quinta-feira, 22 de abril de 2021

Respostas de um Astrofísico


TYSON, Neil deGrasse Tyson. Respostas de um Astrofísico. 1 ª ed. – São Paulo: Record, 2020. (PDF).

Neil deGrasse Tyson, Ph.D em Astrofísica na Universidade de Columbia, é certamente o cientista mais famoso do mundo nos últimos, aparecendo em diversos programas na TV, em vídeos na Internet, apresentando a inestimável série Cosmos na NatGeo, na ótima vendagem dos seus livros, dentre outras coisas. Tyson sabe se comunicar de maneira atraente, de modo calmo, sem palavras difíceis, fazendo com que o grande público leigo, como eu, se interesse pelo que ele tem a dizer. Este é o segundo livro dele que leio, sendo o primeiro Astrofísica Para Apressados.

Em Respostas de um Astrofísico, Tyson faz uma compilação das várias mensagens no Facebook, cartas e e-mails que recebeu durante todos esses anos. Algumas das mensagens são agradecimentos, outras dúvidas, não necessariamente sobre ciência, que os seus leitores querem sanar, e outras, obviamente, contestações ao que astrofísico mainstream ensina e divulga, geralmente sobre a sua visão sobre a religião e suas tentativas de intervenções na ciência, que ele rechaça veementemente, mas sem o tom agressivo e belicoso do seu amigo Richard Dawkins.  

Tyson não descarta a existência de vida inteligente fora da Terra. O que ele rejeita como prova, ou evidência, são as experiências visuais das testemunhas sobre seus avistamentos no céu. Ele enumera quatro possibilidades.

“1. O observador é maluco ou está delirante.

2. O observador avista algo e narra o que viu de forma imprecisa, tornando confuso um relato que seria uma simples descrição de fenômenos naturais.

3. O observador avista algo e narra o que viu de forma precisa, mas não tem familiaridade suficiente com fenômenos naturais para não se confundir com o que está vendo.

4. O observador avista e narra de forma precisa algo que desafia qualquer explicação normal ou convencional — constituindo um verdadeiro mistério.” P. 39.

Constituir “um verdadeiro mistério” ainda está longe de se constituir em uma prova/evidência real de aquilo que se viu é uma nave interplanetária, visto que “testemunhos oculares são, de longe, a forma mais frágil de evidência que uma pessoa pode apresentar para apoiar uma alegação.” P. 39. “Psicólogos e cientistas sabem muito bem que testemunhos oculares são a forma menos confiável de evidência.” P. 57.

Tyson é o cientista clássico, aquele que acredita que a ciência é objetiva, revela a verdade sobre o mundo natural – é o cientista estritamente realista.

“Na era da ciência experimental ‘moderna’, que basicamente parte de Galileu e Sir Francis Bacon em diante (os últimos 400 anos), existe a ciência que foi testada e sobre a qual se chegou a um consenso e existe a ciência da fronteira. A ciência da fronteira muda mensalmente, se não semanalmente, à espera de dados suficientes para pôr fim às controvérsias. A ciência testada, aquela em relação à qual já se chegou a um consenso por meio de observações e experimentos, é imutável. O que pode acontecer, e com frequência acontece, são novas ideias expandirem o alcance de ideias previamente testadas — mas não as desdizerem.” P. 52.

“Mas eu tenho como saber (e sei) o formato da Terra, da Lua, das estrelas e do universo, a origem dos elementos químicos, a idade da Terra e do universo, os episódios de extinção nos registros fósseis, o impacto de asteroides na Terra, a convergência genética entre toda a vida na Terra, a proximidade genética entre os humanos e os chimpanzés, e diversas outras verdades objetivas sobre o mundo.” P. 96.

“Eu diria que as principais equações físicas modernas representam verdades cósmicas.” P. 113.

Com essas palavras acima, Tyson se opõe a visão de outros cientistas de sua área, do qual podemos citar o Hawking e Mlodinow, que abraçam uma perspectiva anti-realista em seu livro O GrandeProjeto.

Tyson não tem apreço pelos filósofos (relativistas), dispensando os seus pitacos sobre o que a ciência é, ou o que deveria ser/fazer.

“No decorrer dos anos, os métodos e as ferramentas da ciência nos mostraram que, apesar do que alguns filósofos afirmam, uma realidade existe independentemente da nossa percepção dela.” P. 49.

A sua ojeriza não é apenas direcionada aos relativistas, mas a toda a comunidade de Filósofos.

“Eu nunca fui um grande fã da filosofia aplicada às ciências físicas no século XX (e XXI). Percebi que os argumentos comuns são mais baseados no uso e no significado das palavras do que em ideias, e assim vejo essas discussões como inúteis, em grande medida, para o progresso da ciência.” P. 112.

“Ainda não vi nenhum filósofo com formação acadêmica a partir do século XX (no Departamento de Filosofia de uma universidade) fazer qualquer avanço palpável em nosso entendimento do mundo natural. Eles normalmente carregam um nível de confiança em seus conhecimentos que não é corroborado por nenhum dado ou observação do universo físico. Filósofos não têm laboratórios. Nem telescópios. Nem microscópios. Eles têm seus cérebros e suas poltronas, e incorretamente acreditam que isso é suficiente para adquirir conhecimento sobre como a natureza opera.” P. 120.

Lidando com um ateu doido da cabeça, revoltado, por usarmos um calendário que divide a história em Antes e Depois de Cristo, Tyson dá uma bela resposta a ele. Parte da resposta:

“O calendário gregoriano é simplesmente o mais preciso e estável já elaborado. Os padres jesuítas, nomeados pelo Papa Gregório XIII no século XVI, fizeram um ótimo trabalho com seus cálculos. Eles corrigiram o falho calendário juliano, no qual o equinócio da primavera havia recuado, no decorrer dos séculos, do familiar 21 de março para o dia 10 de março. A correspondência do equinócio da primavera com 21 de março está para sempre assegurada, podendo variar apenas em um dia para a frente e para trás nos anos bissextos. Já outros sistemas, especialmente calendários lunares, precisam intermitentemente introduzir meses inteiros para conciliar o registro do tempo com a localização da Terra em sua órbita em torno do Sol.

[...]

Pense que O Messias, de Händel, é uma das melhores peças já composta para coral. Assim como a Missa em Si Menor, de Bach. No entanto, nenhuma dessas obras existiria se alguém não tivesse se sentido inspirado por Jesus. Isso não diminui (ou pelo menos não deveria) a genialidade, a beleza e a majestade dessas grandiosas composições musicais. Além do mais, como ateu, você com certeza utiliza as palavras ‘holiday’ e ‘adeus’, cuja origem vem das expressões “holy day” e ‘a Deus vos recomendo’.” P. 67-68.

Ao contrário do que muitos pensam, Tyson não é ateu. Ele se diz agnóstico.

“A-teu: literalmente, ‘sem Deus’. Nunca gostei desse termo. Estranho que existam palavras que lhe digam o que você não é. Por acaso existe algum vocábulo para não jogadores de golfe? Não chefs? Não astronautas?” P. 79.

“Não sei se Deus existe. Sei apenas que as pessoas que citam evidências a favor de Deus fazem vista grossa para a preponderância de evidências em contrário.” P. 162.

“Sou agnóstico, e repudio energicamente o rótulo de ateu, como diversos vídeos online podem atestar. Incluindo um com mais de 3 milhões de visualizações.” P. 218.

Tyson vê o atual momento da ciência em seu país, EUA, em maus lençóis.

“Todas as classificações de desempenho do nosso país no palco mundial da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (áreas STEM), junto às outras nações industrializadas, nos colocam entre os 10% inferiores. Uma fração crescente do nosso eleitorado (quase chegando aos 50%) nega as descobertas científicas quando elas entram em conflito com suas visões políticas e/ou religiosas.” P. 88.

Muito se objeta, sobre os milhões, bilhões de dólares que são gastos anualmente para pesquisas espaciais. Diante de tantas necessidades aqui, em nosso planeta, porque gastar tanto dinheiro, recursos, trabalho e tempo, com o universo lá fora? Muitos americanos estão putos da vida, em ter que bancar essas pesquisas “inúteis”. A artilharia de Tyson mostra-se imbatível. Sem as pesquisas no campo da Astronomia/Astrofísica...

“• Lá se vão os circuitos integrados que estão nos seus aparelhos eletrônicos.

• Lá se vai o Canal do Tempo do seu pacote de TV a cabo.

• Lá se vai seu acesso a imagens de satélites (de qualquer fonte de notícias) que acompanham a rota de tempestades, furacões e tornados em formação.

• Lá se vai o sistema de GPS do seu carro (hora de voltar a comprar mapas de papel, se você conseguir achar alguém que os venda).

• Lá se vão todas as suas ferramentas que usam pilhas.

• Lá se vão (algumas) das pessoas que você ama, levadas pelo câncer de mama porque o algoritmo de processamento de imagens espaciais, que detecta células cancerígenas mais cedo que nunca, não teria sido usado nelas.

• Lá se vai o sistema de aviso de colisões do seu carro ou do carro que você planeja comprar em breve.

• Lá se vão as informações sobre o asteroide Apophis, que neste exato momento está vindo em direção à Terra, e passará bem perto dela no dia 13 de abril de 2036.

• Lá se vão todas as transmissões via satélite de notícias da Europa ou de qualquer outro lugar do mundo para a sua TV.

• Lá se vai seu conhecimento de que algo de ruim aconteceu em Vênus (deixando o planeta com um efeito estufa descontrolado de 482 graus Celsius) e em Marte (que já teve água corrente na superfície, mas agora está completamente seco e frio), informações que embasaram a tomada de consciência internacional sobre o aquecimento global.

• Lá se vai a eficiência aerodinâmica das asas dos aviões (lembre-se de que o primeiro A em NASA é a inicial de Aeronáutica).

• Lá se vai seu acesso ao Google Maps.” P. 92-93.

Respondendo a um leitor que acusa os cientistas de odiarem os cristãos, Tyson diz o seguinte:

“Nem eu, nem ninguém que eu conheça, tem a intenção de jogar os cristãos aos leões, apenas a de manter a religião longe das salas de aula de ciências. Aliás, não existe nenhum histórico de cientistas arrombando portas de escolas dominicais para dizer aos pregadores o que eles devem ensinar. Cientistas não fazem piquetes diante de igrejas nem atiram em pessoas que entram nelas. Cientistas não costumam interromper pregadores durante os sermões. E, a propósito, quase metade de todos os cientistas (no Ocidente) são religiosos e rezam para algum Deus.” P. 95.

Até gente defendendo o Alcorão, aparece para evangelizar o Tyson.

“Na quarta-feira, 3 de junho de 2009, Tahmid Rahim, mulçumano, respeitosamente me perguntou por que, em minhas várias aparições em documentários científicos e em outros lugares, a ciência presente no Alcorão nunca foi mencionada. Ele declarou que o Alcorão contém muitos versos que fazem referência a descobertas específicas da astrofísica moderna, da relatividade à expansão do universo. Para um livro escrito por Maomé 1.400 anos atrás, isso seria extraordinário, se fosse verdade.

* * *

Olá, Tahmid Rahim,

Obrigado por sua mensagem.

Um grande desafio com as verdades reveladas por profetas divinos é que ninguém nunca fez uma previsão correta sobre objetos e fenômenos previamente desconhecidos baseada no conteúdo de textos religiosos. Normalmente, o que acontece é que pessoas devotas tomam conhecimento das descobertas dos cientistas sobre o mundo natural e então retornam a seus textos religiosos em busca de passagens que façam alusão ao que já se conhece. Mas, como a informação extraída vem depois da descoberta, não é útil para o avanço da ciência. O que você precisa fazer, se estiver convencido da capacidade do Alcorão de prever o futuro e da sua infalibilidade, é apresentar previsões sobre o mundo natural derivadas de versos do Alcorão que estimulem pesquisas. Se alguma dessas previsões se tornar realidade (aliás, seria a primeira vez que algo assim aconteceria), os cientistas minerariam o Alcorão em busca de seus insights, diariamente.

Isso nunca aconteceu — com nenhum texto religioso —, e é por isso que esses textos não têm lugar nas aulas de ciências. Ocasionalmente, quando pessoas muito religiosas acham que a ciência está em conflito com seus textos religiosos, elas atacam os conceitos, declarando que há algo de errado com a ciência.

Apresente uma lista de previsões de fenômenos desconhecidos, derivados do Alcorão, e eu ficarei feliz em oferecer meus comentários. Caso contrário, ciência e religião não têm muito o que dizer uma à outra.” P. 104-105.

Respondendo a acusação de um leitor, de que os cientistas acreditam religiosamente que a ciência explica tudo, Tyson diz:

“Cientistas em atividade não saem correndo por aí declarando que a ciência pode explicar tudo. Por exemplo, nenhum de nós alega que a ciência pode explicar o amor, o ódio, a beleza, a coragem ou a covardia. Mas, à medida que a ciência avança, essas noções podem, de fato, alcançar o âmbito experimental da ciência, como aconteceu com tantos assuntos considerados insolúveis no passado. Isso não é uma fé absoluta como você descreve, mas uma confiança baseada no desempenho pregresso dos métodos e das ferramentas da ciência.” P. 115.

Um internauta pergunta sobre o porquê de estarmos aqui, ao que Tyson responde:

“Nunca penso muito no ‘porquê’. O porquê sugere um propósito ditado por forças exteriores. Eu sempre fui da opinião de que propósito não é algo definido externamente, mas bem dentro de nós. Meu propósito na vida é diminuir o sofrimento dos outros, contribuir para aumentar a nossa compreensão do universo e enriquecer de conhecimento os outros ao longo do caminho.” P. 118.

Sobre as pessoas que negam o aquecimento global:

“Pessoas que negam as alterações climáticas causadas pelo ser humano estão muito mal informadas. Essa posição não é politicamente liberal nem conservadora. Ela é factual. Embora seja possível argumentar que todos aqueles que desejam preservar o meio ambiente são os verdadeiros conservadores nessa discussão.” P. 218.

É um livro que se lê rapidinho e mostra de forma clara e dinâmica, o que o Tyson pensa sobre diversos assuntos. Vale a leitura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário