com um bom emprego? Hoje, 2017, já passaram-se 15 anos. Cidade de Deus é um marco no cinema brasileiro. Filme forte, pesado, reflexivo.


Só bichinho manso. Ataques em regiões dos EUA e Austrália aumentaram. Cientistas tentam entender o motivo dessas aparições, e como repelir esses tubarões, tanto para protegê-los, como para proteger as pessoas. Pessoas que foram atacadas, hoje sofrem problemas psicológicos sérios, por causa da traumática experiência de terem sido mordidas por esses predadores.


Documentário lindo, lindo, lindo.

Em meio a um mundo tão cheio de sofrimento, mortes, dor, injustiças, fome, doenças e todo tipo de mazelas, existem pessoas boas, que estão dando a sua vida em prol dos que sofrem. Pena que são poucas as pessoas dispostas a ajudar, a se doar. Eu estou entre a maioria, olhando para meu próprio umbigo.


Um casal (Shin e Choi) de cineastas sul-coreanos é sequestrado na década de 1970 para a Coreia do norte a mando Kim Jong-il. Tiveram que flertar com governo, fingindo estarem ao lado do regime, apoiando a ideologia socialista do país. Questão de sobrevivência. Eram mestre da atuação nas telinhas do cinema, agora estavam atuando na vida real para garantirem as suas vidas. Conseguem escapar das garras do país, fugindo para a embaixada dos EUA na Áustria, despistando os seguranças do governo. Pedem asilo e vão morar num país livre. Quando estavam presos na Coreia do Norte, fizeram vários filmes a mando de Kim Jong-il, nos EUA, Shin trabalha para a Walt Disney, fazendo filmes ninjas, obtendo sucesso em suas produções.

Mais um documentário que escancara a realidade anômala que é a Coreia do Norte. Esse documentário é diferente de todos os outros, pois traz várias gravações de conversas por telefone entre Shin (diretor sul-coreano) e Kim Jong-il (na época, filho do ditador da Coreia do Norte).


Adam Lanza no dia 14/12/12 entrou numa escola infantil em Newtown, matando 26 pessoas. 20 crianças e 6 adultos. A pacata cidade de Connecticut, jamais imaginará que passaria por um massacre tão horrendo como esse. Seus pimpolhos e funcionários da escola, assassinados por um louco.

O episódio suscitou um debate: a posse de armas.

Compreensivelmente, os moradores da cidade e pais, querem que as leis referentes a posse de armas de cidadãos sejam mudadas.

Acho que apesar da violência em nosso país, com os bandidos tomando conta de tudo, a posse de armas por cidadãos comuns, não daria certo, por aqui. Pelo que lembro, nunca li nada pró ou contra a posse de armas, mas por ora, sou contra.

Panteras Negras: Vanguarda da Revolução


Década de 1960, todo um país fervendo com o barulhento e incômodo movimento pelos direitos civis. Direitos civis reivindicados pelos negros, que até então, nunca tinham sido tratados como gente na terra da “liberdade”. Eis que surge os Panteras Negras, espécie de grupo paramilitar, que se possível, usaria de meios violentos, para que o Estado ouvisse o clamor de todo um povo há bastante tempo humilhado e oprimido.  Aqui vai o que alguns ex membros dos Panteras Negras têm a dizer sobre aquele período:

“As pessoas sempre falam sobre liberdade e seu significado naquele momento. Ser negro na América significa que você não caminharia na rua com o mesmo senso de segurança e o mesmo senso de privilégio das pessoas brancas.”

“Não havia diferença no modo em que a polícia do Mississipi e a da Califórnia nos tratava. Eles poderiam não dizer ‘nigger’ mas os tratavam [os negros] do mesmo modo que no Mississipi [o Estado mais racista do país].”

“A polícia pulava em você, o batia, colocava uma arma na sua cabeça. Era pelo que passávamos diariamente.”

“O The Examiner fez uma reportagem no jornal do último domingo que erámos anti-branco, que nós não ‘tínhamos papas na língua quanto a sermos anti-brancos.’ Isso é um sensacionalismo mentiroso. Nós não odiamos ninguém por causa da cor. Nós odiamos a opressão. Nós odiamos o assassinato de pessoas negras em nossas comunidades.”  

Os Panteras Negras foram adquirindo fama e notoriedade, se espalhando por todo os EUA. Da Califórnia, na cidade de Okland, para a televisão, jornais, rádio, e ganhando cada vez mais a atenção do governo e da polícia, que estavam bastante apreensivos com os rumos que esse grupo de auto-defesa poderia tomar. Chegou um momento em que o governo os classificou como o inimigo interno número 1 da nação.

Negros e mais negros iam aderindo ao movimento, cansados de terem seus direitos negados e jogados no lixo. O que chama a atenção é que os Panteras surgiram na Califórnia, teoricamente um Estado mais moderado e mais aberto, ao contrário do sul (Mississipi, Tennesse, Alabama) mais racista e intolerante. As tensões raciais simplesmente abarcavam toda a nação, não importando a sua localização geográfica.  

Os Panteras Negras como qualquer movimento teve suas contradições internas, erros estratégicos, ações erradas, equívocos e etc. Umas dessas incoerências dentro do movimento era o machismo de muitos de seus membros. Uma desses membros em carta a um de seus fundadores reclamou:

“Caro Huey, quando me uni ao partido, eu estava empolgada por fazer parte de uma organização que acredita na igualdade entre homens e mulheres. Incomoda-me que existam irmãos que ainda vejam as mulheres como objetos sexuais. Não deveríamos ter homens no Panteras Negras ou mulheres que pensem assim.”

O governo norte-americano já de saco cheio dos Panteras, criminosamente, armou estratégias através do FBI, para que o movimento fosse desmantelado – membros importantes do grupo foram assassinados, presos, outros tiveram que fugir do país.

No início da década de 1970 os Panteras Negras já estava se desintegrando. Brigas entre os líderes enfraqueceram bastante o movimento. Até hoje, existem membros trancafiados nas prisões americanas. 

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Além da Senzala: Arranjos Escravos de Moradias no Rio de Janeiro (1808-1850)


SANTOS, Ynaê Lopes dos. Além da Senzala: Arranjos Escravos de Moradias no Rio de Janeiro (1808-1850). Dissertação de Mestrado em História Social pela USP, 2006.

Qualquer aluno do ensino fundamental e médio sabe que o Brasil em seus primeiros três séculos se ancorou no trabalho escravo para desenvolver suas mais variadas atividades e comércio. O Brasil era colônia de Portugal e, também, logo no seu início utilizou aqui e ali, o trabalho forçado de indígenas, apresados pelos bandeirantes. Entretanto, os jesuítas foram ferrenhos opositores da escravidão dos silvícolas, e conseguiram frustrar o desejo daqueles que quiseram escravizá-los.

Com os negros vindos da África, a coisa foi diferente. Sem proteção nem do estado e nem da igreja católica, eles foram feitos escravos em todo o território. Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro foram os principais polos, para onde ele foram mandados. E é no Rio de Janeiro que Ynaê Lopes irá dissertar sobre uma particularidade do viver escravo. 

Sua dissertação de Mestrado, que virou livro, versa sobre a moradia escrava, fora do olhar do senhor de escravo, na cidade do Rio de Janeiro, então capital da Colônia, e depois capital do império português, quando a família real, fugindo das tropas napoleônicas vem para o Brasil, em 1808.

Para começar, a autora traz uma miríade de obras históricas que trabalharam o morar escravo, ou que deram alguma pincelada sobre o assunto, notando que nos anos 1980, vários trabalhos surgem versando sobre os africanos como sujeitos ativos.

“A partir da década de 1980, a historiografia sobre a escravidão vivenciou uma expressiva mudança na sua agenda de pesquisas. Os escravos, que durante muito tempo foram tratados como vítimas passivas da história, passaram a ser encarados como sujeitos capazes de configurar o devir do sistema escravista. Essa nova perspectiva, aliada ao exame de novas fontes documentais, propiciou a ampliação dos temas relacionados à escravidão, dentre eles, o cativeiro citadino.” P. 29. 

A despeito da vergonha da escravidão, a cidade do RJ causava muita admiração pelas suas belezas naturais, aos estrangeiros que chegavam para visitá-la.

“A beleza natural era, em definitivo, um dos primeiros aspectos que chamava atenção para quem quer que chegasse no Rio de Janeiro pela baía de Guanabara no século XIX. A combinação entre morros, mar e cidade parecia insuperável. O inglês Luccock, que aportou em 1808, relatou que ‘o estrangeiro (...) entrará no porto do Rio da maneira mais agradável possível, descendo desde Ponte Negro, rente à praia, até que a Ilha Pay seja trazida ao encontro do Pão de Açúcar. Isso lhe dará a oportunidade de avistar todas as enseadas da costa’.” P. 60.

Sobre o número de portugueses vindos para o Brasil, fugindo de Napoleão Bonaparte, parece que não vieram em milhares como se convencionou nos livros de história.

“Em seu trabalho sobre o Rio de Janeiro setecentista, Nireu Cavalcanti questionou o número de pessoas que acompanhou João VI e sua família para o Brasil. Segundo o autor, que analisou as listas dos passageiros vindos de Portugal para o Rio de Janeiro, o número total de portugueses não ultrapassaria 500 (o que não atenuaria o impacto da transferência da Corte), e não 15 mil como foi sugerido pela historiografia até então.” P. 61.

Caramba, que diferença! 14.500 pessoas a menos, daquilo que aprendi nos estudos sobre a vinda da Família Real e a Corte para o Brasil. É uma diferença abissal. Que disparidade! Aí está o caráter transitório e relativo, que muitas vezes acompanham o saber histórico. Mas é claro, que a versão tradicional pode estar correta. 

Uma das facetas da escravidão urbana era a Capoeira, luta criada no Brasil, usada como instrumento de subversão. 

“No estudo sobre capoeira escrava no Rio de Janeiro [no século XIX], Líbano Soares mostrou algumas das formas de articulação e resistência cativa. Responsável por cerca de 9% das prisões feitas pela polícia no período joanino, os capoeiras trouxeram muita dor de cabeça para os governantes da cidade. E não foram apenas os diversos conflitos travados entre as diferentes maltas ou contra a polícia que preocupavam as autoridades. Para além da luta, do jogo, e do relaxamento do trabalho, a capoeira evidenciava toda uma rede de sociabilidade entre escravos, livres e libertos com a própria dinâmica do cativeiro na Corte.” P. 75.

A ideia central do livro é a seguinte: nos centros urbanos, como a grande cidade do RJ, os escravos podiam trabalhar longe dos olhares e do chicote de seus donos. Muitos negros eram escravos de ganho, trabalhando nas ruas, fazendo serviços, vendendo comidas, ou eram alugados para outras pessoas.

[...] no caso do ganho – característico dos grandes centros do Brasil, como Salvador, Recife e a capital da Corte -, o escravo teria que dispor de sua força de trabalho, passando a maior parte do tempo nas ruas à procura de serviços e, portanto, longe das vistas de seu senhor.” P. 72.

Muitos desses escravos, devido à natureza de suas atividades, não moravam perto, ou sob o teto de seus senhores. A pergunta é: como eram as moradias desses escravos? Através de ampla documentação escrutinada, Ynaê lamenta ao longo de toda obra a escassez de documentos sobre o morar escravo. Ela consegue parcas documentações que mencionam esse morar escravo, esse morar sobre si. Tudo que encontrou foi muito vago e superficial. 

“A dificuldade em obter informações precisas na documentação analisada, devido ao permanente silêncio dos órgãos responsáveis pela segurança e administração do Rio de Janeiro a respeito do morar cativo, alertou para a necessidade de entender tal problemática dentro do quadro mais amplo da história política do país. Por que, mesmo face a mudanças políticas de peso, como a transferência da Corte para o Rio, a independência do Brasil e, até mesmo, a abolição legal do tráfico negreiro transatlântico em 1831, o silêncio sobre as moradas escravas permaneceu?” P. 17.

Eu esperava mais dessa obra. Achei essa dissertação tão ou mais dispersa e desorganizada que os resumos ou resenhas que tento fazer. E olha que a autora lançou mão de um incontável número de fontes primárias, tais como Cartas de Alforrias, Devassas da Polícia, Relatórios dos Presidentes de Províncias, Termos de Bem Viver, Inventários Post Mortem, Arquivo da Biblioteca do Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado Rio de Janeiro, Arquivo Geral do Rio de Janeiro, viajantes que passaram pela cidade no século XIX, fora a historiografia especializada sobre a escravidão. No entanto, como ela mesma admite, pouca dessa documentação tratava do morar escravo citadino, fora do olhar do senhor de escravo.

domingo, 16 de julho de 2017

Faça a Coisa Certa



Fazia uns anos que queria ver o tão afamado Faça a Coisa Certa. Considerado um clássico do cinema que trabalha a problemática do racismo na América do Norte. Pois bem, o filme é ambientado na cidade de Nova Iorque, no bairro negro do Brooklin, no final dos anos 1980. Além da maioria negra, existem asiáticos, latinos e outras minorias étnicas, habitando o bairro. Tipicamente um bairro pobre, com pessoas humildes, cheias de problemas estruturais decorrentes da situação financeira precária em que vivem.

O objetivo de Spike Lee, roteirista, diretor e protagonista do filme, é descortinar uma realidade mais complexa e difícil que a polarização entre brancos e negros, tendo os primeiros como algozes e os últimos sempre como vítimas indefesas. 

Em Faça a Coisa Certa, os pretos são os vilões, os preconceituosos, os intolerantes idiotas. E olha que o Spike Lee é negro. É exatamente por isso, que o teor da obra ganha um tom especial. Muitos (MUITOS) negros que sofrem por serem quem são, pelo olhar discriminatório da sociedade branca, são os mesmos que devolvem o racismo contra outras minorias. 

Negros odiando latinos, estes detestando asiáticos, os últimos execrando italianos, e por aí vai. A trama nos mostra um bairro polarizado, cada grupo étnico vendo o outro como inimigo a ser rejeitado, ostracizado, banido para a puta que pariu. 

Praticamente toda a história se passa numa rua, onde em sua esquina tem uma pizzaria italiana, que tem naturalmente quase todos os seus clientes negros, os próprios residentes do bairro. O dono do estabelecimento não demonstra nenhuma visão negativa pelos negros, está há décadas vendendo suas pizzas no bairro e não pretende sair dele nunca. Um de seus filhos (pino), odeia os negros e se possível não voltaria a pisar no bairro. O entregador (Mookie) é um negro (Spike Lee), que mantém uma relação tensa com o patrão (Sal) e com seu filho racista, mantendo uma certa amizade com o outro filho do patrão (Vito). 

O bicho pega quando Sal é confrontado por um cliente que exige que ele coloque no hall da fama de sua pizzaria, negros famosos como Malcolm X, Nelson Mandela, Michael Jordan..., pois só há ítalos-americanos nos quadros da pizzaria. O negro confuseiro faz o maior auê mandando que seus irmãos de cor sejam colocados na parede do lugar, e acaba sendo expulso. Com muito ódio, ele tenta organizar um boicote a pizzaria, conclamando a todos do bairro a não comprar mais lá. Consegue apenas uma alma, um maluco, conhecido por Rádio Raheem, que fica pra cima e pra baixo com seu aparelho de som, ouvindo sempre a mesma fita cassete. 

Para encurtar a história, ambos vão a pizzaria no final do expediente, exigir mais uma vez que eles coloquem na parede quadros com os seus ídolos negros, pedido negado mais uma vez. O som de Rádio Raheem está ligado nas alturas e Sal quebra-o com um taco, ocasionando um quebra-quebra generalizado, tendo a polícia que intervir e matando sem intenção por enforcamento Rádio Raheen. A população preta do lado de fora, coloca a culpa nos italianos pela morte do irmão de cor, e destroem completamente a pizzaria, quebrando tudo pondo fogo nela. 

Pronto, o filme é basicamente isso. Além de mostrar um dia típico de um bairro negro, com todas as tensões envolvidas nas relações entre os seus residentes.

A película é clara: os pretos são os intolerantes idiotas da história. Spike Lee não roteirizou isso à toa. Apesar da opressão sofrida há séculos, seja com a escravidão, seja com o racismo institucionalizado e o racismo depois da conquista pelos direitos civis, a realidade é que, muitíssimos negros, por mágoa, ressentimento, raiva, ou até má índole mesmo, têm lançado olhares de ódio contra outros grupos minoritários, como é o caso do presente filme. É uma complexa realidade que depois de Faça a Coisa Certa, foi magistralmente trabalhada por outras obras cinematográficas, como por exemplo Os Donos da Rua, lançado dois anos depois, que retrata gangues de negros matando negros, nos guetos de Los Angeles. Crash, no Limite, de 2004, que de maneira brilhante e assustadora, vira nossa cabeça ao avesso, desvelando as tensões raciais na sociedade estadunidense. 

E se olharmos para o nosso próprio quintal, com certos movimentos negros se vitimizando ao grau extremo e dando aulas de intolerância e ódio? 

Achei algumas cenas meio bobinhas e exageradas, mas certos trejeitos bizarros da trama, não foram colocados à revelia de algum propósito, eu é que deixei escapar a finalidade deles.

Resumindo: nem sempre os negros são os coitadinhos inocentes, oprimidos. De vítimas acabam tornando-se vilões e opressores, sob a desculpa de que são discriminados. Na medida em que são execrados, execram os outros.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Documentários Vistos (15)


Em 2012 Nova Iorque sofreu a fúria de Sandy, um furacão que mergulhou várias regiões dela no caos, causando um prejuízo de bilhões de dólares. Tempestades mais fortes podem acontecer a qualquer momento. Ela e cidades vizinhas não estão preparadas. Cientistas estão se descabelando para criar modelos viáveis de contenção de água, que possam atenuar os seus efeitos destruidores. Mas é tudo muito complexo e financeiramente custoso. Até mesmo a Holanda, acostumada há décadas e mais décadas em lidar com as águas invasoras, tem sérios problemas em lidar com elas.

A finalidade de Visita ao Inferno é de mostrar a relação mística que as pessoas que moram perto dos vulcões têm com estes. Até religiões e cultos essa interação criou. E claro, muitas imagens estupendas de erupções vulcânicas estão presentes. Só achei que poderiam ter trabalhado melhor o sentimento de reverência, veneração e adoração que as comunidades vizinhas aos vulcões têm por eles.


Calcula-se que a cada três segundos, ocorre um avistamento de OVNI no planeta. Então são milhares todos os dias. Cerca 28.800! Seriam todos os relatos imaginação de quem viu? Ou tenham confundido um drone, balão atmosférico e outras coisinhas a mais com OVNIs? Possivelmente a maioria dos relatos são falsas percepções do que se está vendo, mas ainda sim, sobram muitíssimos avistamentos, que fogem da explicação padrão da Ciência. A Austrália pipoca em avistamentos de OVNIs. Damien Nott alega ter filmado e fotografado vários OVNIs. Ele é o protagonista desse documentário. Nott contará o que acha dessas experiências com os supostos seres de outros mundos.


O coração da política britânica. Westminster guarda em suas salas e corredores, boa parte do legado político britânico. Os Reis, a Câmara dos Lordes, a Câmara dos Comuns, a Abadia, o Big Ben... Documentário de grande riqueza histórica.


Todos os anos, os EUA são atropelados por vários tornados que destroem tudo que estiver em seus caminhos. A tecnologia até o momento (pelo menos até 2011) era de um alerta de apenas 13 minutos antes da formação de um deles. Como aumentar esses minutos, dando as pessoas tempo suficiente de se esconderem? Os Cientistas da Universidade de Oklahoma, Instituto de Tecnologia do Texas e outros centros de pesquisas, estão estudando meios de melhorarem a detecção desse fenômeno destrutivo da natureza.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Os Judeus Que Construíram o Brasil


NOVINSKI, Anita; LEVY, Daniela; GORENSTEIN, Lina; RIBEIRO, Eneida. Os Judeus Que Construíram o Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.

Judeus! Povo rejeitado! Povo perseguido! Povo espalhado pelos quatro cantos do mundo! Povo protagonista das maiores e mais bem sucedidas histórias religiosas que a humanidade já viu.

Quatro Historiadoras judias da USP traz a saga sofrida desse povo, vítima de tantas perseguições e injustiças ao longo dos séculos.

Vamos a um resumo assistemático do que elas dizem.

Como judias que são, é notória a sua predileção pelos seus iguais, frente às crueldades feitas pelos governos europeus (em especial Portugal e Espanha) e brasileiro, juntos com a igreja católica, que fizeram de tudo para marginalizar/ostracizar os “assassinos” de Jesus, impondo-lhes as maiores humilhações, castrando o quanto puderam os seus direitos. O ódio aos judeus e cristãos-novos (judeus forçados a abraçar o catolicismo) veio de cima para baixo. Do catolicismo para o resto da sociedade.

“O mais feroz antissemitismo desceu do clero católico e das ordens religiosas para o povo ignorante e analfabeto. As classes mais abastadas acompanharam a ideologia da Igreja, que desde os séculos VI e VII colocaram os judeus numa categoria de ‘párias’.” P. 12.  

Mas surpreendentemente eles sempre superaram as dificuldades impostas. A inveja da inteligência e perspicácia deles aumentava mais ainda a raiva antissemita.

“O nível intelectual dos judeus, os profissionais liberais que praticamente monopolizaram a medicina em Portugal e no Brasil, acirraram as rivalidades entre os portugueses e os novos convertidos.” P. 12.

“Na nova terra [Brasil], foram pioneiros na agricultura, nas letras, na medicina, nas ciências e nas lutas pela liberdade e justiça.” P. 15.

A Igreja com sua perseguição implacável, fez com que muitos judeus se tornassem irreligiosos – abandonando até as suas raízes judaicas.

“Os bárbaros procedimentos da Inquisição e da Igreja, com seu fanatismo, afastaram muitos cristãos-novos da religião, motivo pelo qual se tornaram céticos, não sendo nem mais cristãos e nem judeus. Inquisição e Igreja tornaram-se sinônimos, Estado e Inquisição eram cúmplices, e muitas vezes Bispo e Inquisidor correspondiam à mesma pessoa.” P. 13.

Numa proporção maior, a maioria dos judeus, apesar das torturas e calamidades infligidas, continuavam com muita avidez mais crentes em seus costumes judaicos e religião.

“Quanto mais aumentavam as perseguições, mais os cristãos-novos se apegavam às suas tradições e ao judaísmo.” P. 17.

Os judeus destacaram-se nas grandes navegações:

“A moderna ciência da navegação estava intimamente ligada aos judeus que tinham experiência como homens do mar e pilotos de navios. [...] No século XV, o príncipe Henrique, o Navegador (1394-1460), conhecedor da tradição científica dos judeus, mostrou enorme interesse em atrái-los para Portugal. Formou um grupo de cientistas que faziam parte da famosa Escola de Sagres, que contribuiu decisivamente para as aventuras portuguesas.” P. 29, 30.

Na medida que a reconquista dos cristãos na península ibérica ia se concretizando, os judeus que ali viviam, passaram ter os seus direitos retirados, com as ordens da igreja católica. A perseguição aos judeus patrocinada pelo catolicismo foi feroz.

“A partir do século XIV, a legislação canônica, de caráter antijudaico e já aplicada ao restante da Europa, fez-se casa vez mais presente nos reinos cristãos. as restrições legais à liberdade dos judeus perduraram por muito tempo como posição do papado. Proibiam-se o proselitismo, a construção de novas sinagogas (apesar de se garantir que as existentes não poderiam ser destruídas ou pilhadas), o casamento com cristãos, a posse de escravos cristãos, os cargos públicos e o direito às heranças. Tratava-se de uma legislação repressiva destinada a impedir a convivência entre judeus e cristãos, que foi mantida e ampliada desde o IV Concílio de Latrão, 1215.” P. 37.

Não para por aí:

“Nesse ano [1215], o papa Inocêncio III introduziu a obrigação de os judeus usarem uma insígnia para serem diferenciados dos cristãos. [...] reiterava-se a proibição aos cargos públicos ou qualquer posição em que os cristãos ficassem submetidos à sua autoridade. Médicos judeus não poderiam tratá-los, por exemplo. Em meados do século XIII, essas medidas, aliadas ao final da Reconquista e à cristianização da sociedade, proporcionaram um campo fértil para o antissemitismo. [...] As difamações de que os judeus cometiam crimes contra crianças cristãs foram se tornando cada vez mais correntes.” P. 37.

Quando a peste negra dizimou a Europa, os judeus foram o bode expiatório.

“No início do século XIV, a acusação dos judeus como envenenadores e destruidores dos cristãos chegou ao ponto de estes serem responsabilizados pela peste negra que assolou a Europa em 1348”. P. 38.

A superstição e ódio aos judeus eram tão grandes, que as autoras relatam um caso que ilustra bem isso:

“Em 1506, deu-se em Lisboa um incidente que levou a um massacre, e milhares de judeus perderam a vida. Reunido na igreja, o povo acreditou tratar-se de um milagre, um feixe de luz que entrava pela janela iluminando a cruz. Um cristão-novo [judeu convertido ao catolicismo], ao tentar esclarecer que se tratava de um fenômeno natural, foi imediatamente atacado e morto pela multidão.” P. 43.

Quanto aos judeus que construíram o Brasil:

“O rei D. Manuel arrendou o Brasil por dez anos ao cristão-novo Fernando de Noronha, que liderava um grupo de homens de negócios, em sua maioria cristãos-novos, que foram os primeiros brancos a chegar à América Portuguesa.” P. 87.

Os judeus foram os pioneiros na agricultura na nova colônia de Portugal.

“A civilização brasileira, predominantemente agrícola, teve nos cristãos-novos seus principais experts, pois a agricultura era uma de suas principais atividades durante todo o período colonial. Foram os primeiros mercadores conversos, integrantes do grupo de Fernando de Noronha, que durante suas viagens, aproveitando as paradas para abastecer seus navios na Ilha da Madeira, Açores e São Tomé, negociaram as primeiras mudas de cana-de-açúcar, transplantando-as para o Brasil.” P. 88.

A primeira comunidade de judeus no Brasil formou-se em Pernambuco.

“Diogo Fernandes e sua mulher, Branca Dias, formaram a primeira comunidade de cristãos-novos do Nordeste de Brasil, a comunidade de Camaragibe, cujos membros foram denunciados como judeus secretos na Inquisição”. P. 91.

Os muitos dos judeus “convertidos” ao catolicismo eram os mais céticos da sociedade. Estavam mais preocupados na imanência que na transcendência.

“Precursores do homem secular, os cristãos-novos portugueses pouco se importavam com o mundo do além, com a salvação da alma ou com a redenção divina. Esses homens tinham por lema o ‘aqui’ e o ‘agora’. [...] Os cristãos-novos aprenderam a adaptar-se às situações adversas e ao mundo profano. O sentido da vida deixou de ser transcendental para concentrar-se na realidade”. P. 100-101. 

Mas como era caracterizado o judaísmo pelos fanáticos católicos?

- Negação do inferno cristão;

- Negar o purgatório;

- Defender o matrimônio dos padres;

- Sexo com moças solteiras;

- Não acreditar na imortalidade da alma.

“Quaisquer uma dessas proposições levavam o seu autor para os cárceres da inquisição. Muitos cristãos-novos que não praticavam nenhuma cerimônia judaica foram de judaísmo por expressar tais proposições.” P. 103.

Para manter a fidelidade a tradição judaica, mesmo que escondida das autoridades, o casamento entre judeus tinham o propósito de preservação de sua identidade. Até casamentos entre parentes próximos eram comuns.

“A família desempenhou um papel importante na manutenção da identidade judaica. Os casamentos endogâmicos eram praticados como uma estratégia de preservação do segredo judaísmo, das tradições familiares e dos bens. Também representaram rejeição aos valores culturais cristãos que os conversos eram obrigados a seguir. Os casamentos mais comuns ocorriam entre primos, seguidos de uniões entre tios e sobrinhas.” P. 113.

A cristãs-novas tinham uma escolaridade maior que as portuguesas.

“As mulheres portuguesas eram em sua maioria analfabetas, enquanto mais da metade das cristãs-novas no Brasil eram alfabetizadas.” P. 114.

Os primeiros Médicos no Brasil foram judeus.

“Segundo Licurgo Santos, todos os médicos no início da Colônia eram judeus. O médico mais importante do Brasil no século XVI foi o cristão-novo Mestre Afonso Mendes, cirurgião de Lisboa que veio para a Colônia com Men de Sá, terceiro governador-geral do Brasil.” P. 124.  

Sem fiscalização no começo da colonização, os judeus estavam livres para praticar a sua religião milenar. A inquisição e postura opressora das autoridades de Portugal ainda não estavam em voga.

“No século XVI, a colônia era relativamente pouco vigiada, e os cristãos-novos conseguiram preservar sua fé com uma relativa liberdade”. P. 124.

Os cristãos-novos na colônia portuguesa eram mais livres ideologicamente.

“Os cristãos-novos no Brasil caracterizavam-se principalmente por sua independência religiosa e seu espírito crítico. Em uma época que criticar o catolicismo era arriscar a vida, os cristãos-novos da Bahia ousavam desafiar o poder instituído.” P. 126.

E no tempo dos calvinistas holandeses, quando estes invadiram o Brasil, em especial Pernambuco (1630-1954), os judeus podiam praticar o judaísmo livremente?

“Muito se tem discutido sobre a liberdade religiosa que os judeus gozavam sob o domínio dos holandeses, mas é preciso considerar que essa liberdade era relativa, havia restrições aos judeus e aos cristãos-novos. Calúnias e difamações por parte do clero católico e os dos predicantes calvinistas eram freqüentes. Apesar de serem bem-sucedidos nos negócios, foram vítimas de antissemitismo tanto do lado dos calvinistas quando dos cristãos-velhos. As principais razões foram as rivalidades econômicas. Os calvinistas queixavam-se da ‘arrogância’ dos judeus, acusando-os de serem desonestos, dominarem todo o comércio açucareiro, casarem-se com mulheres cristãs e professarem sua fé judaica em locais públicos.” P. 137.

Novinski e as outras autoras manifestam no capítulo 4 um posicionamento bem positivo em relação aos bandeirantes, que no século XVII, entraram em vários conflitos com as reduções dos jesuítas. Nova luz é lançada sobre as investidas das bandeiras. Eis a explicação:

“Novas pesquisas vieram alterar diversas ideias que tínhamos sobre os bandeirantes. E uma das informações que mais contribuiu para essa mudança foi o conhecimento de que um grande número de bandeirantes, entre Raposo Tavares, eram de origem judaica, descendentes dos forçados a se batizar em 1497. O fato de serem cristãos-novos transforma radicalmente o quadro da Guerra das Missões Jesuíticas. O ódio que os bandeirantes nutriam pelos jesuítas tinha profundas razões ideológicas.

A historiografia clássica sobre as bandeiras atribuiu a fúria devastadora com que os bandeirantes atacaram as Reduções jesuíticas às motivações econômicas e às rivalidades na posse dos índios. Que interesses econômicos tenham feito parte dos planos dos bandeirantes é bem compreensível, mas os documentos sugerem que existia uma razão ideológica muito forte que influiu nessa guerra sangrenta.” P. 154.

Continuando:

“Jaime Cortesão foi o primeiro autor que relacionou o fenômeno das bandeiras com o Santo Ofício da Inquisição e nos apresenta Raposo Tavares como um inimigo da opressão e da teocracia dos jesuítas, defendendo a liberdade de cada homem de resistir a uma religião imposta pela força.” P. 156.

E mais:

“Os jesuítas, desde o início das invasões, sabiam perfeitamente que os paulistas eram cristãos-novos e os acusavam de serem judaizantes.” P. 158.

“Bandeirantes paulistas, iconoclastas e descrentes, combatiam o fanatismo e as superstições dos jesuítas, reprovando os dogmas da Igreja e hostilizando a instituição, que para eles era identificável com a Inquisição. Espalhados pelo Brasil, os bandeirantes pouco se importavam com a religião em geral. Muitos mantiveram a lembrança de sua identidade judaica, através das histórias que lhe contaram seus pais e avos. Mesmo indiferentes a qualquer prática religiosa, pequenos vestígios do judaísmo permanecem em seus costumes.” P. 159.

Finalizando sobre eles:

“Como inimigo do Santo Ofício da Inquisição guerrear contra os jesuítas espanhóis era lutar contra a instituição que matou milhares de cristãos-novos inocentes.” P. 161.

No capítulo 6 fala-se sobre os criptojudeus da Paraíba, do Maranhão e do Grão-Pará. Logo no início nos é dito sobre os judeus estabelecidos na Paraíba:

“A Paraíba apresenta uma história fortemente ligada ao judaísmo. Muito cedo os cristãos-novos estabeleceram-se em Nossa Senhora Neves. A fidelidade ao judaísmo nessa região do país foi mais representativa do que em outras. Os conversos não se assimilaram como no Rio de Janeiro, Minas ou na Bahia, perseverando mais tempo na identidade judaica, fieis às velhas tradições herdadas dos pais e dos avós. Podemos considerá-los, do ponto de vista religioso, como os mais radicais da história colonial. Transformaram a Paraíba, a partir do século XVI, em uma ‘terra de judeus’.” P. 176.

As autoras de forma certeira não deixam de criticar a inquisição católica:

“Foi uma máquina de extorquir dinheiro, um sistema de justiça corrupto que eliminava arbitrariamente seus competidores. Era composto de frades semianalfabetos que chocavam os espíritos mais esclarecidos. Esse mesmo ódio dos inquisidores aos cristão-novos existia ainda na Companhia de Jesus, que se opunha à entrada de conversos, judeus, negros e índios na Ordem. O Tribunal tinha a função de censura, fazendo lavagem cerebral nos réus, repetindo um palavreado vazio, cheio de bobagens e superstições, confundindo as mentes dos portugueses marranos e cristão-novos que não sabiam em que mundo se encontravam.” P. 181.

No último capitulo as autoras lamentam que apenas uma voz defendeu os judeus. Ironicamente, um jesuíta: padre Antônio Vieira. Ele até foi preso pela inquisição, por se posicionar a favor dos judeus. Nem os ilustrados, que se diziam livres da tirania e superstições bobas da igreja, abriram a boca para denunciar os graves delitos contra os descendentes de Abraão.