quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Filosofia em 60 segundos



PESSIN, Andrew. Filosofia em 60 Segundos. São Paulo: Leya, 2012. (PDF).

Andrew Pessin (Ph.D em Filosofia na Universidade Columbia, EUA) escreveu 60 pequenos capítulos, trazendo os grandes dramas filosóficos ao leitor comum, não habituado ao mundo abstrato da metafísica, epistemologia e etc. Eu que sou um eterno iniciante no estudo da Filosofia, que já leu alguns livros de introdução, não gostei muito deste.

O autor não defenderá necessariamente o que pensa sobre os grandes dilemas da sua área, mas apenas exporá os argumentos opostos, ora defendendo a existência de Deus, outra vez descartando-a; noutra parte, ele defende o ceticismo kantiano, mais a frente ele o nega; numa ocasião aceita o relativismo cultural, num outro capítulo o rejeita; e por aí, vai. Cabe ao leitor tentar decidir qual dos argumentos soam mais racionais, ou suspender quaisquer julgamentos, optando pela “neutralidade” a esse ou aquele problema.    

Nossa mente existe e ela é distinta de nosso cérebro.   

“Não dá para negar que sua mente existe. Afinal, o próprio ato de negar exige a capacidade de formar pensamentos, o que parece ser uma capacidade mental – então, negar que você tem uma mente acabaria provando que você tem uma! O que não está claro, no entanto, é o que significa ter uma mente. Sabemos que temos cérebros, que são objetos puramente físicos, mas a pergunta é se nossas mentes são nossos cérebros. E as diferenças importantes entre o mental e o físico sugerem que não são.

[...]

Não está claro ainda o que é a mente, mas é certo que a única coisa que está de fato na cabeça é o cérebro, e que a mente, nos sentidos mais profundos, está em outro lugar.” P.12.

A improbabilidade do Universo, evidencia a existência de Deus.

“[...] não há nada tão incrivelmente improvável como o próprio Universo, entre todos os possíveis universos que poderiam ter existido. [...] então é mais do que provável que Deus exista e seja responsável por este Universo.” P. 17.

Nossa suposta mente não causa nada.

“Porque mentes e corpos parecem ser tipos bem diferentes de entidades. Por exemplo, coisas físicas (como nosso cérebro) têm propriedades espaciais, ao passo que as coisas mentais não. E como pode existir possíveis interações causais entre coisas espaciais e não espaciais? Afinal, coisas físicas comuns exercem influência causal por contato ou colisão. Uma bola de bilhar em movimento colide com uma segunda e a coloca em movimento. Mas a mente, não sendo espacial por natureza, nunca poderia literalmente fazer contato ou colidir com qualquer coisa física. Então, como exatamente os eventos mentais causam os físicos e vice-versa? Como podem as sacudidas do cérebro causarem percepções e os pensamentos levarem os braços físicos a pegarem o telefone se literalmente nenhum fez contato com o outro?” P. 28.

Deus pode criar uma pedra que não possa levantá-la? Não importando a resposta, a conclusão é que Deus não existe.

“[...] uma das primeiras propriedades que os crentes atribuem a Deus é que Ele é onipotente ou todo-poderoso, o que significa que não há nada ou não poderia haver nada que Deus não pudesse fazer. E é aqui que [vai] [...] a pergunta: [...] Deus pode criar uma pedra tão pesada que nem Ele mesmo pode levantá-la? Só existem duas possíveis respostas aqui: sim ou não.

Suponha, primeiro, que digamos não. Mas aí há algo que Deus não pode fazer: criar essa pedra. E se há algo que Ele não pode fazer, então Ele não é, afinal, onipotente.

Portanto, respondemos que sim. Se Deus pode criar uma pedra assim, então poderia existir uma pedra tão pesada que Ele não poderia levantar. Dessa maneira, haveria algo que Deus não pode fazer, que é levantar essa pedra, e se há algo que Deus não pode fazer mais uma vez, Ele não é onipotente, afinal. Alguns tentam evitar essa conclusão insistindo que Deus simplesmente nunca faria essa pedra, então nunca existiria, na verdade, algo que Ele não pudesse fazer. Mas isso não funciona.

Para ser onipotente, não é suficiente que não exista nada que Ele não pudesse fazer. Em vez disso, não poderia nem possivelmente existir algo que Ele não pudesse fazer. E se Ele pode criar essa pedra – mesmo que não crie –, então poderia existir algo que Deus não pode fazer, que é levantá-la. Como sim ou não são as únicas respostas e as duas levam à mesma conclusão, então, de todas as maneiras, não existe ser onipotente. Assim, se Deus deveria ser onipotente, a conclusão é que não existe Deus.” P. 34.

Relativismo cultural: certo e errado são contingentes a cultura.

“Há tremendas diferenças morais no mundo. Em várias culturas, é moralmente certo decidir os casamentos para os filhos, suprimir a diferença política para harmonizar o grupo e que as mulheres tenham menos status que os homens; no Ocidente, isso tudo está errado. Em algumas culturas, existe ainda a obrigação moral de circuncidar filhas, ao passo que o rótulo de ‘mutilação genital feminina’ diz muito bem o que os ocidentais pensam da prática. Ao mesmo tempo, muitos aspectos da cultura ocidental são vistos como moralmente objetáveis em outras partes, seja o materialismo e o consumismo, a ênfase no individualismo, seja a falta de pudor ao se vestir, e por aí vai. O que devemos fazer com essas diferenças? Existe alguma forma de determinar, em face de tantos desacordos morais, quem está certo e quem está errado?

Até onde o filósofo em mim pode ver, a moral não existe no mundo da mesma forma que os fatos científicos ou matemáticos existem. Estes últimos existem de maneira independente dos seres humanos e são, assim, coisas que precisamos descobrir; consequentemente, todas as culturas concordam com elas. A moral, ao contrário, não é algo descoberto, mas algo inventado por diferentes grupos em diferentes momentos e lugares. E como com qualquer invenção, depende inteiramente do inventor decidir o que entra e o que fica de fora. Culturas diferentes podem estabelecer as regras morais que quiserem, e cada cultura é o único juiz do que é certo e errado dentro daquela cultura. Por esse motivo, ninguém está na posição de julgar a moral de outra cultura.

Quem pode dizer quem está certo e quem está errado quando as culturas discordam sobre a moral? Todo mundo e ninguém, pois todo mundo pode opinar sobre a moral da própria cultura, mas ninguém pode opinar sobre a do outro.” P. 55.

Não temos acesso direto a realidade.

“Não há forma de falar como as coisas ‘realmente’ são. Só podemos dizer como as coisas parecem ser em diferentes circunstâncias. Ainda mais importante, para dizer que nossa percepção visual de uma coisa é precisa teríamos de comparar essa percepção com a coisa em si. Mas como podemos fazer isso? Sempre que olhamos para algo, tudo que temos é outra percepção dela, nunca a coisa em si!” P. 57.

Nascemos com ideias e conceitos inatos.

“Com certeza, muito do que aprendemos sobre o mundo se dá por meio da experiência sensorial. Isso pode tentá-lo a pensar que no nascimento nossa mente como uma lousa em branco: vazia de conteúdo, esperando para ser preenchida pelas experiências. Mas enquanto nosso corpo está realmente nu ao nascermos, nossa mente não está: chegamos a este mundo com um saudável estoque de ideias inatas.

A prova é o fato de que quando adultos somos possuídos por ideias de que a experiência sensorial em si simplesmente não poderia nos fornecer. Há conceitos morais, por exemplo, como ‘certo’ e ‘errado’. Como vimos, nossos sentidos não estão simplesmente equipados para detectar esse tipo de coisa: nossos olhos só veem luz e cor, não ‘certo’ e ‘errado’.

Há conceitos matemáticos. Não estamos falando dos avançados; até mesmo os acessíveis, como os números, devem ser inatos. Porque, apesar de podermos ver três laranjas ou três árvores, nunca literalmente vemos o número três propriamente dito. Na verdade, como já notamos, os números parecem ser conceitos em nossa mente que aplicamos ao que vemos, não conceitos que tiramos do que vemos.

E, finalmente, há a ideia de Deus. Você pode não acreditar na existência de Deus, mas ainda possui o conceito, quer dizer, o de um ser infinito. Mas o conceito de infinidade certamente não vem da experiência sensorial, porque tudo que experimentamos é finito.

A experiência, então, pode nos dar muitas coisas. Mas não nos dá o que já temos dentro de nós – incluindo o infinito.” P. 105.

domingo, 7 de outubro de 2018

O Século XXI Pertence à China? Um Debate Sobre a Grande Potência Asiática



FERGUSON, Niall; LI, David; KISSINGER, Henry; ZAKARIA, Fareed. O Século XXI Pertence à China? Um Debate Sobre a Grande Potência Asiática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. (PDF). 

Há mais de trinta e cinco anos, a China cresceu exponencialmente a sua economia, tornando-se a segunda maior potência econômica, atrás apenas dos Estados Unidos. Diante do atual quadro econômico e poder de força chinesa, que só tende a crescer mais e mais, ela passará a dominar o mundo? Os vermelhinhos ultrapassarão os atuais imperialistas?

Este livro é a transcrição de um debate com quatro potências intelectuais, que manjam muito de geopolítica chinesa, realizado em Toronto, no Canadá, em 2011, trazendo argumentos pró e contra a moção apresentada. Ambos os lados apresentam boas articulações de ideias, evidenciando o alto nível do embate.

O primeiro a falar foi Niall Ferguson, Professor de História na Universidade de Harvard, EUA.

“Acredito que o século XXI pertencerá à China porque a maioria dos séculos pertenceu à China, com exceção dos séculos XIX e XX. Dezoito dos últimos 20 séculos tiveram a China, com alguma vantagem, como a maior economia do mundo.” P. 15.

“[...] a China é mais um continente do que um país. Um quinto da humanidade vive lá. É 40 vezes maior do que o Canadá. Se a China fosse organizada como a Europa, teria de ser dividida em 90 Estados-nações. Hoje existem 11 cidades na China com uma população de mais de 6 milhões de habitantes. Na Europa, existe apenas uma cidade com população similar, que é Londres. Onze estados na União Europeia têm menos de 6 milhões de indivíduos. Em 30 anos, a economia da China cresceu quase 10 vezes, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu recentemente que ela será a maior economia do mundo daqui a cinco anos. A China já superou os Estados Unidos em termos de manufatura e mercado automotivo mundial, e a demanda de carros no país será 10 vezes maior nos próximos anos. A China será responsável por um quinto do uso de energia global em 2035. O país dependia de investimentos estrangeiros diretos, mas hoje, com US$3 trilhões de reserva internacional e um fundo soberano de US$200 bilhões em ativos, a China tornou-se o grande investidor.” P. 15.

Niall falou isto em um debate público em 2011. A projeção de que a China seria a primeira economia do mundo, ultrapassando os EUA cinco depois, ou seja, em 2016, não se concretizou. Tanto em 2016 como neste ano, a China está em segundo lugar, atrás da nação norte-americana.

Fareed Zakaria, Editor Geral da revista Time, discorda.

“A China não será o poder dominante durante o século XXI. O século não pertencerá à China por conta de três fatores: um econômico, um político e um geopolítico. O primeiro fator é econômico - uma coisa que percebemos ao longo das últimas décadas é que nada ascende em linha reta para sempre. A China parece estar a ponto de conquistar o mundo, mas o Japão já esteve nesse lugar por algum tempo também. Já foi a segunda maior economia do mundo. Não sei quantos aqui se lembram, mas havia muitas histórias sobre como o mundo se tornaria japonês. Iríamos todos comer sushi - bem, estamos realmente comendo sushi -, mas o resto daquela previsão não se concretizou. Se pararmos para pensar a respeito, a maioria dos tigres asiáticos cresceu a um índice de aproximadamente 9% ao ano por um período de 20, 25 anos. Depois, esse índice baixou para 6% ou 5%. Não estou prevendo nenhum tipo de crash chinês. Estou apenas dizendo que a China seguirá aquela lei de grandes números no início e depois retornará, em algum momento, a uma taxa de crescimento lenta, talvez um pouco mais tarde do que outras nações, porque é um país muito maior.” P. 16-17.

“A China ainda não solucionou um problema básico: o que fazer quando surgir uma classe média, e como o governo responderá às aspirações desse grupo de pessoas. Quando Taiwan passou por um processo similar, houve uma transição para a democracia. Quando a Coreia do Sul passou por isso, houve uma transição para a democracia. Essas transições não foram períodos fáceis. Ao contrário, foram bastante caóticas e cruentas.” P. 17-18.

“A China realizou grandes façanhas do ponto de vista econômico, mas, como país, tem de criar 24 milhões de empregos por ano, absorver 6 milhões de pessoas que se mudam para as cidades todo ano e lidar com uma população flutuante de 150 a 200 milhões de habitantes. Precisa adaptar-se a uma sociedade em que as regiões costeiras estão no nível dos países avançados, enquanto o interior do país é subdesenvolvido, e precisa fazer tudo isso dentro de um sistema político que considere tanto as mudanças econômicas quanto as adaptações políticas resultantes das enormes cifras provenientes dessas mudanças.” P. 20.

Henry Kissinger, Diplomata estadunidense e Prêmio Nobel da Paz, junta-se a Zakaria.

“[...] a questão perante o mundo não é se o século XXI pertence à China. A questão é se, durante o século XXI, com o indubitável fortalecimento da China, nós, no mundo ocidental, seremos capazes de trabalhar com a China. E outro ponto a questionar é se a China será capaz de trabalhar conosco, criando uma estrutura internacional em que, talvez pela primeira vez na história, um Estado em ascensão tenha sido incorporado num sistema internacional, reforçando a paz e o progresso. Em meu livro, digo, por experiência própria, que as perspectivas não são boas.” P. 20.

Kissinger mostra-se preocupado com a relação comercial entre a China e os países subdesenvolvidos da África.

“Fui ao Quênia há um ano e perguntei a um grupo de parlamentares quenianos qual era sua principal preocupação - estávamos conversando sobre democracia e direitos humanos -, e eles disseram que sua única grande preocupação é o envolvimento da China com o governo africano para fazer acordos com os ditadores, sem fazer perguntas nem ligar para direitos humanos. Pode haver certo exagero nisso, mas certamente eles têm motivos para se preocupar quanto ao aspecto geopolítico de longo prazo. Achávamos que tínhamos uma relação bastante estável com muitos países do Oriente Médio e acabamos descobrindo que nossa relação estável era com os ditadores daquela região.” P. 27.

Ferguson tem uma outra visão desse relacionamento.

“Também costumo ir à África, e falei com os mineiros na faixa de cobre que não tinham emprego quando o sistema de mineração estatal desmoronou e têm emprego agora porque os chineses reabriram as minas. E não só reabriram, como também expandiram. Não é justo dizer que a China lida somente com ditadores africanos. O país lida também com democracias africanas. Lida com os governos que encontra na África, inclusive com aqueles que os poderes ocidentais apoiaram por tantos anos.” P. 27.

Zakaria diz que os EUA tiveram um papel bastante positivo no processo de abertura chinesa para o mundo.

“Todos tendem a ver os Estados Unidos como um país com uma política externa instável - incapaz de se organizar, em constante mudança. No caso da China, devo dizer, creio que acontece o contrário. Desde que Henry Kissinger abriu a China ao mundo e inaugurou as relações americanas com a China, os Estados Unidos tiveram uma política extraordinariamente sólida em relação a este país. Tal política foi a de integrar a China ao mundo, para ajudá-la a adquirir o conhecimento, o know-how, a tecnologia, o capital e os modelos institucionais necessários para se tornar um membro produtivo e próspero da comunidade internacional. Seguimos isso com presidentes democratas e presidentes republicamos. Mantivemos uma política extremamente coesa, mesmo em relação a tabus, como nosso relacionamento com o Taiwan e com o Dalai Lama. Todos os presidentes mantiveram uma relação bastante estreita de cooperação com a China, mantendo, ao mesmo tempo, alguns valores e interesses que eram importantes para os Estados Unidos.” P. 34.

E chegamos ao quarto debatedor, David Li, membro acadêmico do Comitê de Política Monetária do Banco Central da China, que fala em defesa de seu país.

“A China não quer dominar o mundo. Existe apenas um país dominador no mundo: os Estados Unidos. Não é o sonho nem o desejo da China tentar reproduzir o sucesso dos Estados Unidos nessa área, e o país nem teria essa capacidade. É algo que não está nos genes de nossa tradição confuciana.” P. 36.

Na parte final do livro, há uma entrevista com Kissinger, o entrevistador John Geiger, lhe pergunta:

“Em 2020, a China terá ultrapassado o PIB dos Estados Unidos. Com base nisso, por que os próximos 80 anos deste século não pertenceriam à China?

HENRY KISSINGER: Por um simples motivo: os chineses têm de distribuir o PIB por muito mais gente do que os Estados Unidos. Estamos falando de 1,3 bilhão de pessoas. Desse modo, a renda per capita na China é consideravelmente inferior à renda per capita nos Estados Unidos. Portanto, muitos dos indicadores que as pessoas mencionam, como os trens de alta velocidade da China - bem, isso significa que os chineses que viajam de trem têm mais conforto do que os americanos, mas não representa necessariamente influência internacional.” P. 40.

É um baita livro. Aprendi muito. E por ora, acredito que aqueles que se posicionaram com um "não" a pergunta apresentada no título do livro, foram os melhores debatedores.

Astrofísica Para Apressados



TYSON, Neil deGrasse. Astrofísica Para Apressados. 1. ed. - São Paulo: Planeta, 2017. (PDF).

Neil deGrasse Tyson (Ph.D em Astrofísica na Universidade de Columbia, EUA), um dos Cientistas mais conhecidos no mundo, substituto do finado Carl Sagan, na famosíssima série Cosmos, traz neste livro, a nível básico, "as principais ideias e descobertas que conduzem nossa moderna compreensão do universo."

O negão de bigode chamativo, nos leva até ao início do Espaço-Tempo, com o Big Bang, 14 bilhões de anos, até a atual conjuntura do universo, onde estamos no limiar de talvez descobrir que este não é o único Universo existente, mas apenas um, dentre muitíssimos outros - o Multiverso, sugere o bigodudo.

Diante das grandes descobertas já feitas pela Astronomia, Tyson conclama a todos a serem mais humildes diante da grandeza do cosmos.

Vamos ao livro.

Quem já não festa está pergunta?
               
"Em um momento ou outro, todos nós olhamos para o céu noturno e imaginamos: o que tudo isso significa? Como tudo isso funciona? E qual é o meu lugar no universo?" P. 08.

Queremos um sentido para tudo. Todavia...

"O universo não tem obrigação de fazer sentido para você." P. 10.

A origem do Universo:

"No começo, há quase 14 bilhões de anos, todo o espaço, toda a matéria e toda a energia do universo conhecido estavam contidos em um volume menor que 1 trilionésimo do tamanho do ponto final que encerra esta frase.

As condições eram muito quentes, as forças básicas da natureza que coletivamente descrevem o universo eram unificadas. Embora ainda não se saiba como ele passou a existir, esse cosmos que era menor que um ponto só poderia se expandir. Rapidamente. Naquilo que hoje chamamos de Big Bang." P. 11.

Nos primeiros momentos do Universo, surgem as partículas elementares: fótons, bósons, léptons, quark-léptons, quarks, anti-quarks, elétrons, anti-elétrons, neutrinos, anti-neutrinos, hádrons, prótrons, nêutrons...

A Terra está no lugar correto...

“Caso a Terra estivesse muito mais perto do Sol os oceanos teriam evaporado. Caso a Terra estivesse muito mais distante, os oceanos teriam congelado. Em qualquer um dos casos, a vida como a conhecemos não teria evoluído.” P. 19-20.

Umas das perguntas mais enigmáticas da Ciência é o que havia antes do Big Bang. Não obstante, agora sabemos que tempo, matéria e espaço surgem nele, portanto, parece não fazer sentido perguntar o que havia antes. Tyson reconhece que os Astrofísicos estão diante de um problema não resolvido, e especula que talvez um Multiverso, o Nada, ou até mesmo uma simulação de computador tenha dado origem ao que conhecemos hoje. Descarta a hipótese de um deus ter desencadeado tudo isto.

“O que aconteceu antes de tudo isso? O que aconteceu antes do começo?

Os astrofísicos não fazem ideia. Ou melhor, nossas ideias mais criativas têm pouca ou nenhuma base na ciência empírica. Como reação, alguns religiosos afirmam, com um tom de superioridade moral, que algo deve ter dado início a tudo: uma força superior a todas as outras, uma fonte da qual tudo brota. Um agente primordial. Na mente dessas pessoas, essa coisa é, claro, Deus.

Mas e se o universo sempre tivesse existido ali, em um estado ou condição que ainda não identificamos – um multiverso, por exemplo, que continuamente dê à luz universos? Ou e se o universo simplesmente brotou do nada? Ou e se tudo o que sabemos e amamos fosse apenas uma simulação de computador criada para a diversão de uma espécie alienígena superinteligente?

Essas ideias filosoficamente divertidas em geral não satisfazem ninguém. Ainda assim, elas nos lembram que a ignorância é o estado mental natural para um cientista de pesquisa. Pessoas que acreditam não ignorar nada não procuraram ou não se depararam com a fronteira entre o que é sabido e o que não é no universo.

O que nós sabemos, e o que podemos afirmar sem hesitação, é que o universo teve um começo. O universo continua a evoluir. E, sim, todos os átomos em nosso corpo podem ser rastreados até o Big Bang e às fornalhas termonucleares dentro de estrelas de grande massa que explodiram há mais de 5 bilhões de anos.

Somos apenas poeira de estrelas trazida à vida, depois dotada pelo universo do poder de se compreender – e nós apenas começamos." P. 21-22.

Sobre o sol:

"[...] por mais diferente que o Sol seja da Terra em tamanho, massa, temperatura, localização e aparência, ambos contêm as mesmas coisas: hidrogênio, carbono, oxigênio, nitrogênio, cálcio, ferro e assim por diante." P. 24.

As leis da física que conhecemos são válidas para todo o Universo.

“Certo, as leis da física operam no sistema solar, mas operam por toda a galáxia? Por todo o universo? Pelo próprio tempo? Passo a passo, as leis foram testadas. Estrelas próximas também revelaram substâncias químicas familiares. Estrelas binárias distantes, unidas em uma órbita mútua, pareciam saber tudo sobre as leis da gravidade de Newton. Pela mesma razão, também galáxias binárias.” P. 24.

"[A] universalidade das leis da física nos diz que se pousarmos em outro planeta com uma civilização alienígena vibrante, eles estarão seguindo as mesmas leis que nós descobrimos e testamos aqui na Terra – mesmo que os alienígenas tenham diferentes crenças sociais e políticas." P. 25-26.

“Para o cientista, a universalidade das leis da física torna o cosmos um lugar maravilhosamente simples. Em comparação, a natureza humana – domínio do psicólogo – é infinitamente mais intimidante.” P. 30.

“O poder e a beleza das leis da física são que elas se aplicam a todos os lugares, quer você acredite nelas ou não.” P. 30.

Sobre a velocidade da luz:
               
"Entre todas as constantes, a velocidade da luz é a mais famosa. Não importa quão rápido você vá, nunca conseguirá ultrapassar um raio de luz. Por que não? Nenhuma experiência já realizada revelou um objeto de qualquer forma atingindo a velocidade da luz. Leis da física bem testadas preveem e afirmam isso. Eu sei que declarações assim soam intolerantes. Algumas das declarações mais obtusas do passado baseadas em ciência subestimaram a engenhosidade de inventores e engenheiros. 'Nunca iremos voar.' 'Voar nunca será comercialmente factível.' 'Nunca iremos dividir o átomo.' 'Nunca quebraremos a barreira do som.' 'Nunca chegaremos à Lua.' O que elas têm em comum é que nenhuma lei estabelecida da física era uma barreira." P. 27.

Um Tyson nada modesto:

"Os cosmólogos têm egos muito grandes. Como não ter quando seu trabalho é deduzir o que fez o universo existir?" P. 39-40.

Os chineses serão os primeiros a “saberem” dos alienígenas.

"O maior radiotelescópio do mundo, concluído em 2016, é chamado de Radiotelescópio Esférico de 500 Metros de Abertura, ou fast, na sigla em inglês, para facilitar. Foi construído pela China, na província de Guizhou, e ocupa uma área maior que 30 campos de futebol. Se um dia alienígenas ligarem para nós, os chineses serão os primeiros a saber." P. 104.

Júpiter é o nosso protetor.

“As leis de Newton determinam especificamente que, embora a gravidade de um planeta fique cada vez mais fraca quando mais você viaja para longe dele, não há distância em que a força da gravidade chegue a zero. O planeta Júpiter, com seu poderoso campo gravitacional, tira do caminho muitos cometas que do contrário causariam o caos no interior do sistema solar. Júpiter age como um escudo gravitacional para a Terra, um irmão mais velho corpulento, permitindo longos (100 milhões de anos) períodos de relativa paz e calma na Terra. Sem a proteção de Júpiter a vida complexa teria dificuldade em se tornar interessantemente complexa, sempre correndo o risco de extinção por um impacto devastador.” P. 115.

Quantos planetas semelhantes a Terra existem?

“As últimas estimativas, tendo como base o catálogo atual, sugerem até 40 bilhões de planetas como a Terra apenas na Via Láctea.” P. 126.

Pondo em cheque a singularidade daquilo que conhecemos:

“Repetidamente ao longo dos séculos, descobertas cósmicas rebaixaram a imagem que temos de nós mesmos. Um dia supunha-se que a Terra era astronomicamente única, até os astrônomos aprenderem que a Terra é apenas outro planeta orbitando o Sol. Depois supusemos que o Sol era único, até aprendermos que as estrelas no céu noturno são elas mesmas sóis. Depois supusemos que nossa galáxia, a Via Láctea, era todo o universo conhecido, até ser estabelecido que as inúmeras coisas indistintas no céu são outras galáxias, salpicando a paisagem do nosso universo conhecido. Hoje é fácil supor que esse universo é tudo o que há. Mas novas teorias da cosmologia moderna, bem como a improbabilidade constantemente reafirmada de que algo seja único, exigem que permaneçamos abertos ao último ataque à nossa alegação de singularidade: o multiverso.” P. 134.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Crepúsculo dos Ídolos



NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. (PDF).

Friedrich Nietzsche (1844-1900) é um dos Filósofos mais populares, mais lidos, mais citados... Quando o assunto é ateísmo, sobre quem foram os grandes pensadores que atacaram o cristianismo, a existência divina, a religião em si, é quase certo, termos alguma menção ao seu nome e escritos. “Deus está morto!” – este enunciado certamente vem a memória quando lembramos o que ele tem a dizer sobre Deus. Nietzsche é também conhecido como o antifilósofo, por escrever através de aforismos, pequenos textos, ensaios, não ter preocupação com métodos, tendo como objetivo “dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro — o que qualquer outro não diz em um livro...” P. 63. Sua linguagem é deveras fácil, quando a comparamos com outros Filósofos.

Crepúsculo dos Ídolos tem como finalidade derrubar, esmiuçar (com o martelo) os falsos deuses antigos que teimavam em persistir, tais como a Filosofia grega representada por Sócrates e Platão, Filósofos que ele não tem apreço algum; ao cristianismo, este sim, a pior desgraça da humanidade, segundo o antifilósofo alemão; a moralidade; e as tendências alemãs de seu tempo, em que Nietzsche não poupa críticas a sociedade alemã, a qual não possui a pujança de outrora. Seu canhão é disparado contra muita gente. É uma declaração de guerra contra aquilo que ele chama de décadence.

Ele pergunta:

"O ser humano é apenas um equívoco de Deus? Ou Deus apenas um equívoco do ser humano?" P. 06.

Ludwig Feuerbach, Filósofo alemão contemporâneo do nosso autor, diria que o homem criou Deus a sua imagem e semelhança, invertendo o que o texto bíblico diz.

Uma pergunta que vai ao estômago dos moralistas hipócritas:

"Como? Vocês escolhem a virtude e o peito estufado, e ao mesmo tempo olham furtivamente para as vantagens dos irrefletidos? — Mas com a virtude renuncia-se às 'vantagens'." P. 08.

Vejo tanto isso, dentre os chamados seguidores de Jesus.

Mais uma cajadada nos hipócritas moralistas:

"Há um ódio à mentira e à dissimulação que vem de uma sensível noção de honra; há um ódio igual que vem da covardia, sendo a mentira proibida por um mandamento divino. Covarde demais para mentir..." P. 10.

Quantas pessoas não conheço que são exatamente assim. Não fazem isso ou aquilo, porque Deus ordenou que não fizessem. E se não houvesse mandamento divino, fariam? “São covardes demais para mentir...”

O antifilósofo ateu, naturalmente desdenhava da ideia de uma vida após a morte. Ele escreve:

“Não há sentido em fabular acerca de um ‘outro’ mundo [depois que morrermos], a menos que um instinto de calúnia, apequenamento e suspeição da vida seja poderoso em nós: nesse caso, vingamo-nos da vida com a fantasmagoria de uma vida ‘outra’, ‘melhor’.” P. 19.

Ele é contra toda forma de moralidade. O que é bom, a igreja castrou, reclama ele.

“A Igreja primitiva lutou, como se sabe, contra os ‘inteligentes’, em favor dos ‘pobres de espírito’: como se poderia dela esperar uma guerra inteligente contra a paixão? com a extirpação em todo sentido: sua prática, sua ‘cura’ é o castracionismo. Ela jamais pergunta: ‘Como espiritualizar, embelezar, divinizar um desejo?’ — em todas as épocas, ao disciplinar, ela pôs a ênfase na erradicação (da sensualidade, do orgulho, da avidez de domínio, da cupidez, da ânsia de vingança). — Mas atacar as paixões pela raiz significa atacar a vida pela raiz: a prática da Igreja é hostil à vida...” P. 22.

Outro disparo contra a moral pregada pela igreja:

“A fórmula geral que se encontra na base de toda moral e religião é: ‘Faça isso e aquilo, não faça isso e aquilo — assim será feliz! Caso contrário...’. Toda moral, toda religião é esse imperativo — eu o denomino o grande pecado original da razão, a desrazão imortal. [...] A Igreja e a moral dizem: ‘o vício e o luxo levam uma estirpe ou um povo à ruína’. Minha razão restaurada diz: se um povo se arruína, degenera fisiologicamente, seguem-se daí o vício e o luxo (ou seja, a necessidade de estímulos cada vez mais fortes e mais freqüentes, como sabe toda natureza esgotada).” P. 26.

Para ele, a igreja criou a abjeta ideia de livre arbítrio para responsabilizar os homens dos seus supostos pecados, fazendo com que a humanidade sinta culpa pelo que não deveria. O livre arbítrio ao contrário do que podemos pensar é uma força escravizadora, que nos manter debaixo das rédeas da igreja.

“Hoje não temos mais compaixão pelo conceito de ‘livre arbítrio’: sabemos bem demais o que é — o mais famigerado artifício de teólogos que há, com o objetivo de fazer a humanidade “responsável” no sentido deles, isto é, de torná-la deles dependente... Apenas ofereço, aqui, a psicologia de todo “tornar responsável”. — Onde quer que responsabilidades sejam buscadas, costuma ser o instinto de querer julgar e punir que aí busca. [...] a doutrina da vontade foi essencialmente inventada com o objetivo da punição, isto é, de querer achar culpado. Toda a velha psicologia, a psicologia da vontade, tem seu pressuposto no fato de que seus autores, os sacerdotes à frente das velhas comunidades, quiseram criar para si o direito de impor castigos — ou criar para Deus esse direito... Os homens foram considerados ‘livres’ para poderem ser julgados, ser punidos — ser culpados. [...] Hoje, quando encetamos o movimento inverso, quando nós, imoralistas, buscamos com toda a energia retirar novamente do mundo o conceito de culpa e o conceito de castigo, e deles purificar a psicologia, a história, a natureza, as sanções e instituições sociais, não existem, a nossos olhos, adversários mais radicais do que os teólogos, que, mediante o conceito de 'ordem moral do mundo', continuam a empestear a inocência do vir-a-ser com 'culpa' e “castigo”. O cristianismo é uma metafísica do carrasco...” P. 29-30.

Eis o seu niilismo:

“Conhece-se minha exigência ao filósofo, de colocar-se além do bem e do mal — de ter a ilusão do julgamento moral abaixo de si. Tal exigência resulta de uma percepção que fui o primeiro a formular: de que não existem absolutamente fatos morais. O julgamento moral tem isso em comum com o religioso, crê em realidades que não são realidades. Moral é apenas uma interpretação de determinados fenômenos, mais precisamente, uma má interpretação. O julgamento moral é parte, como o religioso, de um estágio de ignorância em que falta inclusive o conceito de real, a distinção entre real e imaginário: de modo que ‘verdade’, nesse estágio, designa coisas que agora chamamos de ‘quimeras’. Portanto, o julgamento moral nunca deve ser tomado ao pé da letra: assim ele constitui apenas contra-senso.” P. 31.

Interessante que a todo momento ele está fazendo julgamentos morais.

A tríade do conhecimento:

“Deve-se aprender a ver, aprender a pensar, aprender a falar e escrever: o objetivo, nos três casos, é uma cultura nobre.” P. 37.

“Aprender a pensar: não há mais noção disso em nossas escolas. Mesmo nas universidades, mesmo entre os autênticos doutores da filosofia começa a desaparecer a lógica como teoria, como prática, como ofício. Leia-se livros alemães: já não se tem a mais remota lembrança de que para pensar é necessária uma técnica, um plano de estudo, uma vontade de mestria — de que o pensar deve ser aprendido, tal como a dança deve ser aprendida, como uma espécie de dança...” P. 37.

Outra cipoada no cristianismo:

“De que serve todo o livre-pensamento, toda a modernidade, zombaria e volúvel flexibilidade, se em suas entranhas o indivíduo permanece cristão, católico e até sacerdote!” P. 39.

Há beleza no mundo? Sim, mas só porque, nós, humanos, subjetivamente o dotamos de beleza. Não há objetividade em nossas valorações estéticas.

“O ser humano acredita que o mundo está repleto de beleza — ele esquece de si mesmo como causa dela. Somente ele dotou o mundo de beleza, oh, de uma beleza muito humana, demasiado humana... No fundo, o ser humano se espelha nas coisas, acha belo tudo o que lhe devolve a sua imagem: o juízo ‘belo’ é sua vaidade de espécie... Pois o cético pode ouvir uma leve suspeita lhe sussurrar esta pergunta: o mundo realmente se tornou belo pelo fato de o ser humano tomá-lo por belo? Ele o humanizou: isso é tudo. Mas nada, absolutamente nada nos garante que justamente o ser humano constitua o modelo do belo.” P. 46.

 Agora leiamos o que ele diz sobre os doentes sem perspectiva de cura.

“O doente é um parasita da sociedade. Num certo estado, é indecente viver mais tempo. Prosseguir vegetando em covarde dependência de médicos e tratamentos, depois que o sentido da vida, o direito à vida foi embora, deveria acarretar um profundo desprezo na sociedade. Os médicos, por sua vez, deveriam ser os intermediários desse desprezo — não apresentando receitas, mas a cada dia uma dose de nojo a seus pacientes... [...] Morrer orgulhosamente, quando não é mais possível viver orgulhosamente. A morte escolhida livremente, a morte empreendida no tempo certo, com lucidez e alegria, em meio a filhos e testemunhas: de modo que ainda seja possível uma real despedida, em que ainda está ali aquele que se despede, assim como uma real avaliação do que foi alcançado e pretendido, uma suma da vida — tudo contraste com a miserável e terrível comédia que o cristianismo fez da hora da morte. Não se deve jamais esquecer, em relação ao cristianismo, que ele se aproveitou da fraqueza do moribundo para cometer violação da consciência, e da própria maneira de morrer para formular juízos de valor sobre o indivíduo e seu passado! [...] Mas a morte nas condições mais desprezíveis é uma morte não livre, uma morte no tempo errado, uma morte covarde. Por amor à vida se deveria desejar uma outra morte, livre, consciente, sem acaso, sem assalto... [...] Não nos é dado nos impedir de nascer: mas podemos reparar esse erro — pois às vezes é um erro. Se alguém se elimina, faz a coisa mais respeitável que existe: com isso, quase se merece viver...” P. 52-53.

É realmente assustador ler estas palavras de Nietzsche diante de como foi o seu fim, num estado de demência avançado, sendo cuidado pela irmã. Temos até prova material disto, um vídeo em que ele está em estado vegetativo. É só procurar no YouTube.

Muitos progressistas que admiram Nietzsche, principalmente quando ele atira suas balas céticas contra a religião, mal sabem dos posicionamentos ultraconservadores que ele defendia. Para ele, a mulher era uma mera POSSE do marido. Casamento tinha que ser arranjado. À mulher não cabia a prerrogativa de se casar por livre vontade com quem quisesse. Matrimônio concretizado tinha que ser matrimônio INDISSOLÚVEL. Que ironia, o queridinho dos modernistas pensar assim.

“[...] o casamento moderno [...] claramente perdeu toda racionalidade: mas isso não constitui objeção ao casamento, e sim à modernidade. A racionalidade do casamento estava na responsabilidade legal única do homem: com isso o casamento tinha um centro de gravidade, enquanto agora manca das duas pernas. A racionalidade do casamento estava em sua indissolubilidade por princípio: com isso adquiriu um tom capaz de fazer-se ouvir, perante o acaso de sentimento, paixão e momento. Estava igualmente na responsabilidade das famílias pela escolha dos noivos. A crescente indulgência para com o casamento por amor praticamente eliminou o fundamento do matrimônio, aquilo que faz dele uma instituição. Jamais, em tempo algum, uma instituição é fundada numa idiossincrasia, não se funda o matrimônio, como disse, no ‘amor’ — ele é fundado no instinto sexual, no instinto de posse (mulher e filho como posses), no instinto de dominação, que incessantemente organiza para si a menor formação de domínio, a família, que necessita de filhos e herdeiros, para segurar também fisiologicamente a medida que alcançou de poder, influência e riqueza, para preparar longas tarefas e a solidariedade de instinto entre os séculos. [...] O casamento moderno perdeu seu sentido — portanto, está sendo abolido.” P. 56-57.

Ele surpreende ao dizer que um escritor um cristão foi um gole de sorte em sua vida.

“Dostoiévski, o único psicólogo, diga-se de passagem, do qual tive algo a aprender: ele está entre os mais belos golpes de sorte de minha vida, mais até do que a descoberta de Stendhal.” P. 60.

Nosso autor previa a entrada dos sacerdotes religiosos no limbo da sociedade. Isso de certa forma já tem acontecido há décadas no velho continente.

“Enquanto o sacerdote foi considerado o tipo supremo, toda espécie valiosa de homem foi desvalorizada... Chega o tempo — prometo — em que será visto como o inferior, como o nosso chandala, como a espécie mais mendaz e indecente de homem...” P. 60.

Modéstia não era com ele. Julgava-se o mais sábio alemão.

“Com freqüência me perguntam por que, afinal, escrevo em alemão: em nenhum outro lugar sou tão mal lido como em minha pátria. Mas quem sabe, enfim, se eu também desejo ser lido hoje? — Criar coisas em que o tempo crave suas garras em vão; buscar uma pequena imortalidade na forma, na substância — jamais fui modesto o bastante para exigir menos de mim. O aforismo, a sentença, nos quais sou o primeiro a ser mestre entre os alemães, são as formas da ‘eternidade’; minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro — o que qualquer outro não diz em um livro... Dei à humanidade o mais profundo livro que ela possui, meu Zaratustra: em breve lhe darei o mais independente.” P. 63.

E suas inspirações literárias? Ele diz:

“No fundo, é um número pequeno de livros antigos que conta em minha vida; os mais famosos não se acham entre eles.” P. 64.

E para fechar, mais uma crítica a moral cristã:

“Só o cristianismo, com seu fundamental ressentimento contra a vida, fez da sexualidade algo impuro.” P. 67.

Posso até subscrever algumas coisinhas dele, mas no geral, é um cara que não tenho muito apreço. Um Filósofo que não acreditava na existência da verdade, para mim todo o discurso dele contra isso ou aquilo cai por terra, afinal a verdade não existe, segundo a própria premissa admitida por ele. Quanto a sua crítica a Deus e a moralidade, ele não elaborou argumentos contra a sua existência e a necessidade dos valores. Ele criou apenas frases de efeito. Frases assim o outro lado também faz. De todo modo, é um Filósofo que deve ser lido, pela proporção que seus escritos tomaram no século XX e no atual. O que não quer dizer que ele seja um bom Filósofo. Popularidade não implica em qualidade. Ele tenta derrubar dogmas, estabelecendo outros. Quer dizer, os seus próprios.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Apologia de Sócrates



PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Saraiva, 2013. (PDF).

“[...] não acredito saber aquilo que não sei.” P. 10. – Sócrates.

Sócrates (469-399 a.c.) é um dos principais Filósofos gregos que nos vem à mente quando pensamos nos grandes pensadores da Grécia antiga. Ele influenciou outros pensadores, como Platão e Aristóteles, Filósofos que têm suas ideias discutidas e rediscutidas por vários estudiosos ainda hoje. O modo filosófico de Sócrates distinguia-se bruscamente dos Filósofos anteriores que buscavam na natureza a explicação do Ser. Enquanto que para ele, a Filosofia estava concentrada no homem. Uma de suas frases mais conhecidas é: “Conhece-te a ti mesmo.” Sua Filosofia também era distinta dos seus contemporâneos sofistas, um pessoal que não estava preocupado em formar pessoas em busca da verdade, mas em ensiná-las a serem eloquentes, formando as elites, para exercerem a política. A verdade pouco importava para os sofistas. Nada diferente daqueles que atuam na vida política brasileira.

Em tempos de relativismo defendido principalmente por aqueles que deveriam veementemente rejeitá-lo (os Professores universitários), o método socrático, fazendo o interlocutor refletir sobre suas afirmações e ideias, é a melhor maneira de destruir as ideias pós-modernas tão presentes nas várias instâncias do saber. Percebemos que aqueles hoje em dia, que tratam a verdade como meros jogos de poder, são os sofistas modernos. A verdade não depende do “lugar de fala”, termo tão em moda. Sócrates dizia:

“[...] essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador - dizer a verdade.” P. 05.

Sócrates andava pelas ruas de Atenas, conversando com velhos, jovens, e quem quer que fosse, persuadindo-os a fazerem uma profunda reflexão sobre aquilo que afirmavam e acreditavam – uma espécie de iluminação interior, baseada em raciocínio lógico, obviamente. Para ele, na confluência de ideias, o conhecimento humano aumenta, fornecendo os meios para a prática da virtude. Com o tempo, o seu modelo filosófico foi incomodando certas pessoas poderosas, que o colocaram no limbo da sociedade grega, acusando-o de negar os deuses gregos, culminando em seu julgamento e morte por envenenamento. Este livro, escrito pelo seu principal discípulo, Platão, trata de sua defesa perante as calúnias que o colocaram na mira da justiça ateniense, quando tinha mais de setenta anos.

Um tal de Anito e Licon, juntos com outros diziam “dizendo-vos que há um tal Sócrates, homem douto, especulador das cosias celestes e investigador das subterrâneas e que torna mais forte a razão mais fraca.” P. 06.

Mas o grande acusador de Sócrates foi Meleto.

Em sua defesa, Sócrates apelava para as palavras do Oráculo de Delfos, templo religioso da época, que previa o futuro, aconselhava e orientava quem o procurava. Segundo o Oráculo Sócrates era o homem mais sábio da Grécia. Uma das acusações contra ele, era de negar os deuses, mas como o principal centro religioso da Grécia poderia afirmar que ele era o homem mais sábio, se o mesmo rejeitava os deuses da cidade? Portanto, eram falsas as acusações que estavam sendo usadas contra o velho homem. Xenofonte, um de seus seguidores, era uma testemunha a seu favor quanto a isso.

“Conheceis bem Xenofonte. Era meu amigo desde jovem, também amigo do vosso partido democrático, e participou de vosso exílio e convosco repatriou-se. E sabeis também como era Xenofonte, veemente em tudo aquilo que empreendesse. Uma vez, de fato, indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo a respeito disso e - não façais rumor, por isso que digo - perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. E a testemunha disso é seu irmão, que aqui está.” P. 09.

O grande Filósofo em sua peregrinação em diálogo com os "detentores" do saber - políticos, poetas, adivinhos, "vates", e finalmente, os artífices, chega à seguinte conclusão:

“Por fim, também fui aos artífices, porque estava persuadido de que por assim dizer nada sabiam, e, ao contrário, tenho que dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Em verdade, nisso me enganei: eles, de fato, sabiam aquilo que eu não sabia e eram muito mais sábios do que eu. Mas, cidadãos atenienses, parece-me que também os artífices tinham o mesmo defeito dos poetas: pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo também nas outras coisas de maior importância, e esse erro obscurecia o seu saber.” P. 12.

Isso é tão verdade ainda hoje. Por sabermos muito em uma determinada área (ou pensarmos que sabemos), achamos que podemos ser os experts em outras, e acabamos falando coisas fora da realidade, que quando melhor avaliadas, não passam de embustes alimentados por ideologias ou pressuposições erradas.

Eis a acusação:

“Sócrates - diz a acusação - comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras divindades novas.” P. 14.

Meleto o acusava de ateísmo. Sócrates pergunta a ele:

“Mas, por Zeus, assim te parece, que eu creio que não exista nenhum deus?” P. 18.

Dirigindo-se aos cidadãos de Atenas, Sócrates lamenta:

“Aquilo, pois, que eu dizia no princípio, que há muito ódio contra mim, e muito acumulado, bem sabeis que é verdade.” P. 20.

Para o idoso, devemos fazer a coisa certa, independente dela acarretar resultados desagradáveis que irão nos prejudicar, inclusive a morte.

“[...] quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto.” P. 20.

Aparentemente, Sócrates não temia a morte:

“Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males.” P. 21.

“Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo, mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite.” P. 38.

Se o deixassem livre, ele não pararia de exortar os habitantes de Atenas a virtude a e verdade.

“Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas obedecerei aos deuses em vez de obedecer a vós, e enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um, quem quer que seja que vier à minha presença.” P. 21.

“Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados.” P. 22.

“[...] digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude [...] examinando a mim mesmo e aos outros, e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida”. P. 34.