segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O Dilema do Porco Espinho


KARNAL, Leandro. O Dilema do Porco Espinho. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018. 

“[...] somos animais sociais e a ausência de convivência com outros seres humanos é extremamente penosa. Ela provoca depressão, aumenta a agressividade, facilita o aparecimento de doenças e pode levar ao suicídio.” P. 117. – Fernando Reinach, membro da Academia Brasileira de Ciências. 

Estamos nos aproximando dos 8 bilhões de pessoas vivendo e convivendo neste planeta. A nova configuração é regida pela comunicação ultrarrápida e instantânea; não precisamos mais esperar para nos comunicar com as pessoas. Tudo acontece num toque simples e rápido em nossos pequenos computadores de mão. Entretanto, parece que esta é a era onde a solidão galgou patamares assustadores. Nunca nos sentimos tão sós! Nunca precisamos tomar tantos remédios para depressão, para ansiedade e para termos uma simples noite de sono. Somos a geração dos distúrbios psicológicos, apesar de todo o aparato tecnológico disponível tão facilmente em nossas mãos. As redes sociais estariam na causa de nossas perturbações mentais ou elas apenas revelam a nossa miserabilidade psicológicas? Ou melhor, seria uma simbiose?

Leandro Karnal, historiador conhecido, tem uma habilidade ímpar em lidar com essas questões contemporâneas. Em O Dilema do Porco-Espinho, ele traz insights sobre a solidão que teima em não sair de nosso dia a dia, mesmo que estejamos rodeados de pessoas e de exposições nossas e dos outros nos meios internéticos.

A solidão é algo tão presente e patente, que “o governo da primeira-ministra britânica Theresa May criou o chamado Ministério da Solidão. Um número alarmante de 9 milhões de britânicos parece reclamar de frequente ou total solidão. O que estaria acontecendo no mundo para que o combate à solidão virasse uma política de Estado?” P. 7.

A explosão demográfica é um fato, no entanto, ela veio acompanhada de um “esvaziamento de laços pessoais e significativos. Vizinhos que trocam cumprimentos formais nas áreas comuns, mas sabem que não podem contar com ninguém. Pessoas que não criam vínculos afetivos e/ou familiares expressivos que tornem a existência mais interessante.” P. 8.

No campo do afeto amoroso...

“Se considerarmos que um amor correspondido seria o perfeito oposto da solidão, entenderemos que quase toda a arte e literatura gira entre os dois polos: estar só ou estar acompanhado. Fugir ou buscar o isolamento, encontrar ou perder o amor é o eixo definidor da própria cultura humana. O poeta Rainer Maria Rilke definiu que o amor era apenas duas solidões protegendo-se uma à outra. Quase podemos ver a ligeira ironia contida na afirmação: amor é solidão compartilhada.” P. 10.

Uma das práticas mais eficazes para mitigar a solidão, é a leitura. Bom, para quem gosta de ler, né? Algo tão raro entre os brasileiros.

“De todos os antídotos contra a solidão, a leitura é um dos mais criativos. Aqui estamos, eu sozinho ao escrever e você sozinho ou sozinha ao ler. Aqui, duas solidões se encontram, trocam ideias, pensam e, efeito fascinante, transmutam o estar só em pensar e compartilhar. Só na solidão você é você e só na solidão eu sou eu. Na leitura solitária, somos dois autênticos viajantes isolados que, por um breve instante, aceitam conversar com um estranho fortuito.” P.11.

O primeiro livro da Bíblia tem algo a dizer sobre a solidão.

“Como toda narrativa fundacional, o Gênesis toca nas estruturas antigas da nossa percepção. Estar só seria estar pela metade, desejante de complemento. Estar acompanhado é a plenitude do ser e seu destino arquetípico. A tradição judaico-bíblica desconfia do isolamento. O eremita, o habitante místico de zonas desoladas e desérticas, seria alguém do futuro, do mundo cristão que passaria a desconfiar de certos aspectos da vida a dois. Celibatários não constituem parte importante da tradição judaica.” P. 13.

O chavão triunfalista que já vem de uns bons anos é: “Seja Feliz!” Você pode e tem a obrigação de ser feliz todos os dias, todos momentos, todas as horas!

“Como deveríamos ser profundamente felizes, todo desvio do caminho áureo da realização é um defeito a ser corrigido. Estar sozinho é impensável. Há manuais para buscar o par ideal. Existem testes e questionários em quase todas as revistas. A riqueza, o amor, a realização profissional e a própria estética pessoal passam a ser vistas como parte de uma meta possível e desejável. Todos podem alcançar se forem focados e resilientes. Ninguém precisa ficar sozinho.” P. 20.

Gozando de mais liberdade do que nunca, mesmo assim, as mulheres não escapam da pressão exercida.

“Porém, mesmo a mulher livre e empoderada deve dizer constantemente que está feliz mesmo não sendo mãe, assim como as mães devem estar muito felizes com a maternidade. O novo imperativo não é case, tenha filhos e siga uma carreira estável. O imperativo absoluto é ‘seja feliz’ e, se não for, ao menos pareça nas fotos de redes sociais. A solidão aparentemente pesa mais em um mundo onde a felicidade é cláusula pétrea. A era da plena liberdade de escolha e intensa realização é a era da farmacopeia contra a tristeza. Nunca sorrimos tanto nas redes e nunca consumimos tantos remédios para dormir, para ser viril ou para acordar.” P. 20.

Falando agora sobre os celulares e redes sociais...

“O que notamos entre tantos sorrisos e vidas plenas das redes? Vivemos uma perigosa epidemia de suicídio entre jovens. A depressão está se tornando um mal mais forte na nossa era. Já indiquei o crescimento assombroso da farmacopeia contra a tristeza. O que pode explicar esse paradoxo?” P. 28.

“Talvez não seja a solidão que nos cause horror, mas a falta de controle sobre estar só ou acompanhado. O celular respondeu de forma extraordinária a essa demanda, criando a companhia real-ficcional do mundo. Todo o sucesso do aparelho está no jogo de permitir palco e camarim ao mesmo tempo. Nenhuma escrita sobre a solidão poderá ignorar o celular, a muleta suprema que criamos para ter o suficiente isolamento do mundo aliado ao contato com quem e quando desejarmos. [...] Então, parece que a chave de tudo não é solidão ou companhia, porém controle.” P. 31.

O Facebook, Instagram, Tik Tok...

“As redes sociais podem reunir multidões e ter potencial agregador e mobilizador, mas sua função revelou-se muito mais simplória: serve, antes de mais nada, para reafirmar o self, criar a ilusão da companhia, o vício da curtida. [...] Vivemos, perfeitamente felizes, em ilhas que cabem em nossas mãos. [...] regulo quem me faz companhia, administro meu silêncio e posso reger quais imagens quero criar para tornar real meu roteiro imagético para o público.” P. 32.

As redes também nos expõem ao contraditório. O que pode ser bom.

“Conviver com a diferença e administrar o atrito inevitável é um ato de maturidade. Ser contrariado, questionado, posto em suspeição, rejeitado, desde que não sejam as únicas experiências que conheça, criam resiliência, moldam personalidade, caráter. O filtro bolha impede tudo isso.” P. 35.

Retomando a pergunta inicial deste resumo:

“Se os diagnósticos de que a internet como potencial pode retirar-nos da solidão ou de que, como ato, nos isola são igualmente reais, resta ainda uma pergunta sem resposta: o que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Usamos as redes sociais para suprir um vazio, uma sensação de solidão anterior à existência delas ou as redes criaram e alimentam esse sentimento, que pode levar à compulsão e ao vício?” P. 35-36.

As redes e o seu poder de excluir, gerando tristezas, frustrações, sentimentos de inferioridades...

“Também há nas redes sociais aquele que não exclui, mas é excluído, o que posta, mas ninguém dá like, o que não está na foto. O sentimento de exclusão porque não estava no evento ou festa que todo mundo postou ou porque se deixa ludibriar pela exposição massiva da vida de colegas nas redes sociais, sempre uma idealização, pode alimentar inveja, ferir o Narciso e machucar a vaidade: acabo remoendo, em minha triste e segura solidão, a crença distorcida de que a grama do vizinho é sempre mais verde, de que meu colega de trabalho é mais bem-sucedido ou de que meu amigo de infância, que não vejo há décadas, é mais feliz do que eu. Trocando em miúdos: tenho certeza de que algumas pessoas encontram conforto e pertencimento na internet. São realmente felizes, têm amigos e vivem de forma real no mundo virtual. Para cada uma delas, contudo, existe outra (talvez dezenas ou centenas de outras) que mergulhou numa solidão perniciosa e nefasta.” P. 36.

Por mais desagradável que muitas vezes seja, conviver com pessoas que têm gostos e pensamentos distintos dos nossos, nos ajudam a evoluir.

“Menos popular e igualmente importante, o atrito dentro de certos limites razoáveis estabelece uma fronteira ao meu narciso ou a diminuição do sentimento de vaidade e de onipotência. Viver com outros é negociar. Grupos de pessoas são pedras sendo limadas e roladas pelo exercício da convivência. A diferença, os ritmos distintos, a busca de consensos ou de diálogos, os enfrentamentos: tudo se constitui em escola vital. A companhia é um alívio e também uma dificuldade. No prazer da fruição do outro e no próprio atrito da fruição está parte do segredo de se conhecer e não ser dominado pelo egocentrismo.” P. 38.

Até Jesus, o filho de Deus, foi deixado na solidão, quando exclamou na cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”

“Slavoj Žižek leu essa frase, a do abandono, do sentimento dolorido da solidão, de um jeito interessante. Para o filósofo, o Deus cristão, dentre todos os deuses que postulam para si a ideia da onisciência, é o único que pode realmente afirmar que o é, pois experimentou a morte. Deus morreu na cruz, de forma banal e comum. Sem essa experiência, os demais deuses podem apenas dizer que tudo conhecem em teoria. Apenas Cristo experimentou a morte na prática.” P. 76.

As origens do termo solidão e suas transformações:

“Em um estudo bastante interessante, a professora de literatura inglesa Amelia Worsley mapeou o surgimento da própria palavra solidão (loneliness) na língua de Shakespeare. Percebeu que, até o século XVII, a palavra quase nunca era usada. Quando o era, designava algo muito distinto do que concebemos hoje. Em um glossário de palavras pouco usadas, compilado em 1674 por John Ray, ‘solidão’ é definida como estar ‘longe dos vizinhos’. Ou seja, era condição física, um isolamento perigoso, pois indicava que alguém estava longe da proteção oferecida pelo grupo. Quando lemos o clássico de Milton O paraíso perdido, de 1667, deparamo-nos com uma das primeiras criaturas solitárias na literatura inglesa: o Demônio. Satã é descrito como aquele que dá ‘passos solitários’ para fora do inferno, enquanto se direcionava ao Jardim do Éden para tentar Eva. Se lermos com atenção, veremos, como Worsley chamou atenção, que a solidão do Diabo não é uma condição psicológica, mas, sim, física: ele dá passos solitários, pois sai de seu terreno conhecido para andar onde nenhum anjo antes andara [...].

Ao longo dos séculos seguintes, especialmente no movimento romântico, tanto na Europa quanto nas Américas, solidão se transformou de algo físico, uma condição de vulnerabilidade advinda do isolamento, em um sentimento, uma condição da mente. Poetas, escritores e artistas de toda espécie passaram a criar em função da solidão. A nova concepção de estar só era sinônimo de escapismo, uma escolha pessoal para que o indivíduo pudesse, conscientemente, fugir das angústias da vida em sociedade. A sociedade, especialmente a vida urbana, passa a ser vista como fútil e plena de relações pessoais superficiais. Lord Byron, descrevendo como poucos esse pessimismo, essa insatisfação com a vida, escreveu que ‘é na solidão que estamos menos sós’. Não se elimina a ideia de que estar só envolve perigo.” P. 99-100.

Solidão no casamento...

“No começo de uma relação, dizer que a alma gêmea não precisa falar nada porque te conhece com um simples olhar pode parecer virtude. Com o tempo, as não palavras podem virar silêncios que duram dias. O enfado previsível do outro. Sei o que ele vai dizer, sei o que ela fará antes mesmo que diga ou faça. Monotonia e previsibilidade são sintomas dessa solidão a dois. Outro é o amor apenas na distância. Amar intensamente a pessoa, desde que ela esteja longe. Por mensagens de celular, demonstrações públicas de carinho, o amor é impávido colosso. Tão logo a campainha toca, tudo o que era sólido se desmancha no ar. O único desejo é que nossa cara-metade suma, pois vivemos melhor sem ela. Se dedicação e entrega viram exigência e obrigação, podemos estar acompanhados, mas nossa condição é de solidão profunda. Abrir a boca para que, se isso gerará briga e (mais) rancor? Se estar sozinho pode ser bom, a solidão a dois é terrível, uma prisão autoimposta. Paradoxos da vida conjugal, vivemos numa solitária em companhia indesejável.” P. 109-110.

A solidão dos idosos...

“Não é incomum que encontremos idosos em festas de família. O raro é encontrarmos essa pessoa perfeitamente enquadrada nas conversas da família. No geral, está sentada num canto, ouvindo os mais jovens ou nem isso. Foi levada ao encontro, mas não foi convidada a falar, não encontrou ninguém disposto a ouvir ou, depois de um tempo em que a situação se repete, ela própria talvez nem queira mais falar. O mundo que nos formou morre antes de nós. Quando nos tornamos velhos, nossas referências de mundo já caducaram. Alguém com 90 anos ouviu Carmen Miranda na infância. Com quem conversa sobre isso numa festa apenas com pessoas mais jovens? O idoso é isolado. Sua solidão pode ser no meio de muita gente e funcionar como uma solitária social.” P. 112.

A solidão é um problema de saúde pública.

“Vale lembrar que a Organização Mundial da Saúde classifica a solidão como fator de risco maior que o tabagismo e tão grande quanto a obesidade para a saúde humana. Somente na Europa, mais da metade dos idosos com mais de 75 anos mora sozinha. Isso, em si, não é problema, apenas sinal dos tempos, pois muitos desses idosos estão bem com a situação e o fazem por opção. Mas outros tantos estão em quadros de solidão intensa devido à dispersão de seus familiares.” P. 113.

A solidão as vezes é necessária...

“É compreensível a solidão para fugir do mundo cheio de incômodos. As pessoas nem sempre são agradáveis, e nós, muitas vezes, não queremos ser obrigados à gentileza eterna. Custa energia sorrir quando você quer berrar. Fugir da multidão virou um produto de luxo. Áreas mais reservadas no avião custam mais. Quanto mais gente, mais barato. Praias isoladas, comprar sua ilha, estar sozinho em um carro e não no transporte coletivo, ter um apartamento por andar, visitar lugares sem ninguém, e assim vai. Sair do grande grupo é privilégio extremo. Não estou pensando no indivíduo abastado na reclusão da primeira classe, especialmente se estiver lá postando fotos para causar inveja ao mundo. Comprou o isolamento e o privilégio de menos gente para conversar com a multidão virtual.” P. 132.

...

“Terminaremos todos solitários em um túmulo algum dia.” P. 133.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Régine Pernoud e a Objetividade da História

Durante toda a história do pensamento clássico ocidental, a verdade sempre foi vista como objetiva ou absoluta. Por mais que houvessem discordâncias nas conclusões, havia unanimidade de que a maioria via a verdade como correspondência. A verdade era aquilo que é (Aristóteles). A verdade era descoberta, e não inventada. Não havia muito espaço para o relativismo. Claro que existia um ou outro teórico, que pendia para ideias relativistas ou algo semelhante. No entanto, o sentimento geral era de que podia-se acessar a verdade sobre o mundo, a vida, a natureza, o cosmos, Deus etc.

No século XX, precisamente em sua segunda metade, o ambiente cultural mudou. A Modernidade caía aos prantos diante da Pós-Modernidade. A verdade passa a ser vista como relativa e contextual, sendo o ser humano incapaz de se desprender das amarras sociais, para decodificar o mundo assim como ele é. Cada vez mais, a teoria da verdade como correspondência foi sendo questionada e motivo de risos, pelos mais cínicos filósofos, críticos literários e sociólogos. A verdade era vista agora como um meio eficaz de oprimir os mais fracos, e de legitimar interesses pessoais escusos. Os poderosos contam as suas verdades, que ocultam um poder de coerção para organizar a vida social e até natural, para que continuem a moldar a sociedade conforme os seus caprichos. Os ideais clássicos de verdade e razão foram às favas.

Os departamentos de História não escaparam dessa corrosão pós-modernista. A própria ideia de verdades objetivas no campo do estudo histórico foi solapada por alguns historiadores de grande influência. Alguns passaram a ver os estudos historiográficos como mera ficção e manipulação de documentos antigos que nada tinham a ver com verdade e objetividade. Eles não estavam pondo em xeque apenas as interpretações dos fatos históricos, mas os próprios fatos. Interpretações diversas dos acontecimentos sempre houve, os historiadores sabiam e sabem disto. A diferença é que agora, todas as interpretações não eram mais do que jogos de palavras e proposições sem consonância com o mundo real, mas apenas coadunavam-se com a visão e ideias subjetivas de quem escreve a história.

Felizmente, apesar de todos os estragos intelectuais feitos, a maioria dos historiadores não caíram no canto da sereia, segundo nos conta John Tosh, em seu livro A Busca da História.

Régine Pernoud, Historiadora, Arquivista e Paleografa, com um Ph.D em Letras na Ècole Nationale des Chartes, não caiu nessa maracutaia. Na sua obra Idade Média: O Que Não Nos Ensinaram, livro que foi tema da postagem passada, ela é cristalina quanto a busca da verdade objetiva no campo da história.

Pernoud sintetiza bem, o que historiadores relativistas pensam e fazem, e lhes dá uma resposta:

“‘Eu, compreenda, quando faço história, não é para saber se tal fato é exato ou não; procuro apenas aquilo que possa promover minhas ideias.’ Impunha-se uma resposta: ‘Então, caro senhor, por que faz história? Volte-se para a política, para o romance, o cinema, o jornalismo! A História não tem interesse a não ser quando busca a verdade; ela deixa de se chamar História desde que seja outro seu objetivo’. P. 112.

Para ela:

“[...] a História é o estudo paciente de documentos, às vezes bastante áridos, mas sempre concretos, traços de acontecimentos vividos por pessoas vivas, pouco preocupadas de se condicionar a teorias pré-fabricadas, ou a obedecer a estatísticas determinadas.” P. 112.

A objetividade deve pautar a pesquisa do historiador.

“Impossível negar de modo mais ingênuo ou com menos pudor a História. A liberdade de pensamento que ela exige e necessita como toda pesquisa científica, não pode ser confundida de forma alguma com fantasias intelectuais de um indivíduo ditadas por suas opções políticas, opiniões pessoais, impulsos momentâneos ou mais simplesmente pelo desejo de escrever um volume de grande tiragem. A História tem seu campo. Ela deixa de existir quando não for procura de verdade, fundamentada em documentos autênticos; ela se evapora literalmente; ou melhor, ela nada mais é do que fraude e mistificação. É, aqui, a ocasião de citar a belíssima definição de História de Henri Irénée Marrou: ‘Homem de ciência, o historiador, encontra-se, como nomeado por seus irmãos, os homens, para conquistar a verdade’.” P. 113.

Claro que podem e de fato existem muitas interpretações que deixam a desejar. Erros metodológicos contaminam a credibilidade e veracidade da pesquisa. Mas é precisamente a objetividade que faz com que esses erros sejam notados e corrigidos.

“Remontar às fontes, mas não a qualquer fonte, porque a confusão é frequente em demasia, entre fontes literárias e fontes históricas. É evidente que quando se toma ‘em primeiro grau’, ao pé da letra, o teor das canções de gesta ou dos romances de cavalaria, e se deseja fazer de seus personagens tipos de vida quotidiana, a humanidade que se descreve povoa se de monstros, de grandes crimes, de aberrações. O simples bom senso, parece, deveria bastar para retificar erros deste gênero. Isto não é nada. Vimos comentaristas, na França, principalmente, obstinados em tomar em uma acepção literal obras de pura fantasmagoria. Tudo o que se pode pedir a uma obra literária é que seja eco de uma mentalidade, não a descrição de uma realidade, ainda menos sua descrição exata.” P. 116.

A história sendo ficção para entretenimento dos leitores, está cagando para isso.

O verdadeiro trabalho de pesquisa histórica é árduo e cheio de percalços e dificuldades.

“Ciência árdua, que exige que se debruce, longamente, sobre cacos e escritos ilegíveis — os escritos ilegíveis a que os historiadores marxistas acharam bem tratar com desprezo, porque duvidam de sua própria existência enquanto historiadores. Pesar e repesar o valor histórico de cada fonte de documentação, desde a consistência da cerâmica até a carta ou ata do notário; isolar, lentamente, de uma justaposição de fatos controlados a substância viva, a que permite reconstituir peça por peça o itinerário de um personagem, sua obra, às vezes, quando se tem uma documentação suficiente- mente abundante e falante, sua mentalidade — isto exige anos de trabalho e em nossa época de facilidade é, ainda uma vez, quase heroico, mas é apenas a este preço que se faz História.” P. 132-133.

Não há problema em iniciar uma pesquisa, imbuído de uma certa visão, contanto que se os documentos analisados a desmentirem, o historiador abandone-a.

“Um preconceito como ponto de partida é estimulante por certo, mas é necessário saber se resignar a abandoná-lo sempre que os documentos assim o impuserem.” P. 133.

Isto é precisamente o que historiadores relativistas não farão. Ou as vezes nem são relativistas, apenas querem porque querem manter seus preconceitos a despeito de toda e qualquer evidência que os contrariem.

PERNOUD, Régine. Idade Média: O Que Não Nos Ensinaram. São Paulo: Linotipo Digital, 2016. (PDF).

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Idade Média: O Que Não Nos Ensinaram

PERNOUD, Régine. Idade Média: O Que Não Nos Ensinaram. São Paulo: Linotipo Digital, 2016. (PDF).

Ainda hoje é comum, as pessoas vincularem a Idade Média, a um período sombrio e sem avanço significativo algum, seja nas artes, literatura, poesia, ciências. Uma era de trevas sobre a Europa, precisamente por estar sob a influência cristã. Régine Pernoud, Historiadora, Arquivista e Paleografa, com um Ph.D em Letras na Ècole Nationale des Chartes, na França, que trabalhou durante décadas chafurdando antigos documentos empoeirados da idade medieval, discorda desse diagnóstico.

“Mil anos sem produção poética ou literária digna desse nome, é concebível? Mil anos vividos pelo homem sem que se tenha exprimido nada de belo, de profundo, de grande, sobre ele mesmo? Quem acreditaria nisto? No entanto, fizemos acreditar nisso pessoas muito inteligentes que somos nós mesmos, os franceses, e isso por quase quatrocentos anos.” P. 47.

Por exemplo, é comum haver uma sobrevalorização da civilização islâmica que detinha o monopólio do saber. De fato, os árabes muçulmanos na Idade Média, deram grandes contribuições aos vários ramos do conhecimento, inclusive na ciência. Fizeram coisas incríveis. Isso é um fato bem atestado. Não se pode negá-lo. Embora isso não se configure numa dita idade de ouro. Entretanto, essa não é toda história. Eles fizeram o que fizeram, porque o Ocidente conquistado, tinha todo o aparato (ou considerável parte dele), para que a civilização islâmica pudesse florescer.

“Esquecemos frequentemente estes pormenores quando se trata das traduções de Aristóteles, que os filósofos árabes fizeram, em seguida, na Espanha; jamais teriam podido empreender semelhante empreendimento em Sevilha, como houvessem encontrado aí as bibliotecas que haviam conservado as obras de Aristóteles, e isto bem antes da invasão, ou seja, para a Espanha, antes do século VIII. A ciência e o pensamento árabes não fizeram mais do que aprofundar-se nas fontes preexistentes, a dos manuscritos que permitiram este conhecimento de Aristóteles e de outros escritores antigos. Seria um verdadeiro absurdo supor o contrário, como, aliás, se fez. A culpa é dos nossos livros escolares que mencionam Avicena e Averróis, mas passam completamente por cima de Isidoro de Sevilha. Jacques Fontaine chamou atenção sobre o fato de que, em arquitetura, o arco otomano, que se atribui geralmente aos árabes, existia há mais de cem anos antes de sua eclosão nesta Espanha ‘visigótica’, que ele tão bem estudou.” P. 50.

Esse é apenas um fator. Existem outros.

É na modernidade renascentista que se volta para a revalorização da Antiguidade Clássica e não na medievalidade, que a escravidão floresce. Apesar de na segunda ter existido a servidão, em que o servo estava preso a terra.

“[...] há grande distância entre esta servidão medieval e o renascimento da escravidão que se produziu bruscamente no século XVI, nas colônias da América. Ora, trata-se de escravidão, de pessoas consideradas e tratadas como coisas, vendidas e transportadas como carregamento de mercadorias comuns. É, realmente, a volta à escravidão determinada pela expansão colonial que caracteriza o período clássico. E não se vê humanismo em destaque nessa época que prestasse alguma atenção a esta porção da humanidade que foi escravizada como na Antiguidade. No entanto, parece não haver dúvida que a reconquista de influência pela Antiguidade desempenhou papel decisivo para justificar este injustificável comércio.” P. 80.

Pernoud também argumenta que no medievo, a igreja católica lutou contra os casamentos forçados. Enquanto que nos países muçulmanos até hoje, a livre escolha do casamento praticamente não existe.

“Uma força lutou contra essas uniões impostas, e esta foi a Igreja; ela multiplicou, no direito canônico, as causas de nulidade, reclamou sem cessar a liberdade para os que se unem, um com relação ao outro e, com frequência, mostrou-se bastante indulgente ao tolerar, na realidade, a ruptura de laços impostos — muito mais nesta época do que mais tarde, notemos. O resultado é a constatação que provém da simples evidência de que o progresso da livre escolha do esposo acompanhou em toda parte o progresso da difusão do cristianismo. Hoje ainda é, em países cristãos, que esta liberdade, tão justamente reclamada, é reconhecida pelas leis, enquanto que, nos países muçulmanos ou nos países do Extremo Oriente, essa liberdade, que nos parece essencial, não existe ou só recentemente foi concedida.” P. 87.

As mulheres também tinham uma certa autonomia nas atividades e funções que compõe o mundo do trabalho. Ironicamente, é na idade moderna que a mulher começa a perder mais e mais direitos e liberdades.

“Basta dizer que o lugar da mulher na Igreja é exatamente o mesmo que ela ocupou na sociedade civil e que, pouco a pouco, lhe foi retirado, depois da Idade Média, tudo o que lhe conferia alguma autonomia, alguma independência, alguma instrução.” P. 91

“Nas atas de notários é muito frequente ver uma mulher casada agir por si mesma, abrir, por exemplo, uma loja ou uma venda, e isto sem ser obrigada a apresentar uma autorização do marido. Enfim, os registros de impostos (nós diríamos, os registros de coletor), desde que foram conservados, como é o caso de Paris, no fim do século XIII, mostram multidão de mulheres exercendo funções: professora, médica, boticária, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora etc. Não é senão no fim do século XVI, por um decreto do Parlamento, datado de 1593, que a mulher será afastada explicitamente de toda a função no Estado. A influência crescente do direito romano não tarda então a confinar a mulher no que foi sempre seu domínio privilegiado: os cuidados domésticos e a educação dos filhos.” P. 92-93.

Pergunto-me: por mais que haja essa “multidão de mulheres exercendo funções”, nos documentos pesquisados pela Pernoud, não seriam essas mulheres exceção e não a regra?  

No medievo já se sabia que a Terra era redonda.

“Quando preparávamos, nos Arquivos Nacionais, uma exposição sobre o século de São Luís, enviei uma assistente, aliás bastante culta, para consultar, de Brunetto Latini, a passagem bem conhecida do Tesouro, em que ele explicava a seus leitores, em meados do século XIII, a redondeza da terra. [...] Galileu não tinha descoberto que a terra era redonda; o fato já era conhecido há mais de quatro séculos.” P. 96.

Sobre a Inquisição:

“Sob vários aspectos, a Inquisição foi a reação de defesa de uma sociedade para a qual, com razão ou sem ela, a preservação da fé pareceria tão importante como a da saúde física para a atualidade. É palpável aqui o que faz a diferença de uma época para outra, isto é, diferença de critérios, de escala de valores. E é elementar em História começar por levá-los em conta, ou seja, respeitá-los, sem o que o historiador se transforme em juiz.” P. 99.

Pernoud parece dar aquela bela passada de pano para os abusos da igreja católica. Seria por ela ser adepta dessa religião? Talvez.

“De fato, para o crente — e a imensa maioria acreditava, durante a Idade Média — a Igreja está perfeitamente em seu direito quando exerce o poder de jurisdição: enquanto que guardiã da fé, esse direito lhe foi sempre reconhecido pelos que, pelo batismo, pertenciam à Igreja. Daí, por exemplo, a aceitação geral de sanções tais como a excomunhão ou a interdição. Excomungar é colocar fora da comunidade de fiéis quem não se conforma com as regras instituídas pela Igreja enquanto sociedade; é um ‘colocar fora do jogo’, como se pratica em toda parte com quem trapaceia, quem trai, quem não aceita as regras de uma sociedade, de um clube, de um partido, de uma associação qualquer, à qual, anteriormente, pretendia pertencer. Na mesma linha das sanções eclesiásticas, a interdição condenava a uma espécie de excomunhão geral um território inteiro, toda uma cidade, para levar à obediência seu responsável: senhor, rei, até abades etc. Esta espécie de banimento da comunidade dos fiéis era o meio mais eficaz de obter o arrependimento do culpado, porque a interdição compreendia a suspensão de todas as cerimônias religiosas; os sinos deixavam de tocar, os ofícios religiosos (casamentos, enterros...) não eram mais celebrados, o que tornava por demais intolerável a vida das populações.” P. 102-103.

Concluo com estas palavras:

“Haveria um primeiro progresso decisivo a fazer com respeito à Idade Média: seria aceitar que ‘estas pessoas’ tenham sido pessoas como nós; uma humanidade como a nossa, aliás, nem melhor, nem pior, mas diante da qual não basta fazer um gesto de desprezo ou um sorriso condescendente; pode-se estudá-la, serenamente, como a qualquer outra.” P. 122.

domingo, 15 de agosto de 2021

Em Nome de Alá

Aproveitando este triste dia para os afegãos, diante da queda da capital Cabul mais uma vez nas mãos do Talibã, recomendo este documentário feito pelo SBT, que foi produzido quando o Talibã tomou o Afeganistão pela primeira vez, em 1996. Marília Gabriela, seguindo o roteiro dado, já solta a pérola de que o Talibã tem “interpretações distorcidas do Alcorão”.

Roberto Cabrini é mandado para o inferno, entrando pelo Paquistão, indo no caminho contrário aos milhares de afegãos que estão fugindo do país, rumo a nação vizinha, que não é lá esse paraíso, mas como um afegão diz: “Qualquer coisa é melhor do que aqui”. 

“O ciclo da destruição é implacável nas cidades e vilas afegãs. As bombas acabam com o saneamento básico, que acelera a proliferação de doenças que leva a constantes epidemias que matam em massa.”

É país um entregue as moscas. Atrasado, arrasado e destruído; hospitais precários lotados, mortalidade infantil nas alturas. Um lugar que parou há quatrocentos anos no tempo, sem energia, água e alimentos; as pessoas vivendo numa mendicância e miserabilidade sem paralelo nas ruas. “Aqui a luta pela sobrevivência transforma humanos em animais.” 

Cabrini filma uma lojinha que vende não apenas armas, mas drogas abertamente. O Afeganistão era e ainda é o maior produtor de papoula, aquela plantinha marota para a produção de drogas. Os soldados da milícia não têm problemas em usá-las. 

Claro que a conta não fecha, se atentarmos apenas para os problemas internos dessa nação. Forças externas (URSS e EUA) têm parcela significativa de responsabilidade sobre a brutal situação desse país. Apesar da guerra ser uma constante em sua história, era mais tranquilo viver nele, antes da invasão da URSS. No entanto, o célebre historiador Bernard Lewis explica direitinho em seu livro “O que deu errado no Oriente Médio”, sobre o porquê dessa região (o Oriente) ser sempre instável e propensa ao caos.

Quando da invasão da URSS e intervenção do EUA para expulsá-la, nas décadas de 1970-80, surgiram inúmeros grupos e milícias rivais que não se entendiam em como proceder nos rumos do país. O Talibã sobressaiu-se, e começou a sua ascensão ao poder, destruindo seus opositores! Em contexto de guerra e sofrimento, é quase que matemático: o extremismo religioso surge de forma avassaladora, sobretudo, numa religião que cresceu por meio da espada. 

Cabrini diz que a comunidade muçulmana mundial rejeita os procedimentos do Talibã. Isso é verdade. Mas disso não se segue que tudo o que eles fizeram está em desarmonia com o islã. Se eles não seguem tudo e exageram aqui e ali em alguns ensinos alcorânicos e da sunnah, a comunidade muçulmana mundial, que os rejeita, também tem as suas negligências interpretativas. De todo modo, a aplicação da sharia é incompatível com os direitos humanos, não importando se ela é aplicada pelo talibã ou pela suposta liderança muçulmana moderada. Vide a situação das mulheres e minorias religiosas nos outros países muçulmanos. 

As mulheres, coitadas, são as que mais sofrem restrições atrozes, sendo proibidas de mostrarem os rostos, proibidas de estudar, trabalhar, apanhando nas ruas, apanhando dos maridos, e não tendo ninguém, nenhuma corte de apelação no país, que lhes faça justiça. Cabrini, um leigo em islã, diz o chavão de que no islã as mulheres e homens são iguais. 

Mesmo com algumas discordâncias, o SBT está de parabéns pela excelente reportagem. Bom, parabéns de verdade, está o Cabrini e seus colegas imediatos de trabalho, pela coragem de se embrenharem neste país mergulhado no inferno e fanatismo, para mostrar uma realidade brutal, cruel e demoníaca. O que eles fizeram não é pra qualquer um. 

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Missionários Feridos

MEER, Leonora van der. Missionários Feridos. Viçosa, MG: Ultimato, 2009. (PDF).

Antonia Leonora van der Meer, Doutorado em Missiologia pela Asia Graduate School of Theology, e missionária que trabalhou por vários anos em Angola, traz neste livro as suas inquietações e olhar compassivo e amoroso, por aqueles que se embrenham em territórios hostis, para levar o cristianismo, que por vezes, vergonhosamente são negligenciados pelas próprias igrejas que os enviaram.

“Ainda hoje, alguns são abandonados por suas igrejas e retornam ao Brasil, arrasados, sem esperança e em crise de fé.” P. 06.

Ela escreve sobre a teologia do sofrimento e da missão na vida e ensino de Jesus, na vida e ensino do apóstolo Paulo; escreve sobre os atuais contextos de sofrimento e perseguição que englobam os mais cruéis problemas sociais, como a fome, guerras, estupros, perseguições étnicas e religiosas.

Mulheres serem estupradas, não são novidades nesses contextos, em Uganda:

“Uma mulher de 42 anos e sua filha tinham sido estupradas por vários soldados, enquanto sua família (que foi assassinada logo depois) foi forçada a assistir e aplaudir.” P. 51.

Crianças serem forçadas a entrarem para os grupos guerrilheiros também é outra coisa muito comum.

“Em Serra Leoa, em 1997, havia 50 mil combatentes rebeldes, metade deles com idade entre 8 e 14 anos. A maioria foi recrutada contra sua vontade; outras acreditavam que tinham de lutar para defender sua terra ou sua família, e recebiam drogas para amortecer o medo. Algumas gostavam da vida no exército, pois tinham liberdade para saquear e estuprar.

Em Moçambique, na década de 80, a taxa de mortalidade infantil durante a guerra civil com a Resistência Nacional Mocambicana (RENAMO) foi a mais alta do mundo. Crianças, foram forçadas a matar seus pais e irmãos e ver barrigas de mulheres grávidas serem abertas.” P. 52.

O Ocidente tem o seu grande quinhão de responsabilidade.

“Desde o ano de 1990, antes da guerra mais recente, centenas de milhares de crianças iraquianas morreram em consequência do embargo económico imposto pelo Ocidente.” P. 53.

A autora constata algo bizarro:

“Muitas vezes as vítimas de ontem são os algozes de hoje. [...] quanto pior for a injustiça sofrida, mais cega a pessoa fica em relação à injustiça que ela mesma inflige.” P. 55.

Em Ruanda, as igrejas também cometeram seus pecados...

“Em 1959, o país testemunhou uma disputa de poder entre hutus e tutsis. Depois do assassinato de milhares de tutsis e o exílio de mais centenas de milhares, a igreja poderia ter promovido a reconciliação, mas não tomou nenhuma iniciativa. Alguns assassinos, ao irem se confessar, ouviram dos padres: ‘Vá em paz, meu filho, matar um tutsi não é pecado’. Em 1963 e em 1973 houve outras ondas de assassinatos, mas a igreja não se pronunciou. [...] Depois dos assassinatos de 1959, missionários protestantes escreveram um manifesto de protesto. Durante os assassinatos de 1973, os protestantes não se manifestaram.” P. 56.

Em Angola, país em que ela foi missionária...

“Em Angola, campeã mundial em minas terrestres, há tantas pessoas com deficiências físicas e a vida é tão difícil que geralmente essas pessoas são consideradas uma carga pesada demais para se carregar. [...] De acordo com as Nações Unidas, em 2001, Angola, um país com apenas 12 milhões de habitantes, tinha um quinto de toda a população mundial de pessoas com deficiências físicas causadas por guerra.” P. 57-58.

As crianças na Ásia...

“No sudeste asiático, muitas crianças trabalham em fábricas em condições precárias, e a solução desse problema não é simples. A pressão internacional levou fábricas têxteis de Bangladesh a demitirem 75% de seus trabalhadores infantis. Nenhum deles foi para a escola e a maioria acabou trabalhando em condições piores. Se o mundo gastasse 1% do que gasta em armas durante um ano, poderia oferecer educação gratuita em boas escolas para todas as crianças.” P. 64.

Em Cuba...

“Nos anos de 1960-1961, em Cuba, vários padres católicos romanos e bispos foram presos. Apenas em Havana, 20 mil pessoas foram presas. Mais de uma centena de padres e 2 mil freiras foram expulsas. Espiões do governo começaram a frequentar reuniões da igreja. Em 1990, Cuba afrouxou as restrições.” P. 74.

Na Etiópia...

“Em 1974, houve um golpe comunista na Etiópia. O Coronel Mengistu se tornou ditador e proclamou a formação da República do Povo, em estilo soviético. Em 1977, ocorriam até 150 assassinatos e execuções por dia. Os militares usaram dinamite para execuções em massa, para economizar munição. Mais de mil crianças foram massacradas e seus corpos deixados nas ruas. Líderes cristãos foram perseguidos até o final do regime, em 1991.” P. 74.

Nem Israel escapa...

“Em Israel, grupos ortodoxos judeus agridem ministros evangélicos, especialmente os que recebem judeus que se convertem à fé cristã. Membros de uma igreja em Jerusalém tiveram seus nomes pichados nos muros, foram comparados a membros da Ku Klux Klan, e acusados de serem apoiados pela Organização pela Libertação da Palestina (OLP). Jogaram pedras nas janelas de uma igreja em Tiberíades e colocaram fogo no edifício. Apesar disso, a igreja está crescendo.” P. 77.

Nesse ínterim, ela não deixa de mencionar o quanto os cristãos padecem nos países de maioria muçulmana, onde a sharia tem uma forte influência nos rumos dessas sociedades, castrando direitos e a consciência alheia, em nome de um pensamento único, que jamais pode e deve ser posto à prova. Na página 78, ela cita três países:

Paquistão:

"Algumas cortes civis paquistanesas protegem os cristãos, mas essas cortes estão perdendo poder. Há incursões de gangues em vilas cristãs, que invadem casas, estupram mulheres e raptam meninas. Cerca de 90% dos cristãos estão desempregados ou têm os empregos mais desprezados pela sociedade."

Egito:

"O islã foi declarado a religião oficial do Egito em 1980. As leis da Sharia foram adotadas e a perseguição aos cristãos é crescente, especialmente contra os muçulmanos convertidos. Nesse país há milhares de conversões forçadas ao islã. Em 1996, uma turba de 10 mil jovens muçulmanos atacou lares cristãos em várias vilas. Contudo, vários líderes evangélicos relatam que hoje há mais oportunidades para evangelizar e mais liberdade do que havia alguns anos atrás."

Sudão:

"No Sudão [país muçulmano], os habitantes do norte mataram meio milhão de habitantes do sul por meio de armas, bombas, fome e doenças. Líderes cristãos foram açoitados e esfregaram sal em suas feridas. Alguns foram esfaqueados. A maior parte das igrejas foi destruída."

Algumas páginas antes, ela conta um caso cruel de intolerância na Indonésia, país de maioria muçulmana.

“Wilfred Wong é advogado evangélico e serve os cristãos por meio da Campanha do Jubileu e como lobista da Comissão de Direitos Humanos nas Nações Unidas. Ele menciona uma visita que fez a líderes que supervisionam 2 mil pastores e evangelistas nas Ilhas Maluku, Indonésia. Meses antes de sua visita, centenas de obreiros foram mortos, alguns deles queimados vivos, outros cortados em pedaços.” P. 72.