PRACONTAL, Michel de. A Impostura Científica em Dez
Lições. São Paulo: UNESP, 2001. (Versão em PDF).
“Encontramos
até impostores sinceros que acreditam realmente no que dizem”.
P. 13.
"Um bom cientista não é infalível, ele assume o risco do erro. Este último é inevitável, porque a ciência é feita por seres humanos. Não existe ciência pura, praticada por seres ideais num mundo sem paixões". P. 170.
Michel
de Pracontal é um Jornalista francês conhecido da sociedade científica mundial
de longa data, que vem há décadas trazendo para o grande público leigo, as
notícias e descobertas concernentes ao que os Cientistas têm feito. Com longos
anos de conhecimento acumulado sobre o que rola no mundo da Ciência, ele traz
nas páginas deste livro, as imposturas (embustes, mentiras, farsas, quimeras)
que muitos charlatães, incluindo Cientistas de verdade e pseudocientistas têm
aprontado mundo a fora. O que é muito bem elucidado é que as fabulações
fantasiosas estão aí para seduzir até mesmo quem deveria estar plenamente
vacinado contra ela: os Cientistas. Na verdade, estes às vezes caem em suas
garras, em busca de prestígio e notoriedade entre seus pares, mesmo quando já
conquistaram o seu lugar ao sol. A concorrência do mercado “força-os” a fazerem
pronunciamentos infundados e mentirosos. Muitas vezes, ele crêem piamente que
as suas teorias sem fundamento são a mais nova e sublime verdade sobre o mundo
natural.
“A
maioria dos impostores, sinceros ou não, protegem-se por detrás de uma muralha
de convicções contra a qual os melhores argumentos vão se despedaçar. Os ataques
de seus adversários nada mais fazem do que reforçar suas certezas. Os
cientistas não escapam dessas reações, a despeito do clichê obstinado segundo o
qual eles seriam verdadeiros santos laicos, encarnações vivas do Rigor e da
Imparcialidade. Não existe nenhuma razão para que os sábios pairem acima das
paixões que animam o comum dos mortais, mesmo que muitas pessoas queiram que
seja assim.” P. 15.
“Os
homens de ciência não estão mais bem preparados que qualquer outro contra a
tentação de tomar seus desejos pela realidade. A boa ciência é um exercício
difícil, sobretudo para os cientistas! Não se trata
absolutamente de concluir que os sábios são os únicos detentores da verdade:
essa crença bastante difundida, às vezes alimentada pelos cientistas, é a primeira
das imposturas.” P. 18.
“Houve um tempo, já superado, em que
os pesquisadores davam prioridade às publicações científicas em vez da mídia de
grande público”. P. 77.
A
impostura tem em seu time, pessoas de variadas classes:
“O
nível científico dos impostores varia do autodidata completo ao pesquisador
de renome internacional. Mais de um Prêmio Nobel deixou-se encantar pela música
da flauta mágica”. P. 15.
Ironicamente,
segundo Pracontal, as pessoas que mostram grande e intenso interesse na
Ciência, são as que mais dão crédito as imposturas criadas pela falsa ciência.
O avanço do conhecimento sobre o mundo, não fez recuar a crença nas fantasias e
fábulas.
“O
ponto crucial reside na constatação de que a ciência e a técnica não fizeram
recuar as crenças irracionais, e parecem até favorecê-las: ‘Se admitirmos que o
desenvolvimento dos conhecimentos científicos e a difusão do saber provocariam
o declínio das crenças no irracional, era de esperar que houvesse
incompatibilidade entre ciência e crença nas paraciências’, prosseguem Daniel
Boy e Guy Michelat. ‘Ora, constatamos que não é nada disso. Muito ao contrário,
quanto mais alguém se interessa pela ciência, mais acredita no paranormal e na
astrologia. Interessa-se tanto pela ciência quanto queriam ver seus limites
rejeitados. Para esses ‘crentes’, as paraciências representam, portanto, aquilo
que se situa para além da ‘ciência oficial’, e aquilo que é considerado
atualmente como paraciência amanhã certamente se tornará ciência. Assim, quase
a metade dos franceses julga que a ciência admitirá um dia a realidade da
transmissão de pensamento, da influência dos astros sobre o temperamento e dos
óvnis’.” P. 16.
Pracontal
lamenta que hoje em dia, a impostura científica é prática corriqueira. Fazer
Ciência de verdade é mais difícil; é mais trabalhoso; é menos glamoroso. O
grande público dá grande audiência as paraciências e falsas ciências. E não
pensemos que é um público não instruído. As fraudes científicas ajudam nesse
quadro, sobretudo quando Cientistas na concorrência de estarem no alto da torre,
acabam sucumbindo às tramóias e trapaças. A grande mídia sempre precoce e ávida
por audiência, atrelada ao mercado, não está nenhum pouco preocupada em
minimizar os efeitos das imposturas, visto que é muito mais proveitoso (porque dá
ibope) para ela, divulgar as ditas ciências alternativas e as “descobertas
extraordinárias, pois estas duas chamam mais a atenção da grande massa. A mídia
abole as fronteiras entre a ficção e a realidade.
“A
capacidade da mídia para produzir mentiras que passam por verdades não é nova.
Em 30 de outubro de 1938, Orson Welles semeia o pânico pelos Estados Unidos.
Sua versão radiofônica da Guerra dos mundos é tão convincente que os ouvintes
acreditam realmente na invasão dos marcianos. Desde essa demonstração, a
principal mudança foi o aumento de potência da mídia mais rápida, atingindo um
público mais numeroso, e dotada de um temível poder de reinvenção da
realidade.” P. 99.
Uma
das características que Pracontal apresenta dos impostores é está:
“Um
bom impostor varre com as costas da mão as mesquinhas barreiras da ciência
tradicional, abarca o universo inteiro com um olhar. Não hesita em apossar-se
de problemas velhos como a própria humanidade como se fosse o primeiro a
apresentá-los. Nada o detém, porque ele sabe, no fundo de si mesmo, que pode
fazer melhor do que Newton, Einstein e Darwin juntos.” P.
31.
O
sistema planetário de Ptolomeu é uma das mais persistentes imposturas na
história da Ciência. O autor escreve:
“O
sistema de Ptolomeu dava conta, grosso modo, do
movimento aparente dos planetas. Infelizmente, Ptolomeu tinha trapaceado: como
as observações não casavam muito bem com a teoria dos epiciclos, ele tinha
falseado os números para fazê-los entrar à força no sistema. Ptolomeu era um dos
mais perfeitos impostores da história das ciências”. P.
34.
Os
impostores querem “que o mundo se dobre às suas fantasias e às suas vontades”. P. 39.
Há
duas regras usadas pelos impostores, listadas por Pracontal, que achei particularmente
bem a cara deles.
“Seja
revolucionário. Apresente-se como inovador, um inventor, um criador. Seja um
gênio solitário. Afirme em alto e bom som sua singularidade. Ignore aqueles que
disseram a mesma coisa melhor que você e bem antes. Se o seu valor não for
reconhecido, considere como responsáveis o conformismo da sociedade, a
ortodoxia, a ‘ciência oficial’ e até mesmo – por que não? – um vasto complô
internacional destinado a fazê-lo calar-se.
Percorra
os atalhos batidos. Freqüente os lugares comuns. Só emita idéias banais, mesmo – e a
fortiori – revestidas de um discurso esotérico. Siga a corrente dos conceitos
mais comuns. Alimente as superstições. Os extraterrestres têm forçosamente uma
mensagem, o Universo tem forçosamente um sentido, a inteligência é forçosamente
hereditária, a atividade humana põe forçosamente o planeta em perigo”. P.
46-47.
A
impostura propaga-se pelo menos devido a três mitos, que Pracontal
magistralmente revela:
“1) O
mito de que em ciência tudo é possível, mito credenciado pela apresentação
simplista que a mídia faz da pesquisa: todo dia, são anunciados novos
resultados espetaculares, novas descobertas sensacionais; então, por que as
afirmações fantásticas dos impostores, elas também, não seriam exatas?
2) O
mito da revolução científica, realizada sem nenhum esforço por um gênio que uma bela manhã se
levanta dizendo: ‘Hoje vou revolucionar os fundamentos da física!’. Seria
agradável se a ciência progredisse dessa maneira, mas a realidade é mais
complexa. Só que a história das ciências é mal conhecida pelo público e, nesse
ponto, mais uma vez, a mídia raramente retifica a mira do tiro.
3) O
mito do gênio desconhecido: quando está privado de verdadeiros argumentos científicos, o que
acontece muito logo, o impostor desloca a discussão pretendendo que querem
reduzi-lo ao silêncio, que sua descoberta é inovadora demais para ser aceita, e
assim por diante. Como existem efetivamente exemplos históricos em que não
deram atenção aos verdadeiros inovadores, pelo menos num primeiro momento, e
como muitas pessoas gostam muito da idéia do gênio desconhecido, o argumento é
quase irrefutável.” P. 85.
A
fragmentação do saber científico também tem contribuído decisivamente para a
proliferação dos embustes científicos. Pracontal diz:
“A
fragmentação do saber e da prática científica multiplica as áreas que são
dominadas apenas por um número muito pequeno de especialistas. A isso se junta
o fato de que até mesmo os especialistas nem sempre têm um bom conhecimento da
história de sua especialidade [...] Os exemplos que balizam essa lição esboçam
o retrato de uma ciência movida pela esperança irracional, os preconceitos, a
busca da glória, a rivalidade, os lances ideológicos e os interesses
econômicos, assim como pela busca da verdade”. P.
117.
Nas
mais de quatrocentas páginas, vão sendo citadas várias imposturas científicas,
que vão desde Cientistas renomados a charlatães, como Uri Geller. A lista é
grande e, infelizmente, parcial, pois o número de imposturas é muito maior. Eis
algumas:
Cyril
Burt com a sua tese de que a inteligência é hereditária...
Dean
Hamer e a “descoberta” do “gene gay”...
Antoine
Priore e sua máquina de curar o câncer...
Jacques
Benveniste e sua afirmação de que a água possui memória...
O
caso Roswell...
Charles
Dawson e o Homem de Piltdown...
Mendell
e suas ervilhas (mas ironicamente essa impostura serviu a Ciência)...
Paul
Kammerer e o Sapo Parteiro...
Várias
histórias de Cientistas e suas teimosias são contadas. Uns acreditando
firmemente que estavam certos; outros, descaradamente falseando os dados. Até
mesmo as prestigiadas revistas Science
e Nature têm o seu quinhão na
divulgação de imposturas, sendo apressadas em publicar resultados que
precisavam passar por um crivo mais rigoroso, antes que tais imposturas fossem parar
em suas páginas. Os charlatães caras de pau, que não têm nenhuma vergonha em
enganar as pessoas, também são listados. Há muitos exemplos dados pelo autor,
que deixei de mencionar aqui.
É
um ótimo livro.