segunda-feira, 21 de junho de 2021

A Doutrina da Imutabilidade do Alcorão: Breve Análise Histórico-Textual

AMADO, Marcos. A Doutrina da Imutabilidade do Alcorão: Breve Análise Histórico-Textual. 1º Ed. São Paulo: Martureo, 2020.

Uma obra pequena, mas com muitas informações valiosas, vindas dos estudos da Crítica Textual, que vão de encontro a doutrina muçulmana de que o seu livro sagrado foi imutável desde o início. As evidências são cabais: não foi. Como será demonstrado, houve muitas variantes nos vários manuscritos.

O autor desta obra, Marcos Amado, tem Especialização em Estudos Islâmicos na All Nations Cristian College, no Reino Unido. E Estudos Avançados em Religiões e Culturas do Oriente Médio no Institute of Middle East Studies, no Líbano.

Como é um livro pequeno, porém, recheado de fatos importantes, colocarei boa parte dele aqui.

“Os cristãos mostram-se irredutíveis a respeito da inspiração da Bíblia, enquanto os muçulmanos dirão que, em razão de a Bíblia ter sido corrompida, Deus revelou a Maomé o Alcorão, um livro que não deve ser visto como objeto de escrutínio de estudiosos, mas como ‘um objeto de devoção, algo belo, um nexo de poder espiritual…’.

Esse entendimento tem levado os muçulmanos, ao longo dos séculos, a desenvolverem uma narrativa histórica e teológica a respeito da imutabilidade do texto corânico que é atualmente aceita como a verdade plena por mais de um bilhão de seguidores ao redor do mundo. Entretanto, essa percepção não está alinhada com o que as fontes muçulmanas mais antigas, bem como as recentes análises textuais dos manuscritos do Alcorão, mostram.” P. 11-12.

“À medida que os companheiros de Maomé se estabeleciam em distintos e importantes centros geográficos do recém-inaugurado império, surgiram diferentes versões recitadas e escritas do Alcorão com variantes textuais ‘e toda forma de peculiaridades dialéticas’. O uso dessas distintas versões estava supostamente causando conflitos que ameaçavam a estabilidade política do estado.

Em razão disso, por volta do ano 650, sob as ordens de ‘Uthman, o terceiro califa, foi convocado um comitê (que incluía Zaid bin Thabit) ao qual foi confiada a tarefa de compilar ‘os materiais do Alcorão em cópias perfeitas’, tendo como base e ponto de partida os manuscritos que se encontravam sob a posse de Hafsa. Depois de realizado esse trabalho, ‘Uthman determinou o envio de uma cópia de sua versão para cada província muçulmana, e ordenou que ‘todos os demais materiais referentes ao Alcorão, fossem eles fragmentos de manuscritos ou cópias integrais, deveriam ser queimados’.” P. 14.

“Um grande número de estudiosos e orientalistas não aceita a narrativa tradicional muçulmana. Eles têm levantado incontáveis hipóteses a respeito das origens e desenvolvimentos do texto do Alcorão. Alguns, como John Wansbrough e Patricia Crone, contrariando a visão tradicional, declaram que a padronização do Alcorão não ocorreu antes do século 9, ou seja, duzentos anos depois das datas usualmente aceitas pelos tradicionalistas.

[...]

Puin, um dos principais estudiosos do Alcorão no século 20, acredita que pelo menos algumas partes do Alcorão possam ter sido escritas cem anos depois do nascimento do islamismo.” P. 16-17.

“Ao tempo da morte de Maomé, a escrita árabe ainda não estava completamente desenvolvida, e a tradição oral desempenhava, nesta cultura, um papel fundamental na transmissão do conhecimento. Alguns poucos privilegiados que eram capazes de escrever faziam isso utilizando palavras formadas apenas por consoantes. Sem o uso de vogais que auxiliariam na correta vocalização da palavra, era comum que, em certas ocasiões, não se tivesse certeza sobre o exato significado do termo que estava sendo usado.

Os textos iniciais do Alcorão foram escritos sem o uso de vogais e pontos consonantais. As letras árabes que, em português, seriam equivalentes às letras ‘b’, ‘t’ e ‘n’, por exemplo, não possuíam nenhuma distinção entre si. Não havia pontuação para diferenciar essas e outras consoantes que eram representadas de maneira idêntica. O leitor deveria discernir qual letra seria a correta de acordo com o contexto da palavra, o seu conhecimento do idioma, bem como a sua familiaridade com o texto.

Os textos consonantais das primeiras versões do Alcorão eram chamados rasm. Leehmuis cita que ‘a recensão Uthma¯nica creditada pela tradição muçulmana ao grupo liderado por Zayd b. Tha¯bit apenas estabeleceu o rasm do texto, ou seja, a escrita da estrutura consonantal [...] sem os sinais vocálicos e diacríticos que foram incorporados em um estágio posterior’.

Para que se entenda a natureza do problema, é útil demonstrar essa situação com uma palavra simples da língua portuguesa. Uma palavra como “saber”, por exemplo, escrita sem as vogais, torna-se ‘sbr’. Um leitor sem o conhecimento prévio do texto poderia inadvertidamente pensar que a palavra pudesse ser ‘subir’, ‘saibro’, ‘sobre’ etc. Sem as vogais e pontos consonantais, ela pode ser facilmente confundida com muitas outras.

É fácil notar o impacto na compreensão de uma sentença. Um texto como ‘Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda!’, sem as vogais, ficaria ‘S T drms s d, T mplrms jd!’, e com a dificuldade adicional de não se saber exatamente se um ‘t’ seria um ‘n’, ou se um ‘n’ seria, na verdade, um ‘b’ ou ainda um ‘t’. É claro que o contexto da palavra poderia auxiliar o leitor a fazer a interpretação correta, mas, com certa frequência, uma razoável dúvida ainda poderia permanecer.

Assim, quando o Alcorão ‘Uthmanico (que era para ter sido aceito pelos muçulmanos como a ‘versão autorizada’) foi finalizado e distribuído, a escrita empregada ainda estava em formação e ‘continha um nível inerente de ambiguidade. Assim, a tradição oral passou a ocupar um papel suplementar na transmissão de detalhes que não podiam ser expressos pela ortografia pouco desenvolvida’.” P. 18-19.

“De acordo com pesquisadores, as cópias iniciais do Alcorão, elaboradas sob as ordens de ‘Uthman, continham pequenas discrepâncias, mesmo tendo sido elaboradas com o objetivo de conseguir a uniformidade do texto. Esse material foi enviado para as principais cidades do Império Árabe. Além disso, ‘nas décadas e séculos que se sucederam, esse texto padronizado foi lido de forma distinta por diferentes leitores. Por exemplo, eles geralmente vocalizavam e pontuavam as consoantes de maneiras variadas [...]’.

Como resultado, os textos ‘dos primeiros códices originais na forma de um esboço consonantal não pontuado’ passaram lentamente a coexistir com as versões recitadas ‘etéreas’ que continham palavras consonantais que poderiam ser recitadas (ou vocalizadas) de diferentes maneiras. Considerando que, por volta do século 7, a taxa de alfabetização entre os árabes era relativamente baixa, o que realmente tinha primazia nos corações e mentes dos fiéis era aquilo que eles ouviam, e não o que estava registrado nos manuscritos.

Por volta do início do século 8, al-Hajjaj realizou uma importante revisão do rasm canônico, e acredita-se que a adição dos sinais diacríticos tenha sido uma importante característica dessa edição.16 Somente durante o século 9 veio a existir uma ‘ortografia e um sistema de vocalização universalmente aceitos do códice Uthmanico’.

Em razão dessa universalização tardia da ortografia e vocalização, diferentes códices do Alcorão emergiram. As diversas formas de recitação do livro (que levava à vocalização de palavras distintas a partir de um mesmo texto consonantal) aumentaram de tal forma que, por volta do início do século 10, existiam cinquenta sistemas diferentes de recitação.

Ibn Mujahid, no ano 934, provavelmente numa tentativa de restringir a aceitação das diferentes ‘versões’ existentes do Alcorão, ‘divulgou sete formas padronizadas de recitação do texto consonantal atribuído a ‘Uthman’. Ao final, esses modos de recitação transformaram-se em dez, ‘que se tornaram formas textuais canônicas por si só, e que desde então passaram por modificações, que levaram à existência de 80 versões reconhecidas dos dez sistemas de recitação autorizados...’ no século 10.” P. 19-20.

“Bukhari, o reverenciado acadêmico muçulmano que, em meados do século 9, reuniu a mais respeitada coleção de tradições sobre o profeta (Hadith ou Hadíz), menciona vários eventos peculiares relacionados à formação do Alcorão. Um deles retrata o anjo Gabriel recitando o Alcorão para Maomé de sete maneiras alternativas. Em outra ocasião, vê-se o profeta permitindo que seus seguidores recitem o livro de diferentes formas. Aisha (a esposa mais jovem de Maomé) é descrita como uma das pessoas que tinham a sua própria cópia do Alcorão. Existe até mesmo o relato de que havia fiéis recitando as Suras (capítulos) em uma ordem diferente.

Muslim, considerado um dos três principais compiladores do Hadith, assumida mente admite que, com o passar do tempo, algumas das Suras foram sendo esquecidas pelos companheiros. Outros registros fazem alusão ao esquecimento de Suras que eram consideravelmente longas, incluindo uma de 150 versos.

Outras tradições afirmam que uma parte do texto do Alcorão (que pode ou não ter estado em posse de vários muçulmanos) teria sido comida por um animal ‘e que algumas revelações legítimas foram excluídas do texto final’. Alguns acadêmicos islâmicos eram da opinião que uma revelação que autorizava o apedrejamento de adúlteros tenha sido deixada de fora.” P. 21.

“A crença predominante entre os muçulmanos, incluindo muitos acadêmicos [muçulmanos?], é a, de que a versão atual do Alcorão, em árabe, é exatamente aquela revelada a Maomé. Porém, com base no que vimos acima [nas postagens anteriores], não deveria ser nenhuma surpresa o fato de os primeiros estudiosos muçulmanos não reivindicarem que tenha ocorrido uma ‘perfeita transmissão’ do texto; pelo contrário, eles debatiam abertamente a existência de diferentes códices e variantes textuais.

Os códices, conhecidos em árabe como masahif, nasceram com os companheiros do profeta (primeiros muçulmanos que seguiram Maomé durante sua vida), os quais possuíam suas próprias compilações do Alcorão. Jeffery, acadêmico australiano que foi professor de línguas semíticas na Universidade do Cairo, tinha ‘uma coleção de variantes textuais obtidas a partir de livros como comentários, léxicos, Qira’at e outras desse tipo de fontes’, menciona mais de 20 desses códices. Ele tinha um manuscrito do Kitab al-Masahif de Ibn Abi Dawud, o qual, por volta de 1930, encontrava-se na Biblioteca Zahirya, em Damasco. Esse Kitab é um exemplo de uma categoria de livros escritos nos primeiros séculos da história islâmica ‘que estudava[m] o estado do texto do Alcorão antes da sua canonização no texto padronizado de ‘Uthman’.

Yusuf Ali, um teólogo muçulmano e autor de uma das mais conhecidas traduções do Alcorão para a língua inglesa, reconheceu a existência de variantes textuais nos primórdios da história da transmissão do texto. Ele menciona em uma das notas de rodapé de sua tradução que havia diferentes Qiraats, isto é, diferentes leituras ou recitações do livro. Ele cita especificamente a de Ubai ibn Ka’b, que difere em muitos, pontos do texto ‘Uthmanico.” P. 22.

Variações e mais variações no texto do Alcorão

“Antes de o texto [oficial] ‘Uthmanico ter sido padronizado, o códice de Ubai já era utilizado na Síria. Acredita-se que a sua compilação tenha desempenhado algum papel na composição do manuscrito canônico, e parece ter estado “entre aqueles que foram destruídos por ‘Uthman’.  A ordem das Suras do seu códice diferem significativamente da versão ‘Uthmanica.Milhares de variantes textuais podem ser encontradas, algumas das quais contendo uma expressiva quantidade de palavras adicionadas (como as Suras 56.10 e 98.2), resultando numa significativa diferença entre os escritos. Além disso, essa versão continha duas Suras adicionais que constituíam orações curtas.

Outro importante códice dentre os companheiros é o do Ibn Mas’ud. Ele era um dos quatro que teriam sido reconhecidos pelo profeta como legítimos professores do Alcorão. Além de ser um dos primeiros que aceitaram a mensagem de Maomé, depois de sua conversão ele se tornou seu assistente pessoal. Nos primórdios da expansão do islamismo, ele se estabeleceu em Kufa, uma cidade localizada no atual Iraque, que servia como apoio para o exército árabe, e era visto como uma autoridade nas questões do Alcorão, certamente em razão da proximidade que ele tinha com o profeta. Quando ‘Uthman realizou sua recensão, e o seu códice foi enviado para Kufa

‘com as ordens de que todos os demais textos deveriam ser queimados, Ibn Mas’ud se recusou a entregar a sua cópia, ficando indignado com o fato de que aquele texto, estabelecido por um jovem arrivista como Zaid b. Thabit, pudesse ter preferência em relação ao seu, posto que ele já era um muçulmano quando Zaid ainda se encontrava nas entranhas [in the loins] de um infiel.

As Suras no seu códice estavam dispostas em uma ordem diferente daquela encontrada no texto de ‘Uthman. Além disso, ele não incluía as Suras 1, 113 e 114, apesar de haver registros que demonstram que Ibn Mas’ud tinha consciência da existência dessas Suras em outros Qiraats.

Em comparação ao texto ‘Uthmanico, milhares de variantes textuais podem ser identificadas no códice de Mas’ud. Algumas delas representam pequenas diferenças, enquanto outras, como as encontradas em Suras como 3.50, 12.23, 13.4, 14.32, 25.1, trazem consideráveis mudanças em seu significado. Keith Small fez uma breve inspeção no trabalho de Jeffery a respeito do códice de Ibn Mas’ud, e, somente na Sura 2, ele ‘encontrou 55 variantes de palavras, seis delas envolvendo frases’.” P. 23-24.

“Apesar de ainda incipientes, as poucas pesquisas que já foram realizadas pelos críticos textuais apresentam importantes dissonâncias em relação ao relato muçulmano tradicional.

Conforme já mencionado, as variantes podiam ser encontradas não apenas entre os códices dos companheiros e o códice ‘Uthmanico, mas também entre diferentes manuscritos pertencentes ao rasm ‘Uthmanico. Em sua pesquisa, que buscava encontrar os diferentes tipos de variantes textuais na Sura 14.35-41 dentre 19 manuscritos do Alcorão dos primeiros quatro séculos da era islâmica, e três manuscritos dos dois últimos séculos, Small encontrou os seguintes tipos de variantes:

• Variantes ortográficas;

• Erros dos copistas;

• Variantes de sinais diacríticos e variantes que afetam a gramática;

• Variantes do texto consonantal (variantes do rasm);

• Correções físicas dos manuscritos.

Em relação às correções físicas, depois de analisar os manuscritos que estava estudando, ele afirma:

‘Treze correções foram observadas sobre sete versos do texto em vinte manuscritos. Se essa proporção fosse estendida para o resto do Alcorão, isso ratificaria a afirmação de Fedeli de que as correções nos primeiros Alcorões eram muito comuns [...]. Também, a maioria (sete de treze) das correções ocorreram para que o texto fosse readequado no sentido daquilo que era tradicionalmente considerado como o texto padrão’.” P. 26.

“Em 1972, homens que trabalhavam na restauração da Grande Mesquita de Sana’a, no Iêmen, encontraram, por acaso, no sótão da mesquita, milhares de fragmentos antigos do Alcorão. Sem ideia da importância da descoberta, eles colocaram os achados de lado. Somente anos mais tarde o governo iemenita decidiu envolver pesquisadores alemães em um projeto idealizado para o estudo cuidadoso e detalhado do material que havia sido encontrado.

À medida que os fragmentos começaram a ser estudados, verificou-se que eles pareciam datar dos séculos 7 ou 8, o que correspondia ao início da era islâmica. Caso confirmado, os Manuscritos de Sana’a, como eles ficaram conhecidos, seriam os mais antigos manuscritos do Alcorão disponíveis.

Em 1981, o pesquisador Alemão Gerd-R. Puin foi o primeiro do contexto acadêmico a dar atenção ao material.57 De acordo com suas descobertas iniciais, a ordem das Suras nem sempre correspondia ao texto canônico, havia pequenas variações em relação ao texto ‘Uthmanico, e alguns dos fragmentos estavam registrados em um estilo bastante antigo da escrita árabe, um forte indicador de que o material não era um escrito recente.

[...]

Com base nas descobertas iniciais sobre os manuscritos de Sana’a, Andrew Riping declarou – ‘A história inicial do texto do Alcorão é uma questão mais aberta do que muitos suspeitavam: o texto era menos estável – e, portanto, tinha menos autoridade – do que havia sempre sido reivindicado’.

Mas, da perspectiva acadêmica, provavelmente a descoberta inicial mais empolgante não era algo que, pelo menos à primeira vista, estivesse ao alcance dos olhos. Verificou-se que os manuscritos eram palimpsestos, isto é, eram pergaminhos que, em algum momento da história, possuíam um texto inferior que fora raspado e substituído por um novo texto.” P. 27-28.

De acordo com o autor do presente livro, as variantes ocorridas no texto do Alcorão, não afetam de modo dramático a teologia islâmica. Apesar de tudo, o texto do Alcorão manteve-se bem estável. Entretanto...

“Como demonstrado nestas páginas, as conclusões teológicas muçulmanas que dizem respeito à eternidade e à imutabilidade do Alcorão não se sustentam se submetidas a uma análise mais atenta. A maioria das evidências indica uma história bastante terrenal do texto, uma narrativa que não está de acordo com a crença de um livro eterno que tenha sido perfeita e milagrosamente transmitido por intermédio dos primeiros seguidores de Maomé.” P. 31.

O livro está disponível para baixar em ebook, neste link:


domingo, 6 de junho de 2021

A Ciência Pode Explicar Tudo?


LENNOX, John. A Ciência Pode Explicar Tudo? São Paulo: Vida Nova, 2021.

O veinho John Lennox é um Matemático e Filósofo da universidade de Oxford, que vem se destacando nos últimos anos no Brasil, com os seus argumentos em favor do teísmo, através de livros, vídeos e por cauda do seu conhecido debate com o seu colega de Oxford, o Biólogo Richard Dawkins, onde fica notório que o Lennox se saiu bem melhor na exposição das ideias. Li dois de seus livros, dentre eles Porque a Ciência Não Consegue Enterrar Deus, que achei bastante persuasivo. Li também Cristianismo: Ópio do Povo?, livro mais simples, em coautoria com o seu amigo David Gooding. Agora, li este. Livro pequeno, simples, mas não menos interessante e persuasivo em muitos momentos.

Lennox é um teísta cristão desde muito jovem, entrando na academia universitária como cristão e permanecendo inabalável e irredutível nesta posição até hoje. Mas ele relata que logo nos primeiros anos, foi pressionado a abandonar suas convicções teístas, visto que se assim não fizesse, não progrediria no meio acadêmico. A história mostrou que o seu interlocutor estava redondamente enganado. Lennox é um respeitado acadêmico em sua área de atuação (Filosofia da Ciência e Matemática), e coleciona uma série de debates com estudiosos que estão na elite do pensamento ateu, como o já mencionado Richard Dawkins, como também o Eticista Peter Singer, o Jornalista Christopher Hitchens, ao qual Lennox o chama de pensador cuidadoso e ponderado, dentre outras personalidades do ceticismo ateu.  

“[Há] um lado sombrio da academia. Há alguns cientistas que se apresentam com ideias preconcebidas, e que não querem realmente debater as evidências e parecem determinados a não buscar a verdade. Eles estão interessados em propagar as noções de que a ciência e Deus são incompatíveis e de que as pessoas que acreditam em Deus são simplesmente ignorantes. Isso, obviamente, não é verdade.” P. 24-25.

A propaganda de que Ciência e Religião estão em pé de guerra não para na boca dos ignorantes em história. No entanto, Colin A. Russel, Ph.D em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Londres, é citado dizendo estas palavras:

“A crença comum de que [...] o verdadeiro relacionamento entre religião e ciência nos últimos séculos tem sido marcado por hostilidade profunda e duradoura [...] não apenas é historicamente incorreta, mas, na verdade, trata-se de uma caricatura tão grotesca que o que realmente precisa ser explicado é como ela pode ter alcançado qualquer grau de respeitabilidade.” P. 34.

Quem não conhece a célebre frase de Carl Sagan e repetida pelo seu substituto Neil DeGrasse Tyson na série Cosmos?

“No início de sua conhecida série da televisão, Cosmos, o astrônomo e cosmólogo americano Carl Sagan afirmou: ‘O cosmo é tudo o que existe, já existiu e sempre existirá’. Essa não é uma afirmação da ciência; não deve ser colocada na mesma categoria, por exemplo, da afirmação científica de que a gravidade obedece à lei do inverso do quadrado. A afirmação de Sagan é simplesmente uma expressão de sua crença ateísta. O problema é que muitas pessoas dão a todas as afirmações de cientistas a autoridade devida apropriadamente à ciência, simplesmente porque foram feitas por um cientista.” P. 35-36.

Esse tipo de idolatria deve acontecer muito com o falecido e renomado Físico Stephen Hawking, que em seu último livro, escreveu que o universo surgiu do nada. Lennox não deixa passar essa contradição. 

“Stephen Hawking afirmava que Deus não é necessário para explicar por que o universo existe, em primeiro lugar – por que existe algo em vez de nada. Ele acreditava que a ciência poderia fornecer a reposta. Escreve assim: ‘Uma vez que há uma lei a da gravidade, o universo pode criar-se e se criará a partir do nada.’

Essa afirmação parece científica, e certamente foi escrita por um cientista. Contudo, além de não ser científica, não é nem mesmo racional, como um pouco de lógica rudimentar demonstrará.

A afirmação de Hawking é autocontraditória: ‘Uma vez que há uma lei como a da gravidade’ – ou seja, visto que há alguma coisa – ‘o universo [...] se criará a partir do nada’. Hawking assume que a lei da gravidade existe. Ela não pode ser considerada nada, logo, ele é culpado dessa contradição flagrante.

Observe cuidadosamente o que Hawking afirma: ‘Uma vez que há uma lei como a da gravidade...’. Quando li isso pela primeira vez, pensei: ‘Com certeza ele quis dizer: ‘Uma vez que há a gravidade...’ Pois, o que uma lei da gravidade significaria se não houvesse gravidade para ela descrever? Além disso, não é só os cientistas que não criaram o universo; a ciência e as leis da física matemática também não o fizeram. Ainda assim, Hawking parece pensar que poderiam, muito bem, tê-lo feito.

[...]

A ideia [...] de leis físicas trazendo o universo à existência poder parecer fascinante, mas, na realidade, não faz sentido algum. [...] a lei da gravidade de Newton não explica a gravidade. Além do mais, ela certamente não cria a gravidade. Na verdade, as leis da física não são apenas incapazes de criar qualquer coisa; elas também não podem ser a causa de qualquer coisa.” P. 49-50, 51.

Continuando...

“Por fim, a afirmação de Hawking de que ‘o universo pode criar-se e se criará a partir do nada’ não faz sentido. Se eu digo, que ‘X cria Y’, isso pressupõe à existência de X em um primeiro momento, para trazer Y à existência. Se eu digo que ‘X cria X’, pressuponho a existência de X para explicar a existência de X. Pressupor a existência do universo para explicar sua existência é logicamente incoerente.” P. 53.

Lennox toca num ponto, que sempre me chamou muita atenção: a incompatibilidade entre racionalidade e ateísmo, no sentido de que este diz que as nossas capacidades de raciocinar surgiram do caos irracional. O universo resulta da aleatoriedade/acaso/irracionalidade, segundo os ateus. Então como podemos confiar em nosso raciocínio? Que justificativas epistêmicas o ateu tem para poder dar credibilidade ao que ele pensa sobre o mundo? Se tudo foi gerado pela irracionalidade, porque o ateísmo seria superior aos demais pensamentos que ele julga serem irracionais, quando a sua própria cosmovisão recai na mesma categoria, visto que ela também foi gestada no mesmo mundo que é efeito da absurdidade e ilogicidade? Mas todos, crentes e descrentes, acreditam que podem apreender algo verdadeiro e confiável sobre o mundo que os cerca. Mas parece que o ateu não tem como justificar adequadamente isso.

“Meu professor de mecânica quântica em Cambridge, o catedrático Sir John Polkinghorne, escreveu: ‘A ciência não explica a inteligibilidade matemática do mundo físico, pois é parte da [observe o uso explícito da palavra] fundacional da ciência que isso seja assim...’ pelo simples motivo de que não podemos começar a nos envolver na física sem acreditar em sua inteligibilidade.

Sobre qual evidência, portanto, os cientistas baseiam sua fé fé na inteligibilidade racional do universo, que os permite fazer ciência? O primeiro ponto a ser observado é que a razão humana não criou o universo. Esse ponto é tão óbvio que, à primeira vista, pode parecer trivial; mas é, na realidade, de fundamental importância quando nos propomos a testar a validade de nossas capacidades cognitivas. Além de não termos criado o universo, não criamos nossa própria capacidade de raciocinar. Podemos desenvolver nossas faculdades racionais pelo uso, mas não as originamos. Como é possível, então, que o que se passa em nossa minúscula cabeça possa fornecer algo que se aproxime de uma verdadeira explicação da realidade? Como é possível que uma equação matemática desenvolvida na mente de um matemático possa corresponder ao funcionamento do universo?

[...]

Às vezes, em conversas com meus companheiros cientistas, pergunto a eles:

- Com o que você faz ciência?

- Com a minha mente – dizem alguns; e outros que sustentam a opinião de que a mente é o cérebro dizem:

- Com meu cérebro.

- Fale-me sobre seu cérebro. Como ele surgiu?

- Por meio de processos naturais, irracionais e não guiados.

 - Por que, então, você confia neles? – pergunto. Se você acreditasse que seu computador fosse o resultado final de processos irracionais e não guiados, você confiaria nele?

- Nem por um segundo – vem a resposta.

- Obviamente você tem um problema, então.” P. 61, 62.

John Gray, ateu e Professor de Filosofia na Universidade de Oxford, reconhece:

“O humanismo moderno é a fé de que pela ciência a humanidade pode conhecer a verdade – e assim ser livre. Porém, se a teoria da seleção natural de Darwin for verdadeira, isso se torna impossível. A mente humana está a serviço do êxito evolutivo, e não da verdade.” P. 63. [1]

Lennox nos seis últimos capítulos se volta mais especificamente para o Cristianismo, argumentando que a Bíblia é confiável, apelando para vários argumentos, como a defesa da ressurreição de Jesus, a confiabilidade histórica do Novo testamento, a preservação da sua mensagem original, apesar de dois mil anos de existência, etc.

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[1] Vários Cientistas e Filósofos creem que a teoria da evolução é compatível com a existência de Deus. Deus iniciando o processo evolutivo, este geraria não apenas a sobrevivência, mas uma racionalidade confiável. Se o processo evolutivo for apenas gestado pela cegueira do acaso, não há como justificar racionalidade alguma.