STARK, Rodney. O Crescimento do Cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006.
Eis um livro
diferente!
Eis uma obra,
que pode agradar a cristãos e a céticos!
Rodney Stark
(Professor na Universidade de Washington, com Mestrado e Doutorado em
Sociologia pela Universidade de Berkeley, na Califórnia) passeia pelos cinco
primeiros séculos do cristianismo, reconsiderando e repensando o seu
extraordinário crescimento.
Suas
conclusões e análises baseadas nos pressupostos da Sociologia podem
impressionar muitas pessoas, assim, como me impressionou. Além de fazer um
estudo profundo de centenas de obras acadêmicas sobre o contexto cultural,
social, religioso, demográfico, geográfico e econômico do período em análise,
Stark vai aos documentos e fontes primárias, para tirar suas próprias
conclusões.
Como eu disse,
suas considerações podem agradar a ambos os lados. Pode agradar aos cristãos,
na medida em que ele reconhece a superioridade moral do cristianismo em face do
paganismo, quando aquele dignificou o ser humano, enquanto este, não tinha um
víeis moral-doutrinário pelo qual os seus adeptos pudessem nortear as suas
vidas. Também pode agradar aos céticos, pois sem desmerecer as questões
metafísicas que podem estar envolvidas na fundação e crescimento da religião
cristã, Stark, com muita maestria consegue explicar o sucesso do cristianismo,
fazendo apenas uso das ferramentas da Sociologia. Mesmo que o cristianismo
tenha atendido as demandas da época, isso não faz dele, a religião estabelecida
por uma suposta divindade. Basta lembrar que o próprio Stark é agnóstico.
Um das
surpresas que o autor nos traz é a sua conclusão de que a religião cristã não
era uma religião só de pessoas pobres. Ele vai na contramão dessa visão amplamente
conhecida e aceita. Para ele, pessoas abastadas aderiram à nova fé. “[...] ela não foi
um movimento proletário, mas se baseou nas classes mais privilegiadas.” P.
45.
Outro ponto,
em que ele discorda de muitos estudiosos, é sobre o pouco número de convertidos
judeus. Ao contrário do que se afirma o cristianismo foi bem sucedido entre eles.
Muitos abraçaram a fé em Jesus. “[...] os judeus continuaram representando uma fonte
significativa de cristãos convertidos pelo menos até o século IV e que o judeu-cristianismo
era ainda significativo no século V.” P.
63.
Um ponto que
quero me ater mais detalhadamente, se encontra no capítulo 5, onde Stark nos
fala do papel do sexo feminino, dentro das comunidades cristãs. No cristianismo, as mulheres eram bem mais valorizadas que no meio pagão. Isso
por si só, é um elemento poderoso, para que as mulheres vindas de uma sociedade
opressora, pudessem se converter a fé cristã. “[...] o cristianismo era extraordinariamente
atraente porque no interior da subcultura cristã as mulheres tinham um status
mais elevado do que no mundo greco-romano em geral.” P. 111.
Dessa forma,
parece-me inadequada a tentativa daqueles que querem impor ao cristianismo primitivo a pecha de religião opressora e que inferioriza e discrimina as mulheres. Não é raro vermos na
internet, pessoas, geralmente ateus nervosos, abrindo a boca para falar que o
cristianismo sempre discriminou o sexo feminino. Pergunto-me: quantos livros de
história da igreja, essas criaturas já leram?
O nascimento
de uma menina, em não raras ocasiões era algo indesejado, entre a população
greco-romana. Era amplamente legalizado matar um bebê, caso ele viesse com
“defeito de fabricação”, ou seja, se não fosse menino. “O abandono de crianças indesejadas do sexo
feminino [...] [era] moralmente aceito, [e] amplamente praticado por todas as
classes sociais do mundo greco-romano.” P.
112.
Exemplificando
esse ponto, basta olharmos para a opulenta cidade de Atenas, na Grécia, berço
da civilização ocidental, com a democracia, artes, língua, matemática,
filosofia e etc., não obstante, uma sociedade, onde as mulheres possuíam
pouquíssimo valor e dignidade. Eram peças descartáveis e desvalorizadas.
“Em Atenas, o
suprimento de mulheres era relativamente menor em razão do infanticídio
feminino, praticado por todas as classes, e das mortes adicionais provocadas
por aborto. O status das mulheres atenienses era muito inferior. As meninas
recebiam pouca ou nenhuma educação.” P. 117.
Na
contracorrente da desvalorização da mulher, na subcultura cristã a coisa era
diferente, Stark destaca o indubitável fato, de que o sexo feminino era
valorizado e respeitado. As mulheres agora gozavam de direitos que lhes tinham
sido arrancados. O cristianismo lhe devolveu essas prerrogativas. Elas agora
eram reconhecidas como seres humanos com plenos direitos, se comparados à
cultura pagã ao redor. Isso atraiu um grande contingente de mulheres para as
comunidades cristãs. Nada de abortos, infanticídios, divórcios, poligamia,
infidelidade no matrimônio (do marido, principalmente), incestos e etc.
“Em primeiro lugar,
um aspecto importante do avançado status das mulheres na subcultura cristã é
que as cristãs não toleravam o infanticídio. Isso decerto era o resultado da
proibição contra todos os infanticídios. No entanto, a concepção mais favorável
do cristianismo em relação às mulheres também é demonstrada em sua condenação
do divórcio, do incesto, da infidelidade conjugal e da poligamia.” P. 119.
E tem mais: se
os homens, no paganismo, podiam ser infiéis as suas esposas, sem nenhuma punição, no
cristianismo não era assim. Para os homens, o discurso era de castidade até o
casamento. Nada de usar o pinto para fornicar. E contraindo matrimônio, deviam ser fiéis as suas esposas. Ai daquele que traísse a sua mulher.
Se as viúvas pobres
não tinham o amparo do Estado, e em certos caso, eram até hostilizadas por ele, no interior das igrejas, elas podiam contar com
o apoio dos bispos e outros membros. Não seriam desamparadas. Documentos da
época mostram a solicitude da igreja em ajudar essas mulheres. Uma paróquia
cuidava de até 1.500 viúvas.
E quanto às
práticas sexuais e métodos contraceptivos, o que diferenciava os cristãos dos
pagãos?
Os últimos não
tinham muitas restrições às variações sexuais, além do pênis e vagina. Para os
romanos e outros povos, o sexo anal era amplamente aceito. Já o sexo oral,
parece que não era muito praticado, visto que a higiene daquela época não
permitia, quer dizer, não fazia dessa prática sexual, algo prazeroso para quem
estava lá, usando a boca/língua. Pênis e vaginas eram bem fedidos.
“O sexo oral parece
ter sido bem menos comum do que o sexo anal (compreensivelmente, dada a falta
de limpeza), embora seja retratado em uma série de pinturas eróticas gregas,
especialmente em vasos.” P. 138.
Fora isso, não
poderia deixar de faltar entre eles, assim como em toda cultura, a famosa
punhetinha e siririca; masturbação simultânea entre os casais. E vários outros métodos
para evitar filhos. O coito interrompido era lei. Como eles tinham um razoável
conhecimento de biologia reprodutiva, criaram alguns dispositivos para prevenir
o encontro do esperma com o óvulo.
“Os romanos tinham
compreensão adequada da biologia da reprodução e desenvolveram um acervo
considerável de medidas preventivas.” P. 138.
E que acervo
era esse?
- Plantas, como a cenoura silvestre, que reduzia a fertilidade;
- Certos medicamentos introduzidos na vagina,
que bloqueavam ou matavam o esperma;
- Mel, chumaços de lã e unguentos;
- Ventre de cordeiro em gestação e vesícula de
bode, como preservativos;
Entretanto,
as comunidades cristãs rejeitavam todos esses métodos e práticas sexuais. Sexo
oral e anal eram proibidos. O coito era apenas para a reprodução. Nesse caso, o
catolicismo romano seguiu de perto, pelo menos em teoria, durante séculos a
moral cristã primitiva. Mas como os tempos são outros, a igreja não pode mais
exigir de seus fiéis tamanho disparate. Até porque aposto, que poucos (e bote
pouco nisso) foram os cristãos que só transavam para dar cria.
Esses fatos
mostram que os cristãos desde seus primórdios viam o sexo com muita desconfiança
e horror. O sexo até em sua forma mais “natural”, pênis/vagina, era um tabu,
imagina a bronha/siririca, sexo oral e principalmente o anal. Mas a igreja
sempre teve e terá os seus “rebeldes”.
O protestantismo
herdou esse moralismo, e impôs e ainda impõe um medo tremendo do que o sexo
pode acarretar. Transe antes do casório, pra você ver a ira divina em seus
coros. Sempre os “pecados” de ordem sexual terão um peso maior nas comunidades
evangélicas. Mas falar mal dos outros, difamações, injúrias... Ah, esses pequeninos
deslizes ninguém vê.
“[...] judeus e
cristãos opunham-se a práticas sexuais que desviavam o esperma da vagina. Como o
relato bíblico de Onã explicita, a interrupção do coito e a masturbação
recíproca eram pecados, tendo em vista que o sêmen se derramava no chão. Desse modo,
Clemente de Alexandria [cristão do século II] escreveu: ‘Por causa de sua
divina instituição para a propagação do homem, o sêmen não deve ser ejaculado
inutilmente, nem danificado nem desperdiçado'. [...] Tanto judeus como os
cristãos condenavam o coito anal. [...] Quanto ao sexo oral, Barnabé [cristão
do século II] escreveu: ‘Vocês não devem [...] ser como aqueles homens de quem
se ouve dizer que cometem iniquidade pela impureza de seus lábios. Tampouco devem
juntar-se com mulheres impuras que cometem impureza com a própria boca’.” P. 142.
E sem me
alongar mais, no entanto, me alongando de novo, o livro traz uma versão
diferente, do que geralmente pensamos, sobre as perseguições que os primeiros
cristãos sofreram. Sempre ouvimos e lemos que os cristãos foram extremamente
perseguidos e mortos pelos romanos, por não se curvarem a religião do Estado,
que tinha o Imperador como um deus, e por outras práticas que iam de encontro
aos interesses do Roma. Desde livros pró-cristianismo a livros didáticos, a
informação é sempre a mesma: os cristãos foram duramente perseguidos e mortos
aos milhares nos três primeiros séculos (com pequenos intervalos de paz), até o
Edito de Milão, em 313. Mas parece que as evidências históricas não corroboram
essa “verdade” estabelecida.
“[...] as
perseguições raramente ocorriam, e só um diminuto número de cristãos chegou a
ser martirizado – apenas ‘centenas, e não milhares’, segundo W. H. C. Frend.
[...] A verdade é que governo romano parece ter se preocupado muito pouco com a
‘ameaça cristã’. Surpreendentemente houve pouco esforço no sentido de perseguir
os cristãos, e, quando ocorria uma onda de perseguições, normalmente os bispos
e outras figuras proeminentes eram tratados de maneira diferenciada.” P. 199-200.
Stark cita o
martírio de Inácio de Antioquia, durante o governo do imperador Trajano. O interessante,
é que na sua viagem para o lugar onde seria morto, Inácio recebeu várias visitas
de muitos cristãos confessos, e nenhum deles foi preso. Era do conhecimento dos
soldados a religião cristã deles. Mas por que não foram detidos também? Inácio
na sua prisão podia escrever cartas às várias comunidades cristãs, e não foi
proibido disso. Esse episódio parece evidenciar que o simples fato de ser um
cristão, não era sinônimo de perseguição e necessariamente de ser martirizado por
causa do cristianismo.
Aqui vão
alguns link de resenhas ou resumos, que julgo serem mais bem trabalhados que o
meu (embora nem os tenha lido por preguiça):
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