domingo, 24 de abril de 2016

Fogo Estranho


MACARTHUR, John. Fogo Estranho. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2015.

John Marcarthur é um pastor calvinista fundamentalista muito respeitado e conhecido por escrever com contundência assuntos polêmicos e, muitas vezes, expor suas ideias com furor e raiva. Praticamente em todos os seus livros, percebe-se uma fúria “santa” e “justa” vinda de suas palavras. Várias de suas obras estão disponíveis em nossa língua, e sempre estão eivadas de algum tema explosivo do meio evangélico.

Fogo Estranho não é diferente. O seu modo peculiar de escrever com veemência continua nessa obra.  Ele vem tratar de maneira totalmente crítica e negativa, o movimento pentecostal/carismático, em toda sua existência de pouco mais de 100 anos. Macarthur não poupa ninguém. Desde os primeiros pentecostais até os atuais seguidores desse movimento, para ele, são tudo farinha do mesmo saco. Não há uma experiência genuína com o Espírito Santo, que lhes capacita a falar em outras línguas, curar doentes, decretar vitórias nas finanças e todas essas extravagâncias das igrejas carismáticas. É tudo balela; é tudo mentira; é tudo imaginação; é tudo emocionalismo.

Neopentecostalismo, evangelho da prosperidade, curas pela confissão positiva, são todos filhos do movimento penteca, surgido no início do século XX. Nesse caso, Macarthur irá irritar os pentecostais “clássicos” que alegam não aprovar as práticas curandeiras e supersticiosas que ocorrem a granel, em muitas denominações carismáticas. O autor coloca todas as manifestações carismáticas no mesmo pacote e as joga num saco de lixo. Nenhuma absolutamente nenhuma é digna de credibilidade e tem respaldo nas escrituras sagradas.

E como é a coisa mais fácil do mundo encontrar histórias mentirosas e descaradas no movimento carismático, Fogo Estranho não deixa de mencionar vários relatos bizarros de líderes pentecostais proeminentes. Aqui vai um exemplo, sobre um dos mais destacados líderes pentecas:

“Benny Hinn [...] com uma estranha profecia [afirma] que se os telespectadores da TBN [maior canal evangélico do planeta] colocarem os caixões de seus entes queridos falecidos na frente de um aparelho de televisão e a mão do morto tocar a tela, as pessoas ‘serão ressuscitadas dentre os mortos [...] aos milhares’.” P. 30.

Hinn é um dos pregadores evangélicos que sempre está dando a cara por aqui, no Brasil. Pastores ladrões como ele, sabem que a sua presença rende $$. O que ele fala, o povo evangélico muito bobo e crédulo acredita. É esse mesmo povo que vive falando mal e condenando os católicos por serem tão tolos em acatar os ensinos vindos do Vaticano. Dá para acreditar nisso? Eles apenas trocaram os ensinamentos fantasiosos do catolicismo, por outros tão fantasiosos quanto, ou até piores, em algumas situações. Chega a ser uma situação cômica, para não dizer trágica.

Fogo Estranho passeia pela história funesta de muitos líderes carismáticos, que se mostraram completamente desonestos e mentirosos, mas que infelizmente, continuam a enganar milhões de pessoas nos EUA e países do terceiro mundo. Muitas histórias são tão absurdas, que pessoas que não conhecem esse ambiente, ficariam céticas se ouvissem os milhares de relatos sem noção que esses pastores e líderes disseram vivenciar.

Outro exemplo trágico de como a loucura e arrogância chegou a níveis alarmantes no movimento carismático, são as afirmações de Peter Wagner, conhecido nome, que ajudou a popularizar as supostas manifestações divinas nas igrejas evangélicas.

“Eu sabia que Deus queria que eu empregasse a autoridade apostólica que ele havia me dado e decretasse, de uma vez por todas, que a doença da vaca louca chegasse ao fim na Europa e no Reino Unido. Foi o que fiz. [...] Era dia 1 de outubro de 2001. Um mês depois, um amigo meu enviou-me um artigo de jornal da Inglaterra, dizendo que a epidemia tinha sido interrompida e que o último caso notificado da doença da vaca louca foram em 30 de dezembro de 2001, um dia antes do decreto apostólico!” P. 107.

Esse é o tipo de pessoa que as milhares de igrejas pentecostais/carismáticas aplaudem e reverenciam. Esse charlatão jura que ele pôs fim, com o seu decreto de merda, a doença da vaca louca na Europa. Entretanto, Macarthur diz “Wagner, aparentemente, desconhece o fato de que a doença ainda existe na Europa, de modo que 67 casos de vacas infectadas foram registrados só em 2009”. P. 107.

Os exemplos podem ser multiplicados, triplicados, quadruplicados, quintuplicados... A saga pentecostal/carismática de inventar milagres e histórias sobrenaturais pululam aos milhões nos vários livros e revistas publicadas todos os anos. E por mais que esses fantasiosos relatos sejam refutados e provados falsos, sempre haverá um contingente enorme de neófitos que acreditarão nessas estórias.

E o que dizer do sinal mais distintivo do pentecostalismo, o polêmico ato de falar em línguas estranhas? Quem já visitou uma igreja pentecostal, provavelmente se deparou com pessoas em estado de transe, balbuciando, gritando e falando uma suposta língua sobrenatural vinda diretamente de deus. É algo bizarro! Assustador, em alguns casos! Pessoas em transe articulando um palavreado sem nexo, sem sentido, pensando que estão sendo o alvo do todo poderoso lá em cima.

Os Linguistas que pesquisaram a glossolalia das igrejas pentecas, são quase unânimes em dizer que são apenas falas desarticuladas. Não são línguas de verdade. Mas os pentecostais teimosos em legitimar a sua fé e experiência de êxtase religioso, preferem ignorar esses estudos. O engraçado é que se esses estudos acadêmicos confirmassem de alguma forma a balbúrdia das línguas praticadas nessas igrejas, os pentecostais seriam os primeiros a citarem essas pesquisas como evidência de que sua prática da glossolalia é verdadeira. Mas como esse não é o caso, eles preferem ignorar as pesquisas seculares, vindas de “incrédulos” que não conhecem a deus e suas manifestações.

Macarthur cita o Professor de Linguística da Universidade de Toronto, William Samarin, que diz:

“Não há mistério sobre a glossolalia. Amostras gravadas são fáceis de se obter e analisar. Elas sempre acabam por ser a mesma coisa: sequências de sílabas, compostas de sons retirados de todos aqueles que o orador conhece, reunidos mais ou menos ao acaso, mas que, no entanto, surgem como unidades semelhantes a palavras e frases por causa do realismo, do ritmo e da melodia semelhante a linguagem. Glossolalia é, de fato, como a linguagem, em alguns aspectos, mas isso é só por que o orador (inconscientemente) quer que seja seja como linguagem. No entanto, apesar das semelhanças superficiais, a glossolalia não é fundamentalmente uma linguagem. Todos os tipos de glossolalia que já foram estudados não produziram recursos que cheguem a sugerir que eles refletem algum tipo de sistema de comunicação [...] Glossolalia não é um fenômeno sobrenatural [...] Na verdade, qualquer um pode produzir glossolalia se for desinibido e descobrir qual é o truque.” P. 154.

Samarin continua: "Quando o completo aparato da ciência linguística faz pressão sobre a glossolalia, ela acaba revelando ter apenas aparência de linguagem.” P. 155.

Por uma questão de justiça, existem Linguistas que defendem um ponto de vista contrário. O pentecostal Gutierrez Siqueira cita em seu blog, o Linguista Michael T. Motley, da Universidade da Pensilvânia, para quem a glossolalia das igrejas pentecas se caracteriza como uma linguagem. Explicando a tese do Motley, Siqueira chega à conclusão de que “nem a linguística ainda tem uma palavra final sobre a glossolalia”. É interessante o texto do Siqueira defendendo a legitimidade das línguas. Mesmo que eu prefira, baseado também no bom senso, a tese do Samarin.


Vale acrescentar que o fenômeno das línguas, não é exclusivo das igrejas evangélicas. A glossolalia está presente no catolicismo, mormonismo, unicismo, seitas orientais, religiões tribais, etc. Se os estudos linguísticos apontassem uma estrutura gramatical, fonética e sintática, as línguas estranhas faladas nessas outras comunidades religiosas, o Siqueira e os pentecostais atribuiriam tal estrutura de linguagem a quem? A Deus? Ao diabo?

Macarthur apesar de ser exagerado em muitos pontos, ser carrancudo e um fanático religioso, acerta e muito na escrita desse livro. Deixemos o seu legalismo e fundamentalismo besta de lado. Ele desmascara as bobagens do meio pentecostal/carismático, que já ultrapassaram as raias do absurdo. É preciso que haja vozes ferozes e por vezes raivosas, para criticar e expor os abusos desse meio religioso.

Quanto aos faladores de línguas, estes continuarão pensando que são os canais de deus.

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