domingo, 21 de junho de 2020

O Outro Lado do Islã



SALEEB, Abdul; SPROUL, R. C. O Outro Lado do Islã. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

O Islã é uma religião em expansão, surgida em Meca, na atual Arábia Saudita, fundada por Maomé (570-632), que prega um monoteísmo bem antagônico ao Judaísmo e Cristianismo, que em poucas décadas poderá alcançar o número de cristãos em todo o mundo. De acordo com os dados mais recentes, já são mais de 1,6 bilhão de muçulmanos espalhados pelo planeta, contra 2,3 bilhões de cristãos. Eles se dividem em várias vertentes, sendo as principais, o sunismo e xiismo, que desde tempos remotos, não se dão bem, guerreando entre si, e, claro, tendo alguns momentos de paz e trégua.

A religião de Maomé é um desafio ao Ocidente, por carregar em seu cerne, elementos ainda presentes do século VII, que são incompatíveis com as práticas liberais, racionalistas, iluministas e secularistas, com as quais estamos habituados há muitas e muitas décadas. Ela se retrai diante dos avanços morais, científicos, políticos e sociais, que tanto prezamos, fazendo com que muitos analistas se preocupem com o seu alargamento nos países que tanto estimam uma sociedade laica, com liberdades individuais, que foram conquistadas à custa de tantos sacrifícios.

Como toda religião, o Islã tem os seus apóstatas, os seus renegadores da fé em Alá, que se voltaram para o Cristianismo, pregando e divulgando a sua nova religião aos seguidores de Maomé. Abdul Saleeb é um proeminente ex muçulmano que neste livro em forma de diálogo com o também proeminente Teólogo Robert Sproul, explora as diferenças entre a teologia islâmica e a teologia cristã. Os autores irão contrastar os pontos principais de cada religião, fechando o livro com “o lado sombrio do islamismo”. E é neste último ponto do livro, que quero focar.

O Islamismo é violento em seus ensinos? Os terroristas têm uma base teológica vinda do próprio Alcorão e da Sunna (tradição), que legitima os seus atos assassinos? Maomé foi uma pessoa pacífica? Todas essas perguntas nos vêm à mente, quando vemos as várias notícias que foram veiculadas nos últimos anos, sobre os vários atentados terroristas perpetrados por aqueles que dizem serem muçulmanos e gritam Allahu Akbar (Deus é grande) em suas atitudes de guerra contra os “infiéis”.

Este livro foi escrito em 2004, três anos após a tragédia que acometeu a cidade de Nova Iorque, matando quase 3 mil pessoas. Portanto, ele não falará do atual Estado Islâmico (ISIS) e seu califado surgido em 2014, na Síria e Iraque, que tanto nos assustou com seus vídeos de decapitações. E muito menos falará do Boko Haram, grupo terrorista da Nigéria, que tem assassinado milhares de cristãos e escravizado sexualmente as mulheres daquele país.

O título do livro no original em inglês é O Lado Negro do Islamismo. Entretanto, não sei por qual motivo, a editora CPAD resolveu colocar um nome mais suave.



Abdul Saleeb de cara já começa dizendo:

“Também é importante não estereotipar o islamismo como uma religião que promove a violência. Este, absolutamente não é o caso. Na verdade, o islamismo tem uma rica tradição em sua história, o mundo muçulmano produziu muitos filósofos e cientistas. Devemos levar o islamismo a sério como uma religião coerente e sistemática que apresenta fortes desafios a fé cristã.” P. 08.  

Nossa! Para quem pensaria que ele iria se juntar aos que condenam o Islã no limbo da intolerância e violência, a sua fala parece claramente ir ao contrário disto. Esse parágrafo citado encontra-se no primeiro capítulo. Mas na última parte do livro, ele vai esclarecer essa fala inicial.

No capítulo “O Lado Sombrio do Islamismo”, ele diz:

“Mas quando os muçulmanos praticam a violência, em forma de crimes e outros atos de terrorismo, eles podem legitimamente reivindicar que estão seguindo os mandamentos de Alá, conforme ensina o Alcorão e o profeta Maomé. Essa é a grande diferença entre o cristianismo e islamismo.” P. 72.

Um dos pontos mais difíceis de engolir no Islã, é a pena de morte por apostasia (abandono da religião). Saleeb aborda essa questão.

“Um outro exemplo de violência e agressão islâmica é a lei blasfema do Paquistão, que pune com a morte qualquer pessoa que insultar o profeta Maomé. As raízes desta lei estão nos ensinos primários do próprio islamismo. A lei islâmica de apostasia declara que qualquer pessoa que se converta do islamismo a uma outra religião – cristianismo, judaísmo ou qualquer outro credo – comete um crime cuja punição deve ser a morte.” P. 72-73.

No Islã, a luta contra os infiéis deve ser contínua.

“‘Lutai pela causa de Alá com aqueles que lutam contra vós [...] e matai-os onde quer que os encontrardes [...] e lutai contra eles até que não haja mais tumulto e opressão; que prevaleça a justiça e a fé em Alá’ (Sura 2.190-193). A ordem é para continuar lutando, continuar assassinando, onde quer que os muçulmanos encontrem supostos inimigos de Alá.” P. 74.

Mas esses versos não eram apenas válidos para aqueles momentos específicos? Saleeb responde:

“Muitas pessoas hoje em dia dizem que esses versículos eram apenas para a época de Maomé, quando os pagãos de Meca estavam atacando, e que não se aplicam à atualidade. De qualquer modo, sequer uma única vez em todo o Alcorão existe uma restrição a esses versículos. A mensagem diz simplesmente que os muçulmanos lutem contra os incrédulos. E esses textos têm sido utilizados ao longo dos 1.400 anos de história islâmica, para fazer exatamente isso. Esses versículos continuam a fornecer justificativa para os assassinatos e os sérios danos físicos infligidos inclusive a outros muçulmanos considerados infiéis, porque a mensagem é considerada universal e aplicável a todos os tempos e lugares pelo islamismo.” P. 76.

A expansão islâmica foi através da espada e da violência.

“O islamismo se expandiu tremendamente no início de sua história através de atos de guerra. Os muçulmanos invadiram a Império Persa, o Norte da África e a Europa. Nenhum dos países dessas regiões atacaram os muçulmanos primeiro; estes certamente não agiram em defesa pessoal. De qualquer forma, o Islã considera como opressor qualquer governo que não permita que os muçulmanos estabeleçam o islamismo como religião oficial. Portanto, lutar contra estes governos é justificado, porque os muçulmanos consideram o islamismo como a religião verdadeira, e lutar contra os incrédulos é equivalente a lutar contra a opressão.” P. 77.

Violência, violência, violência...

“[..] a violência no islamismo se expressa de várias formas, através de perseguição as minorias, a matança de oponentes políticos e religiosos e os atos de terrorismo. E todas essas práticas encontram justificativas no Alcorão e nos ditos de Maomé.” P. 83.

Diante do exposto, como conciliar o que Saleeb diz em sua primeira fala?

“Também é importante não estereotipar o islamismo como uma religião que promove a violência. Este, absolutamente não é o caso.” P. 08.

Parece contraditório mesmo. Porém, vimos parte de sua exposição, mostrando que o islamismo não é de forma alguma pacífico. Em uma entrevista, ele clareia essa questão de que o islamismo não é uma "religião que promove a violência.”

“Simplesmente não é verdade pensar que todos os muçulmanos devotos são, por definição, muçulmanos violentos. [...] Apenas uma pequena fração dos muçulmanos do mundo está por trás do terrorismo. [...] A maioria dos muçulmanos na verdade se concentra apenas nos exemplos positivos da bondade, generosidade e humildade de Muhammad e ignora completamente os episódios mais sombrios de sua vida.”


Ayaan Hirsi Ali, crítica ferrenha do Islã, que o considera intrinsecamente violento, afirma a mesma coisa.

“Ora, quando afirmo que o islamismo não é uma religião pacífica, não estou dizendo que a crença islâmica torna os muçulmanos naturalmente violentos. Isso, manifestamente, não é verdade: há milhões e milhões de muçulmanos pacíficos no mundo. Estou dizendo que a conclamação à violência e a justificação dela estão explicitadas nos textos sagrados do islã”. P. 15.

ALI, Ayaan Hirsi. Herege: Por que o islã precisa de uma reforma imediata. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Ou seja, o Islã tem ensinamentos violentos, sim. Mas isso não quer dizer que todos os muçulmanos serão violentos. Assim como a maioria dos cristãos não amam a Deus e nem ao próximo como a si mesmos, a despeito de serem os dois maiores mandamentos da Bíblia, ditos pelo próprio Jesus.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Os Evangélicos Norte-Americanos e o Racismo


Na sociedade norte-americana, dentre os grupos religiosos mais racistas, os evangélicos se destacam, mostrando que estão longe de serem a "luz do mundo" dita nos Evangelhos. Li três livros evangélicos que reconhecem a problemática do racismo em seu meio, dos quais destaco O Escândalo do Comportamento Evangélico, de Ronald Sider, evangélico e Ph.D em História na Universidade de Yale.

“Em 1989 George Gallup Jr. e James Castelli publicaram os resultados de uma pesquisa para determinar quais grupos nos Estados Unidos eram mais propensos a rejeitar vizinhos negros – um bom indicador de racismo. Católicos e cristãos não evangélicos foram classificados entre os menos propensos; 11% fizeram objeção ao contato entre negros e brancos. Os protestantes históricos chegaram próximo dos 16%. Com 17% batistas e evangélicos ficaram entre aqueles mais propensos a repudiar a possibilidade de ter vizinhos negros, e 20% dos batistas do sul rejeitaram a ideia de ter vizinhos negros.

[...]

Durante o movimento de direitos civis, quando os protestantes históricos e os judeus se uniram aos afro-americanos em sua luta histórica por liberdade e igualdade, líderes evangélicos foram quase totalmente omissos. Alguns se opuseram ao movimento; outros não se pronunciaram. Quando Frank Gaebelein, então co-editor de Christianity Today, não apenas cobriu a marcha de Martin Luther King sobre Selma, como também endossou o movimento e a ele se juntou, experimentou oposição e hostilidade da parte de outros líderes evangélicos.” P. 25.

“Michael O. Emerson e Christian Smith escreveram um livro crucial [...] explorando as atitudes racistas presentes no mundo evangélico. Concluíram que ‘o evangelicalismo branco provavelmente faz mais para perpetuar a sociedade racista do que para reduzi-lá’. Os protestantes conservadores brancos têm mais que o dobro de propensão que os outros brancos de apontar falta de motivação entre os negros (e não a discriminação) como fator responsável pela desigualdade entre brancos e negros. Os protestantes conservadores são seis vezes mais propensos a citar a falta de motivação que o acesso desigual à educação.” P. 27.

“[...] como é possível que os evangélicos sejam as pessoas mais racistas e preconceituosas de nossa sociedade?” P. 47.
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SIDER, Ronald J. O Escândalo do Comportamento Evangélico. Viçosa, MG: Ultimato, 2006.

O documentário Reavivamento da Rua Azusa: A História Nunca Antes Contada reconhece que apesar do movimento em seu início ter juntado em seus cultos, negros e brancos, a “harmonia” racial não teve repercussão duradoura, sendo apenas em 1994 que houve um pedido de desculpas sobre a tensão racial entre brancos e negros nas fileiras pentecostais.

Entretanto, Billy Graham, o pastor mais conhecido e respeitado do século XX-XXI, posicionou-se eminentemente contra o racismo dos anos 1950-1960, tendo o reconhecimento de Martin Luther King, que disse sobre ele:

"Não fosse pelo ministério do meu amigo Billy Graham, meu trabalho em prol dos direitos civis, não teria alcançado o mesmo sucesso."

Recortei a parte do documentário Billy Graham: O Embaixador de Deus, que fala sobre quais foram as atitudes de Graham frente ao racismo, mostrando o quanto ele foi um homem corajoso que lutou pela igualdade de todos, fato que o próprio King admite, em sua fala já citada, quando muitos pastores e líderes evangélicos empunham as suas Bíblias para dizer que os negros eram inferiores e deviam ser tratados com tal. 

Racismo: A Culpa não é só dos Estados Unidos


O racismo norte-americano é PERVESO, NOCIVO, GROTESCO, NOJENTO, uma VERGONHA para aquele país. Entretanto, nesse macabro time, muitos outros países não escapam de terem em suas fileiras um histórico grotesco de racismo que perdura até hoje.

O Brasil é um exemplo clássico. O documentário da BBC, Racismo: Uma História, chega à seguinte conclusão:

"Os chefes militares brasileiros são completamente brancos. A elite política brasileira foi, até recentemente, completamente branca. [...] o Brasil manteve a democracia racial, significando que o homem branco deita com mulheres negras sem sentir culpado, gerando crianças mestiças de grande beleza. Mas o sistema permanece perversamente desigual. O Brasil é a sociedade mais desigual do mundo ocidental. E os negros estão completamente no fundo da base. É um sistema pernicioso. É um Apartheid, sem as leis do Apartheid. E no topo é absolutamente racista".

Na Rússia, ex país líder da maior experiência comunista já feita, a coisa é muito feia para os negros lá. Theodore Dalrymple, Psiquiatra que tem uma substancial literatura que trata de temas culturais contemporâneos, escreve:

"Os negros não podem andar com segurança pelas ruas de Moscou." P. 16.

"Negros em Moscou correm o risco de sofrer agressão, especialmente se estiverem na companhia de mulheres russas." P. 65.
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DALRYMPLE, Theodore. Em Defesa do Preconceito. São Paulo: É Realizações, 2015. (PDF).

Na África, a vida que os negros levam, de um modo geral, é indiscutivelmente pior que a dos negros nos EUA. Nem preciso citar fonte alguma para tal asserção.  

Num episódio do documentário O Mundo Segundo os Brasileiros: Porto, uma brasileira negra que mora nessa cidade, conta essa história lamentável:

"[A cidade do] Porto não tem tantos negros, tem muito mais em Lisboa, porque é mais miscigenado. Então tem até umas histórias ‘engraçadas’. Um dia eu tava na ribeira com uma amiga, e a gente estava conversando e vieram dois rapazes falar com a gente; e aí um deles ficou conversando comigo, perguntou: ‘De onde você é? O que você faz?”. Aí o assunto acabou, e ele falou assim: ‘Olha, mas você é meio negra, né?’ Aí eu: ‘Não, sou inteira!’ Aí ele: ‘Não, não fica assustada não! Não foi isso que eu quis dizer. Eu só quis dizer que tem piores’. Eu tava ali do lado rio; joguei ele do rio. Mentalmente. Mas eu queria ter jogado. Mas assim, eu levo na boa, não me preocupo muito.”

A experiência pessoal dessa garota, talvez seja um indicativo de uma sociedade que ainda não superou o racismo. Claro que não estou equiparando o racismo norte-americano ao que porventura ocorre em Portugal. Todavia, serve para evidenciar um racismo generalizado, que não está preso apenas na região norte da América, mesmo que seja num grau muito menor.  

O país de Trump é apenas o mais visado nessa cruel realidade, e é até compreensível isso. Mas talvez as palavras de Karnal e cia, sejam uma voz de equilíbrio nessa temática:

"Quando criticamos os EUA como um país que apenas pensa em si e apenas conhece o mundo dentro de suas fronteiras, expressamos um sentimento de pesar por não sermos conhecidos/reconhecidos por eles". P. 11.

"Os EUA não são a única fonte dos problemas do mundo. P. 14.

"Tornou-se hábito reclamar da arrogância do governo de Washington, como se algum governo imperial do passado tivesse sido humilde, filantrópico ou expandido seu poder em busca da melhoria coletiva da humanidade. Para piorar nossa angústia, a alternativa é difícil: os governantes mais antiamericanos na Ásia ou América Latina não parecem garantir a possibilidade de um mundo mais confiável ou justo." P. 233-234.
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FERNANDES; Luiz Estevam; KARNAL, Leandro; MORAIS, Marcus Vinícius; PURDY, Sean. História dos Estados Unidos: Das Origens ao Século XXI. São Paulo: Contexto, 2007. (PDF).