domingo, 7 de outubro de 2018

O Século XXI Pertence à China? Um Debate Sobre a Grande Potência Asiática



FERGUSON, Niall; LI, David; KISSINGER, Henry; ZAKARIA, Fareed. O Século XXI Pertence à China? Um Debate Sobre a Grande Potência Asiática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. (PDF). 

Há mais de trinta e cinco anos, a China cresceu exponencialmente a sua economia, tornando-se a segunda maior potência econômica, atrás apenas dos Estados Unidos. Diante do atual quadro econômico e poder de força chinesa, que só tende a crescer mais e mais, ela passará a dominar o mundo? Os vermelhinhos ultrapassarão os atuais imperialistas?

Este livro é a transcrição de um debate com quatro potências intelectuais, que manjam muito de geopolítica chinesa, realizado em Toronto, no Canadá, em 2011, trazendo argumentos pró e contra a moção apresentada. Ambos os lados apresentam boas articulações de ideias, evidenciando o alto nível do embate.

O primeiro a falar foi Niall Ferguson, Professor de História na Universidade de Harvard, EUA.

“Acredito que o século XXI pertencerá à China porque a maioria dos séculos pertenceu à China, com exceção dos séculos XIX e XX. Dezoito dos últimos 20 séculos tiveram a China, com alguma vantagem, como a maior economia do mundo.” P. 15.

“[...] a China é mais um continente do que um país. Um quinto da humanidade vive lá. É 40 vezes maior do que o Canadá. Se a China fosse organizada como a Europa, teria de ser dividida em 90 Estados-nações. Hoje existem 11 cidades na China com uma população de mais de 6 milhões de habitantes. Na Europa, existe apenas uma cidade com população similar, que é Londres. Onze estados na União Europeia têm menos de 6 milhões de indivíduos. Em 30 anos, a economia da China cresceu quase 10 vezes, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu recentemente que ela será a maior economia do mundo daqui a cinco anos. A China já superou os Estados Unidos em termos de manufatura e mercado automotivo mundial, e a demanda de carros no país será 10 vezes maior nos próximos anos. A China será responsável por um quinto do uso de energia global em 2035. O país dependia de investimentos estrangeiros diretos, mas hoje, com US$3 trilhões de reserva internacional e um fundo soberano de US$200 bilhões em ativos, a China tornou-se o grande investidor.” P. 15.

Niall falou isto em um debate público em 2011. A projeção de que a China seria a primeira economia do mundo, ultrapassando os EUA cinco depois, ou seja, em 2016, não se concretizou. Tanto em 2016 como neste ano, a China está em segundo lugar, atrás da nação norte-americana.

Fareed Zakaria, Editor Geral da revista Time, discorda.

“A China não será o poder dominante durante o século XXI. O século não pertencerá à China por conta de três fatores: um econômico, um político e um geopolítico. O primeiro fator é econômico - uma coisa que percebemos ao longo das últimas décadas é que nada ascende em linha reta para sempre. A China parece estar a ponto de conquistar o mundo, mas o Japão já esteve nesse lugar por algum tempo também. Já foi a segunda maior economia do mundo. Não sei quantos aqui se lembram, mas havia muitas histórias sobre como o mundo se tornaria japonês. Iríamos todos comer sushi - bem, estamos realmente comendo sushi -, mas o resto daquela previsão não se concretizou. Se pararmos para pensar a respeito, a maioria dos tigres asiáticos cresceu a um índice de aproximadamente 9% ao ano por um período de 20, 25 anos. Depois, esse índice baixou para 6% ou 5%. Não estou prevendo nenhum tipo de crash chinês. Estou apenas dizendo que a China seguirá aquela lei de grandes números no início e depois retornará, em algum momento, a uma taxa de crescimento lenta, talvez um pouco mais tarde do que outras nações, porque é um país muito maior.” P. 16-17.

“A China ainda não solucionou um problema básico: o que fazer quando surgir uma classe média, e como o governo responderá às aspirações desse grupo de pessoas. Quando Taiwan passou por um processo similar, houve uma transição para a democracia. Quando a Coreia do Sul passou por isso, houve uma transição para a democracia. Essas transições não foram períodos fáceis. Ao contrário, foram bastante caóticas e cruentas.” P. 17-18.

“A China realizou grandes façanhas do ponto de vista econômico, mas, como país, tem de criar 24 milhões de empregos por ano, absorver 6 milhões de pessoas que se mudam para as cidades todo ano e lidar com uma população flutuante de 150 a 200 milhões de habitantes. Precisa adaptar-se a uma sociedade em que as regiões costeiras estão no nível dos países avançados, enquanto o interior do país é subdesenvolvido, e precisa fazer tudo isso dentro de um sistema político que considere tanto as mudanças econômicas quanto as adaptações políticas resultantes das enormes cifras provenientes dessas mudanças.” P. 20.

Henry Kissinger, Diplomata estadunidense e Prêmio Nobel da Paz, junta-se a Zakaria.

“[...] a questão perante o mundo não é se o século XXI pertence à China. A questão é se, durante o século XXI, com o indubitável fortalecimento da China, nós, no mundo ocidental, seremos capazes de trabalhar com a China. E outro ponto a questionar é se a China será capaz de trabalhar conosco, criando uma estrutura internacional em que, talvez pela primeira vez na história, um Estado em ascensão tenha sido incorporado num sistema internacional, reforçando a paz e o progresso. Em meu livro, digo, por experiência própria, que as perspectivas não são boas.” P. 20.

Kissinger mostra-se preocupado com a relação comercial entre a China e os países subdesenvolvidos da África.

“Fui ao Quênia há um ano e perguntei a um grupo de parlamentares quenianos qual era sua principal preocupação - estávamos conversando sobre democracia e direitos humanos -, e eles disseram que sua única grande preocupação é o envolvimento da China com o governo africano para fazer acordos com os ditadores, sem fazer perguntas nem ligar para direitos humanos. Pode haver certo exagero nisso, mas certamente eles têm motivos para se preocupar quanto ao aspecto geopolítico de longo prazo. Achávamos que tínhamos uma relação bastante estável com muitos países do Oriente Médio e acabamos descobrindo que nossa relação estável era com os ditadores daquela região.” P. 27.

Ferguson tem uma outra visão desse relacionamento.

“Também costumo ir à África, e falei com os mineiros na faixa de cobre que não tinham emprego quando o sistema de mineração estatal desmoronou e têm emprego agora porque os chineses reabriram as minas. E não só reabriram, como também expandiram. Não é justo dizer que a China lida somente com ditadores africanos. O país lida também com democracias africanas. Lida com os governos que encontra na África, inclusive com aqueles que os poderes ocidentais apoiaram por tantos anos.” P. 27.

Zakaria diz que os EUA tiveram um papel bastante positivo no processo de abertura chinesa para o mundo.

“Todos tendem a ver os Estados Unidos como um país com uma política externa instável - incapaz de se organizar, em constante mudança. No caso da China, devo dizer, creio que acontece o contrário. Desde que Henry Kissinger abriu a China ao mundo e inaugurou as relações americanas com a China, os Estados Unidos tiveram uma política extraordinariamente sólida em relação a este país. Tal política foi a de integrar a China ao mundo, para ajudá-la a adquirir o conhecimento, o know-how, a tecnologia, o capital e os modelos institucionais necessários para se tornar um membro produtivo e próspero da comunidade internacional. Seguimos isso com presidentes democratas e presidentes republicamos. Mantivemos uma política extremamente coesa, mesmo em relação a tabus, como nosso relacionamento com o Taiwan e com o Dalai Lama. Todos os presidentes mantiveram uma relação bastante estreita de cooperação com a China, mantendo, ao mesmo tempo, alguns valores e interesses que eram importantes para os Estados Unidos.” P. 34.

E chegamos ao quarto debatedor, David Li, membro acadêmico do Comitê de Política Monetária do Banco Central da China, que fala em defesa de seu país.

“A China não quer dominar o mundo. Existe apenas um país dominador no mundo: os Estados Unidos. Não é o sonho nem o desejo da China tentar reproduzir o sucesso dos Estados Unidos nessa área, e o país nem teria essa capacidade. É algo que não está nos genes de nossa tradição confuciana.” P. 36.

Na parte final do livro, há uma entrevista com Kissinger, o entrevistador John Geiger, lhe pergunta:

“Em 2020, a China terá ultrapassado o PIB dos Estados Unidos. Com base nisso, por que os próximos 80 anos deste século não pertenceriam à China?

HENRY KISSINGER: Por um simples motivo: os chineses têm de distribuir o PIB por muito mais gente do que os Estados Unidos. Estamos falando de 1,3 bilhão de pessoas. Desse modo, a renda per capita na China é consideravelmente inferior à renda per capita nos Estados Unidos. Portanto, muitos dos indicadores que as pessoas mencionam, como os trens de alta velocidade da China - bem, isso significa que os chineses que viajam de trem têm mais conforto do que os americanos, mas não representa necessariamente influência internacional.” P. 40.

É um baita livro. Aprendi muito. E por ora, acredito que aqueles que se posicionaram com um "não" a pergunta apresentada no título do livro, foram os melhores debatedores.

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